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Economia

Governo pretende alterar lei para dividir mais de R$ 100 bi do pré-sal com estados

Proposta a ser encaminhada ao Congresso exclui recursos do teto de gastos para permitir repasses
Plataforma da Petrobras no pré-sal da área de Parque das Baleias, no Espírito Santo. Foto: Steferson Faria / Agência O Globo
Plataforma da Petrobras no pré-sal da área de Parque das Baleias, no Espírito Santo. Foto: Steferson Faria / Agência O Globo

BRASÍLIA - A equipe econômica já encontrou uma saída para partilhar com estados e municípios mais de R$ 100 bilhões em receitas decorrentes da exploração do pré-sal. A solução está na proposta de emenda constitucional (PEC) que desvincula e desindexa o Orçamento da União (a chamada PEC do pacto federativo, que acaba com despesas obrigatórias e deixa nas mãos do Congresso a negociação dos gastos prioritários). Segundo integrantes do governo, o texto vai criar uma exceção à regra do teto de gastos, pela qual as despesas públicas não podem crescer acima da inflação.

Isso abre caminho para que parte da arrecadação com o pré-sal seja transferida para as mãos de governadores e prefeitos sem criar problemas para a União. Hoje, a regra do teto já tem cinco exceções: despesas com eleições, transferências a fundos constitucionais, gastos extraordinários, complemento ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumento de capital em estatais.

Em troca da benesse, o governo quer apoio firme dos governadores à aprovação da reforma da Previdência. Segundo os técnicos, as mudanças nas aposentadorias precisam ser aprovadas primeiro.

Logo após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu a estados e municípios dividir uma fatia do que o governo federal arrecadaria este ano com o megaleilão do pré-sal: cerca de R$ 100 bilhões em bônus de assinatura. Recentemente, ele tem afirmado que pretende compartilhar 80% das receitas do pré-sal com os governos locais. No entanto, não havia forma de fazer essa operação sem descumprir o teto.

Quando a União fosse repassar o valor aos governos regionais, seria criada uma despesa e o limite de gastos não seria respeitado. Mas com a proposta de desvinculação, o assunto fica sanado. O governo pretende encaminhar o texto ao Congresso em breve. Já existem versões da proposta em circulação no governo.

Divisão do fundo social

Além da injeção de recursos do megaleilão, também está nos planos do governo repartir dinheiro do Fundo Social, que é alimentado com a exploração do pré-sal e hoje é todo da União. Neste caso, a PEC do pacto federativo também tem que ser aprovada. A ideia é que os estados tenham mais liberdade para gastar o dinheiro extra que entrar nos próximos anos.

Mas o texto tratará como exceções despesas com saúde e educação. Assim, quando estados e municípios colocarem as mãos nos recursos do petróleo, eles terão necessariamente que destinar parte de sua arrecadação a áreas voltadas para as gerações futuras. A ideia é evitar que o dinheiro seja usado em obras de embelezamento, como já revelou O GLOBO no passado. Em Rio das Ostras, a prefeitura chegou a fazer uma polêmica calçada de porcelanato na praia. Além disso, a aposta é que a resistência à proposta diminua.

O Fundo Social tem cerca de R$ 17 bilhões, montante que deve chegar a R$ 26 bilhões até o fim do ano. Mas a divisão de recursos com os estados não mexerá no que já foi acumulado até agora. A nova regra só afetará as arrecadações futuras. O governo entende que, se mexesse no estoque, criaria insegurança jurídica.

