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Brasil Educação

'É uma tempestade perfeita’, diz educador que foi desconvidado a assumir o MEC sobre crise na pasta

Mozart Neves Ramos diz que inabilidade de Vélez e o fato de Bolsonaro não blindar a pasta estão na raiz da paralisia do órgão
CI Rio de Janeiro (RJ) 11/09/2015 - Educação 360 na Escola Sesc de Ensino Médio , Novos Alunos , Velhos Alunos ? e o Papel das Competências Socioemocionais , Mozart ramos Neves (terno preto) , Luiz Carlos Freitas (barba) e Antonio Góis (magro) , Jacarepaguá RJ , Fotos : Fábio Guimarães / Extra / Agência O Globo. Foto: Fábio Guimarães / Agência O Globo
CI Rio de Janeiro (RJ) 11/09/2015 - Educação 360 na Escola Sesc de Ensino Médio , Novos Alunos , Velhos Alunos ? e o Papel das Competências Socioemocionais , Mozart ramos Neves (terno preto) , Luiz Carlos Freitas (barba) e Antonio Góis (magro) , Jacarepaguá RJ , Fotos : Fábio Guimarães / Extra / Agência O Globo. Foto: Fábio Guimarães / Agência O Globo

RIO- Em novembro de 2018, o educador e diretor do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, aceitou convite para ser o ministro da Educação no governo Bolsonaro. Mas, por influência da bancada evangélica, o presidente recuou e nomeou para o posto Ricardo Vélez Rodríguez. Três meses depois do início da gestão, Ramos observa de longe a paralisia do MEC e é taxativo ao dizer que a inabilidade de Vélez e o fato de Bolsonaro permitir interferências externas na pasta formam a “tempestade perfeita” que está na origem da crise do ministério. Ramos lança na semana que vem o livro “Sem educação não haverá futuro” (Moderna), que reúne artigos seus publicados na imprensa de 2016 a 2018, sobre os principais gargalos no setor.

No livro, o senhor cita a alfabetização como pedra angular da educação. O governo colocou a área como prioridade, mas os trabalhos no setor não evoluíram. Como vê o cenário atual?

Alfabetizar as crianças até os 7 anos é o primeiro dever de casa a ser feito. O Brasil tem que aprender com o Brasil. Temos o exemplo do Ceará, que faz isso bem. Ao considerar a alfabetização das crianças uma prioridade e criar a Secretaria Nacional de Alfabetização, o MEC tomou uma medida acertada. Por outro lado, é preciso entender que existem muitos modelos de alfabetização e que é inconstitucional impor apenas o método fônico. O MEC erra ao dizer “você pode fazer o seu método, mas não vou financiar o seu, só vou financiar se implementar o método fônico.”

O senhor cita também a necessidade de uma educação pública de qualidade, sobretudo por meio do ensino integral. Isso seria possível em um cenário no qual o governo pressiona para desvinculação de recursos do orçamento e o descumprimento do mínimo constitucional para a educação?

O Brasil precisa levar para a escola a educação do século XXI, com modelo que considere o desenvolvimento pleno da criança. E para fazer essa agenda, preferencialmente em tempo integral, precisamos de dinheiro. Quando o Ministério da Economia coloca essa questão de não respeitar os 25% das receitas para a Educação pode haver um grande prejuízo. Apesar de o Brasil ter praticamente triplicado dos anos 2000 para cá o investimento por aluno ao ano, quando comparamos a países da OCDE e da comunidade europeia, o investimento ainda é pouco. É preciso fazer a gestão desse investimento associado a um planejamento de aumento desse recurso, em uma política que chegue a 10% do PIB, como prevê a meta 20 do PNE. Hoje o Brasil está investindo 6,1% do PIB em educação.

O Fundeb, principal fundo de financiamento da educação básica, vence no ano que vem e ainda não há definição do governo do que pretende apresentar ao Congresso para a área. Isso é perigoso?

