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Economia

Endividamento volta a subir e já compromete 43,19% do orçamento das famílias

Patamar é o mesmo de agosto de 2016, pior ano da crise, segundo BC. Consumidores tentam limpar o nome
Carlos Costa ficou endividado, fez um acordo e limpou o nome. Agora, vai comprar carro financiado Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Carlos Costa ficou endividado, fez um acordo e limpou o nome. Agora, vai comprar carro financiado Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

RIO e SÃO PAULO — Em 2016, no auge da recessão, Silvia Geni de Almeida, de 52 anos, foi demitida. Mesmo com curso superior e 20 anos de experiência em vendas, teve dificuldades para encontrar outra vaga. O marido dela ficou sem trabalho na mesma época. A renda da família, que girava em torno de R$ 7 mil mensais, foi reduzida a R$ 1,9 mil da pensão do filho adolescente de Silvia, paga pelo ex-marido. O jovem teve que trocar a escola particular pela pública, e o casal resolveu usar o que recebeu na rescisão para abrir um restaurante com um amigo. Do empreendimento, só restaram dívidas.

— Quando isso aconteceu, tivemos de escolher entre pagar as contas ou comer. Resolvemos comer. Estou até hoje com o nome sujo — diz Silvia, cuja família vive em uma casa alugada na Vila dos Ferroviários, na Lapa, na capital paulista.

Este ano, o ex-marido dela foi demitido, após 27 anos na mesma empresa, e reduziu a pensão do filho à metade.

Ciranda financeira

Como o desemprego não cede, o endividamento voltou a crescer no Brasil e já atinge 43,19% da renda das famílias, segundo o Banco Central. Esse patamar é o mesmo de agosto de 2016, o pior ano da crise. O número de pessoas com dívidas atrasadas, como Silvia, chegou a 63 milhões em março, de acordo com a Serasa Experian. Com a renda média real estagnada há quase dois anos, as famílias têm dificuldades para se desvencilhar das dívidas, o que limita as chances de novas compras. Quem já está com o nome sujo, não tem acesso ao crédito para adquirir bens e serviços.

— Quem fica na situação de inadimplência, além de ter restrições ao crédito, acaba entrando numa ciranda financeira para pagar as dívidas, afunda o orçamento e restringe o consumo — diz Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor de pesquisa econômica da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac).

A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, observa que a crise prolongada afeta os custos do crédito para todos:

— Como o desemprego está alto, os bancos ainda veem muito o risco de emprestar dinheiro. Por isso, apesar de a Selic (taxa básica de juros) estar em seu mínimo histórico, os bancos não reduziram os juros ao consumidor.

Para voltar ao crédito, a saída é negociar. O vendedor Carlos Costa Pereira, de 33 anos, ficou desesperado quando viu seu nome entrar na lista de inadimplentes, no ano passado, ao se afastar do trabalho por causa de um acidente. Este ano, de volta às comissões das vendas, decidiu sair do vermelho renegociando as dívidas atrasadas, que somavam R$ 3 mil, numa plataforma digital. Obteve desconto de quase 80% na dívida e pagou R$ 700.

Hoje, com o nome limpo, ele põe as finanças em ordem e se prepara para comprar um carro financiado num consórcio:

— Decidi negociar porque a situação estava muito ruim. Fiquei sem cartão de crédito e tinha que usar o da minha mãe, que é aposentada, para comprar remédios para minha avó. Peguei dinheiro emprestado para comprar material escolar da minha filha.

A procura por plataformas digitais de negociação de dívida está aumentando. Na Acordo Certo, foram feitos, só neste ano, 391 mil acordos, mais da metade dos 600 mil feitos em todo o ano passado. Na Blu365, o número de acessos por mês saltou de 500 mil em 2018 para 1 milhão este ano.

Uma das razões apontadas pelos especialistas é a entrada em vigor do Cadastro Positivo automático, em julho, uma espécie de selo de bom pagador. Quem tiver nota positiva terá acesso mais fácil ao crédito e a juros mais baixos. Quanto mais tempo na lista de inadimplentes, pior a nota.

— O Cadastro Positivo automático vai gerar uma oferta de crédito mais inteligente. A expectativa é que os juros na ponta do consumidor caiam porque o risco de inadimplência também vai diminuir. Mas isso ainda levará algum tempo — explica Vivian Moraes, gerente jurídica do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).