Custo com Previdência nos estados
Variação entre 2015 e 2017, em R$ bilhões
Variação entre 2015 e 2017
(EM %)
2015
2016
2017
101,15
Mato Grosso
0,694
1,105
1,396
87,37
Paraná
2,375
2,299
4,45
72,57
Acre
0,237
0,288
0,409
66,67
Roraima
0,003
0,027
0,005
65,50
Maranhão
0,687
0,763
1,137
50,51
Rio de Janeiro
8,679
10,821
13,063
44,05
Mato Grosso do Sul
1,151
1,136
1,658
40,59
Pernambuco
1,823
2,132
2,563
37,72
Bahia
2,341
2,537
3,224
30,98
Goiás
1,995
2,22
2,613
28,46
Minas Gerais
11,927
13,402
15,322
26,63
Paraíba
1,029
1,135
1,303
24,39
Espírito Santo
1,603
1,802
1,994
22,93
Rio Grande do Sul
8,703
9,749
10,699
19,49
Rio Grande do Norte
1,257
1,398
1,502
19,37
São Paulo
17,877
19,797
21,34
16,68
Amazonas
0,989
0,999
1,154
15,12
Ceará
1,369
1,449
1,576
12,87
Santa Catarina
3,247
3,07
3,665
8,61
Sergipe
0,871
0,897
0,946
7,69
Amapá
0,013
0,034
0,014
3,80
Alagoas
1,238
1,14
1,285
-11,11
Rondônia
0,009
0,008
0,008
-17,95
Piauí
0,557
0,573
0,457
-31,47
Pará
2,078
2,228
1,424
-57,56
Distrito Federal
1,329
1,212
0,564
Tocantins
0
0
0
0,214
Total do rombo dos
estados em
Recursos que entrarão no bolo a ser
partilhado com estados e municípios
leilão do pré-sal
Em 2017
Em 2018
Fluxo de
recursos do
Fundo Social
R$ 94
R$ 85,89
R$ 100
R$ 3,9
bilhões
bilhões
bilhões
bilhões
Fonte: Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais / Secretaria do Tesouro Nacional
Custo com Previdência
nos estados
Variação entre 2015 e 2017, em R$ bilhões
Variação entre 2015 e 2017
(EM %)
101,15
Mato Grosso
87,37
Paraná
72,57
Acre
66,67
Roraima
65,50
Maranhão
50,51
Rio de Janeiro
44,05
Mato Grosso do Sul
40,59
Pernambuco
37,72
Bahia
30,98
Goiás
28,46
Minas Gerais
26,63
Paraíba
24,39
Espírito Santo
22,93
Rio Grande do Sul
19,49
Rio Grande do Norte
19,37
São Paulo
16,68
Amazonas
15,12
Ceará
12,87
Santa Catarina
8,61
Sergipe
7,69
Amapá
3,80
Alagoas
-11,11
Rondônia
-17,95
Piauí
-31,47
Pará
-57,56
Distrito Federal
0
Tocantins
Total do rombo dos
estados em
Em 2017
Em 2018
R$ 94
R$ 85,89
bilhões
bilhões
Recursos que entrarão no bolo a ser
partilhado com estados e municípios
leilão do pré-sal
Fluxo de
recursos do
Fundo Social
R$ 100
R$ 3,9
bilhões
bilhões
Fonte: Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais / Secretaria do Tesouro Nacional

O plano da equipe econômica é garantir aos estados ao menos R$ 3,9 bilhões por ano. Assim, a União deixaria para trás a dívida em compensações da Lei Kandir (que isentou ICMS de exportações, com perdas para estados). O valor também faria frente aos recursos do FEX, auxílio para fomento à exportação, que estados cobram da União, mas que não está previsto no Orçamento deste ano.

Para os técnicos da área econômica, a flexibilização do teto não é um tabu. Para eles, esse tipo de regra, assim como a meta de resultado fiscal, são sinais do descontrole dos gastos públicos. Nas conversas internas, diz-se que países que fazem o dever de casa e são bons pagadores não precisam de tantos mecanismos de controle. Assim, a partir do momento que o governo conseguir reduzir o rombo fiscal e a trajetória da dívida pública, já haverá uma maior credibilidade do país junto aos investidores. info - custo previdência estados

Rombo da Previdência

Na avaliação de especialistas, o dinheiro para estados será bem-vindo. O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, defende que o dinheiro seja direcionado para a Previdência. O conjunto dos estados apresentou rombo no regime de aposentadoria de R$ 85,891 bilhões em 2018.

— É apropriação da riqueza do pré-sal. Isto pode entrar, inclusive, para socorrer a Previdência dos estados. O melhor caminho era pegar esse dinheiro e colocar para bancar as despesas de aposentadoria, que é o item do Orçamento que mais cresceu — afirma Velloso.

A economista Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ, lembra que é importante garantir que o dinheiro extra seja direcionado para investimentos. Ela destaca casos de municípios fluminenses produtores, onde os recursos dos royalties do petróleo foram mal geridos.

— (O dinheiro do petróleo) é um ativo que deve ser preservado para gerações futuras. Você não pode pegar esse dinheiro para pagar cafezinho — destaca a especialista. — No momento em que você desvincula para União, pode se tornar a maldição das vacas gordas. Um país que produz commodity, quando o preço vai lá para cima, ele fica bem. Mas quando vai lá para baixo, fica mal porque gastou mal.