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Autoridades do governo discutiram articulação para afastar Trump do poder, revela ex-vice do FBI

Andrew McCabe revelou discussão entre funcionários do Departamento de Justiça, que ficaram alarmados com demissão do então chefe da agência, James Comey
Presidente dos EUA, Donald Trump discursa em conferência em Washington Foto: KEVIN LAMARQUE / REUTERS
Presidente dos EUA, Donald Trump discursa em conferência em Washington Foto: KEVIN LAMARQUE / REUTERS

WASHINGTON — Ex-vice-diretor do FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, Andrew G. McCabe revelou em entrevista transmitida nesta quinta-feira que autoridades do Departamento de Justiça ficaram tão alarmados com a decisão de Donald Trump de demitir o então diretor da instituição, James Comey, que chegaram a discutir se recrutavam membros do Gabinete para pressionar pela remoção do presidente, com base na 25ª Emenda da Constituição americana.

Preocupações sobre as ações do presidente também levaram McCabe a ordenar que a equipe da agência responsável por investigar a interferência da Rússia nas eleições de 2016 ampliasse seu escopo para apurar se Trump havia obstruído a Justiça ao demitir Comey. Os investigadores também deveriam examinar se o republicano estava trabalhando em nome dos russos, contra os interesses americanos.

A 25ª Emenda da Constituição americana estipula os procedimentos necessários para substituir o presidente ou o vice-presidente em caso de morte, remoção, renúncia ou incapacidade de continuar no cargo.

"Sempre que o vice-presidente e a maioria dos principais chefes dos departamentos executivos, ou de outro órgão que o Congresso venha a autorizar por lei, transmita ao presidente pro tempore do Senado e ao presidente da Câmara dos Deputados sua declaração escrita de que o presidente não pode cumprir os poderes e deveres de seu cargo, o vice-presidente assumirá imediatamente os poderes e deveres do cargo como presidente interino", lê-se na seção 4 da 25ª Emenda.

Neste caso, o presidente poderia transmitir ao presidente do Senado e ao presidente da Câmara declaração por escrito de que tal incapacidade de assumir poderes e deveres não existe. Caberia ao Congresso decidir a questão, em até 48 horas. O presidente seria declarado incapaz se dois terços de cada Casa assim o qualificassem em votação.

As declarações de McCabe foram feitas em entrevista ao programa 60 Minutes, que vai ao ar na íntegra no próximo domingo. Na conversa, McCabe promove seu livro de memórias, intitulado "A ameaça: como o FBI protege a América na era do terror e de Trump", cujo lançamento é previsto para a próxima semana.

McCabe disse que falou com Trump logo depois que Comey foi demitido. No dia seguinte, ele se encontrou com a equipe que investigava a interferência da Rússia nas eleições.

— Eu estava muito preocupado em solidificar o caso da Rússia, deixá-lo indelével — relatou McCabe, sobre o rumo da investigação após a saída do então chefe. — Caso eu fosse removido, ou  transferido (de área) ou demitido, que o caso não pudesse ser fechado nem desaparecesse sem deixar vestígios.

Um trecho da entrevista com o jornalista Scott Pelley foi divulgado. Pelley disse no programa This Morning que McCabe também confirmou uma reportagem do New York Times segundo a qual o vice-secretário de Justiça, Rod J. Rosenstein, teria sugerido o uso de gravadores em reuniões com Trump em maio de 2017, cinco meses depois de o presidente tomar posse.

McCabe e seus ex-colegas fizerem relatos, na mesma época, de suas interações com autoridades do Departamento de Justiça e com Trump. Em um dos memorandos escritos por McCabe, o ex-agente do FBI escreveu: "Discutimos a capacidade do presidente e a possibilidade de que ele pudesse ser removido do cargo sob a 25ª Emenda".

Rosenstein teria indicado, na ocasião, que, para levar tal processo adiante, seria necessário o apoio de pelo menos oito dos 15 integrantes do Gabinete de Trump. McCabe acrescentou que Rosenstein citou os secretários de Justiça e de Segurança Interna como possíveis aliados.

O vice-secretário de Justiça, que está até hoje no cargo, já contestou o relato de suas declarações a respeito da gravação do presidente e da 25ª Emenda. Um ex-funcionário do Departamento de Justiça que estava presente na época em que Rosenstein propôs o uso do grampo disse que ele o fez sarcasticamente.

Mas McCabe disse que a ideia surgiu repetidamente e foi levada a sério, disse o jornalista Pelley. O ex-vice-diretor do FBI é a primeira pessoa envolvida nessas reuniões a falar publicamente sobre elas.

— Eles não estavam perguntando aos membros do gabinete se votariam a favor ou contra a remoção do presidente, mas eles estavam especulando "poderíamos contar com essa pessoa, com essa não" — ressaltou Pelley, ao relatar a entrevista com McCabe. — Isso não foi entendido como uma brincadeira.

Trump respondeu por meio de uma série de tuítes nesta quinta-feira. O presidente disse que "McCabe é uma desgraça para o FBI e uma desgraça para o nosso país". Segundo o presidente, o ex-vice-diretor do FBI "finge ser 'um pobre anjinho' quando na verdade é parte do Escândalo da Trapaceira Hillary & e da Farsa Russa". Mais tarde, num comunicado, a porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee, afirmou que McCabe "não tem credibilidade".