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Concurso da UFF é o primeiro do país a dar pontos extras para professoras com filhos

Medida é para diminuir desvantagem das mulheres que, por conta da licença-maternidade, tiveram que diminuir produção acadêmica e saem atrás na disputa por bolsas de pesquisa
Luta contra o estereótipo: mulheres ainda têm atuação tímida na área de Ciências Exatas Foto: shutterstock.com/science photo
Luta contra o estereótipo: mulheres ainda têm atuação tímida na área de Ciências Exatas Foto: shutterstock.com/science photo

RIO - Um edital da Universidade Federal Fluminense (UFF) recém-publicado inclui um mecanismo inédito para equilibrar a concorrência de homens e mulheres na disputa por bolsas de iniciação científica. Nesse concurso, as professoras que tiveram filhos nos últimos dois anos terão um acréscimo de cinco pontos — caso não atinjam a pontuação máxima — para compensar o tempo de licença-maternidade que foi sem produção acadêmica, um dos critérios para a escolha dos bolsistas. Além de mães, pais que adotam crianças e também casais homoafetivos que tirem licença para cuidar dos filhos também terão direito à pontuação extra. Esta é a primeira vez que este tipo de compensação é utilizada em um edital no país.

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O concurso, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) de 2019, seleciona alunos de graduação para ganhar a bolsa. Um dos critérios é a pontuação, e, quanto maior a produção acadêmica (como artigos publicados em revistas científicas), maior será a quantidade de pontos, que pode chegar até 40. É neste item do edital que a nova regra busca reparar a diferença de gênero.

— Quando a mulher tira licença-maternidade, ela fica sem produzir e acaba ficando para trás nos editais. Isso que a UFF fez é muito novo. Há, no país, um movimento nacional neste sentindo e estamos começando a ter agora algumas iniciativas que olham a maternidade — afirma Márcia Barbosa, professora do Instituto de Física da UFRGS e diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

A inclusão do mecanismo foi uma demanda do grupo Mulheres da Ciência, que foi instituído em agosto de 2018 vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação da UFF. Ele busca incentivar a participação das mulheres nesse campo. Em especial em áreas com sub-representação feminina, como Física, Matemática e Computação.

O grupo também discute apoio para pesquisadoras que são mães e busca a igualdade de gênero entre os acadêmicos.

— As mulheres estão muito presentes na ciência no mundo todo, inclusive no Brasil. Entretanto, são muito mais numerosas na base, na graduação e pós-graduação. Com o avanço da carreira, um número cada vez menor de mulheres está presente. Este fenômeno é conhecido como “efeito tesoura”. O percentual de homens aumenta de maneira desproporcional com o avanço da carreira, enquanto o percentual de mulheres diminui — afirma Letícia de Oliveira, professora do Instituto Biomédico da UFF e coordenadora do grupo Mulheres da Ciência.

Ela salienta que, em posição de destaque na academia, é difícil encontrar alguém do sexo feminino:

— Somos poucas no topo da carreira e em posições de destaque e prestígio científico. Na Academia Brasileira de Ciências, por exemplo, há apenas 14% de mulheres. E este é um fenômeno mundial, apenas 5% de mulheres já ganharam o prêmio Nobel desde 1901. Estudos mostram que pode demorar até 200 anos para que tenhamos uma igualdade.

Construção social de estereótipos

Letícia aponta que não há qualquer hipótese biológica ou evolutiva que explique a pequena participação das mulheres em posição de liderança e nas áreas de exatas e tecnológicas — nas quais a diferença é grande até na graduação.

—  Uma possível explicação se refere à construção social de estereótipos conscientes e inconscientes que determinam em quais lugares as mulheres devem estar. Desde muito cedo isto é estabelecido. Há uma divisão clara entre homens e mulheres que vai desde a cor das roupas até o tipo de brinquedo que é oferecido às crianças. Outra questão é a maternidade: um grupo de pesquisa do Rio Grande do Sul chamado Parent in Science (Pais na Ciência, em tradução livre) fez uma pesquisa científica mostrando que cientistas mães têm um impacto em sua produtividade que dura no mínimo quatro anos após o nascimento da criança. Todas estas questões colocam a mulher em franca desvantagem em relação aos homens. Especialmente na ciência, onde há muito competição, por exemplo, para conseguir financiamento para pesquisa — argumenta ela.

A decisão sobre a pontuação extra para as mulheres que tiveram filho foi implementada a partir de uma consulta a professoras que se sentiram prejudicadas em editais anteriores.

Segundo o reitor da UFF, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, a mudança faz parte de uma política de mitigação de uma série de violências que as mulheres sofrem.

— A ideia é, de forma institucional e transparente, não prejudicar as pesquisadoras mães da UFF pelo período de afastamento posterior à gestação. Há pesquisas que mostram a queda na produção. A pontuação é uma alternativa para reduzir possíveis desnivelamentos no currículo devido à licença maternidade — afirma ele.