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Josias de Souza

PSDB fala em renovação sem levar o lixo à porta

Josias de Souza

06/05/2019 04h28

Ao estrear como prefeito de São Paulo, após triunfar no primeiro turno da eleição municipal de 2016, João Doria acordava cedo para desfilar pelas ruas da cidade fantasiado de gari. Hoje, na pele de governador paulista, Doria emerge como o novo rosto do PSDB federal. Prega a renovação do partido. Mas demora a fazer por necessidade o que fazia por marketing: vestir o uniforme de gari. Não será levado a sério enquanto não der um destino para o lixo que se acumulou nos salões do tucanato.

Doria consolidou no final de semana o controle do comando do PSDB em São Paulo. Em convenção nacional marcada para 31 de maio, acomodará na presidência nacional do partido o ex-deputado federal pernambucano Bruno Araújo. Apregoa que, em sua nova fase, o tucanato trocará a velha dubiedade murista por posicionamentos firmes e objetivos. Perguntaram-lhe neste domingo (5) sobre a hipótese de expulsão de Aécio Neves. E Doria escalou o muro que deseja demolir.

"Eu acho que nós temos que ter uma atitude, mas em respeito à nova executiva, que assume no dia 1º de junho, eu vou aguardar essa eleição para me manifestar." Hã?!? "Esse é um tema que nós temos que discutir no PSDB, não podemos colocar isso debaixo do tapete e fingir que não é um problema. É um tema que a nova executiva do PSDB vai ter que debater e vai ter que enfrentar, não dá para dizer que não tem nenhum tipo de problema e que vai ficar como está."

Na véspera, Aécio desfilou pela convenção do PSDB de Minas Gerais como se nada tivesse sido descoberto sobre ele. Discursou e foi aplaudido. Emplacou na presidência do diretório estadual mineiro o deputado Paulo Abi-Ackel, seu amigo. E tomou de empréstimo um bordão de Fernando Collor: "Conheço meu passado, sei o que fiz e o que posso ainda fazer. O tempo, o tempo é o senhor da razão."

Enquanto aposta na capacidade do tempo de apagar as acusações que constam dos nove processos criminais em que figura como protagonista, Aécio declara, de fronte alta: "Nós tucanos não temos razão para nos envergonhar de absolutamente nada."

Aécio soou muito parecido com os líderes do PT ao atribuir o derretimento moral às suas hipotéticas virtudes: "É o tempo que vai demonstrar, de forma muito clara, que os ataques dos quais hoje somos vítimas têm muito a ver com a importância que adquirimos."

Apologistas de Doria celebram sua ascensão no PSDB como prenúncio de uma candidatura presidencial potente para 2022. Sustentam que, na hora adequada, o novo comando partidário cuidará da limpeza de Minas Gerais. Correligionários de Aécio dão de ombros. E desafiam Doria a higienizar o tucanato de São Paulo. "Veja a foto da convenção deste final de semana", disse ao repórter um deputado do grupo de Aécio.

Referia-se à fotografia em que Doria aparece ao lado do seu padrinho político Geraldo Alckmin e do senador José Serra. Alckmin personificou a ruína do PSDB na disputa presidencial de 2018, arrostando um humilhante quarto lugar, com 4,76% dos votos. Hoje, está com os bens bloqueados numa ação por improbidade, na qual é acusado de receber verbas sujas da Odebrecht em 2014. Serra é uma sombra do que já foi. Frequenta inquéritos nos quais é acusado de receber R$ 52,4 milhões em propinas e caixa dois.

As hegemonias partidárias, como as festas, costumam acabar em detritos. Durante duas décadas, o PSDB polarizou com o PT as disputas presidenciais. Isso acabou. Doria organiza a convenção nacional de maio como marco de uma grande virada. Mas para que outra festa comece seria imperioso providenciar a faxina da festa anterior.

É difícil levar a sério uma celebração que começa sem que alguém limpe a sujeira que vaza pelas bordas do tapete, desentorte o abajur e verifique se não há pessoas inconvenientes escondidas atrás do sofá. O PSDB de Doria fala em renovação sem colocar o lixo na porta. Ou Doria recupera o figurino de gari ou quem olha de longe não conseguirá distinguir os tucanos que se dizem limpinhos dos que se lambuzaram em festas anteriores.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.