Eu vejo com muita preocupação. O Fundeb, que financia toda educação básica, é uma PEC. Então, com o ambiente que há hoje no Congresso, com a pauta travada pela reforma da Previdência, sem ambiente político adequado, com o MEC muito fragilizado por conta de todos esses desencontros e interferências externas, podemos incorrer num risco muito sério e grave de não ter a renovação do Fundeb no tempo certo. Deveríamos ter uma agenda de urgência que olhe para o Fundeb em uma ação articulada do Executivo com o Legislativo para correr contra o tempo. Estamos bem atrasados e isso pode ter um impacto danoso na educação básica brasileira.

O MEC está parado há três meses. É possível recuperar o tempo perdido?

O presidente da República vai ter que, literalmente, bater na mesa, e empoderar o ministro da Educação, seja ele quem for. Se Vélez continua ou não continua. Seja quem for o ministro, o presidente tem que dar a ele a tranquilidade para montar sua equipe, estabelecer a autonomia de funcionamento e sem as ingerências externas, que foram enormes. O MEC vai ter que fazer uma agenda da urgência que envolve o Enem, o Fies e o Fundeb.

O ministro parece não ter força política e prestígio no Planalto, e mesmo assim há uma relutância em substituí-lo. É um descaso com a educação?

Tudo leva a crer que no início da próxima semana haja mudanças substanciais no MEC. Na minha opinião, o nível de desgaste do ministro Vélez é irreversível. O ministério precisa de um novo oxigênio. Não adianta botar quem quer que seja se não houver autonomia para formar sua equipe, conduzir os processos sem a ingerência de pessoas externas. O ministro tem que ser blindado pela Presidência da República.

Acha que é possível resguardar a pasta dessas interferências?

A palavra do presidente tem que valer. Tivemos cerca de quatro nomes para a secretaria executiva do MEC. Dois ou três assumiram, um foi anunciado pelo ministro, mas não confirmado pela Presidência. Eu nunca vi isso. Isso é um desgaste absurdo para o ministério e não há mais tempo. Não se pode mais errar.

Então, na sua opinião, Bolsonaro é mais responsável pela crise no MEC do que Vélez?

É uma tempestade perfeita. O grande desafio do Vélez era a ausência de experiência em gestão pública. Para gerir o maior órgão da Educação no país é muito importante que se tenha alguma experiência, por outro lado isso teria sido minimizado se ele tivesse tido a oportunidade de formar uma boa equipe, harmoniosa. Mas ele também não teve. Teve uma equipe muito fragmentada de acordo com os interesses não só da bancada evangélica, mas também do Olavo de Carvalho, dos militares, do Paulo Guedes. Ele teve um coquetel de pessoas com ideologias e pensamentos diferentes. E continuamente as ingerências externas.

O que seria diferente se o senhor tivesse assumido a pasta?

Fui convidado pelo ministro Onyx, que representava o presidente. Eu aceitei o convite, mandei meu currículo, estava tudo certo para ter a conversa com Bolsonaro, mas houve uma queda de braço com a bancada evangélica, o que é legítimo e normal da política. Então o presidente foi buscar Vélez para resolver o problema. Prever o futuro é sempre difícil. À época o presidente tinha dito que cada ministro teria autonomia para constituir a sua equipe. Pelo conhecimento que tenho na área e por ter passado por cargos públicos, eu já tinha nomes estratégicos importantes que poderiam me ajudar nessa caminhada. Eu tentaria levar o que há de melhor na educação.

Aceitaria o cargo hoje, caso fosse novamente convidado?

Cem dias se passaram, e muita coisa mudou. Em primeiro lugar, estou à disposição da causa. Inclusive procurei o ministro em janeiro para me colocar à disposição para ajudá-lo. Fui a Brasília. Falei como poderíamos enfrentar determinados problemas e quais eram os desafios. Ele me ouviu mais do que falou. Acho importante assumir qual é o caminho que tem que ser seguido, qual é a orientação estratégica. Não faz sentido aceitar qualquer cargo se não se tem a clareza da autonomia para tocar uma pasta tão complexa quanto a da Educação.