Indefinição no STF frustra aliados de Lula, que temem demora para julgamento

Supremo desmarcou análise de habeas corpus em meio à incerteza do resultado e do futuro de Sergio Moro

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Brasília

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal desmarcou o julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em meio à incerteza do resultado e do futuro do ministro Sergio Moro (Justiça) no governo Jair Bolsonaro (PSL).

A decisão do STF de postergar a apreciação do caso frustrou Lula, que está preso em Curitiba desde abril de 2018, após ser condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro pelo caso do tríplex de Guarujá (SP).

Manifestantes com faixa em defesa de Lula na Parada LGBT de SP - Fábio Vieira/FotoRua/Agência O Globo

Os advogados do petista pediram ao Supremo prioridade para manter a data do julgamento, mas ainda não conseguiram reverter a situação.

Na avaliação de aliados de Lula, se o julgamento não for agora, mesmo que o resultado não lhe seja favorável, poderá demorar muito a voltar para a pauta. A indefinição, dizem, é o pior cenário possível. 

O julgamento do habeas corpus estava previsto para esta terça (25), mas a possibilidade de o julgamento acontecer era tratada com descrença por ministros da corte.

A avaliação dessa ala era a de que o Supremo não deveria se antecipar em relação a uma eventual penalidade a Moro após a divulgação de mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil, que indicam troca de colaboração dele com procuradores da Lava Jato.

Para esses ministros, a análise do caso também se tornava delicada num momento em que o ministro da Justiça, que tem alta popularidade, conta com o respaldo do presidente da República.

Em meio ao clima de desconfiança, o ministro Gilmar Mendes indicou o adiamento do julgamento do habeas corpus. Não há, porém, uma nova data, e a sessão desta terça é a última deste semestre antes do recesso.

A apreciação do caso começou em dezembro e foi suspensa por pedido de vista de Gilmar. Como cabe ao ministro trazer o processo para a análise do colegiado, porque a retomada do julgamento começará com seu voto, foi ele que pediu o adiamento, como antecipou a coluna de Mônica Bergamo.

Gilmar havia liberado o processo para análise no dia 11, depois que o site The Intercept Brasil divulgou as primeiras mensagens trocadas entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol. A corte tem sido pressionada a se posicionar sobre o episódio.

A apreciação do habeas corpus dependerá de a presidente do colegiado, ministra Cármen Lúcia, marcar a data. O adiamento chegou a ser visto por aliados do petista como manobra da magistrada.

Cármen Lúcia assume oficialmente o comando da Segunda Turma na sessão desta terça, em substituição ao ministro Ricardo Lewandowski.

Em nota, ela afirmou que, como ainda não assumiu o posto, não poderia ter incluído ou excluído processos na sessão desta terça. Cármen também disse que a pauta da sessão independe da ordem divulgada e que "todo o processo com paciente preso tem prioridade legal e regimental".

O pedido de habeas corpus foi apresentado ao STF por Lula em novembro, antes da divulgação das mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava Jato. O argumento era que o fato de Moro ter aceitado ser ministro de Jair Bolsonaro, adversário político do petista, demonstrava sua parcialidade.

No último dia 13, a defesa de Lula fez um complemento, informando os ministros da Segunda Turma sobre as mensagens que vieram a público e argumentando que elas revelam “completo rompimento da imparcialidade” do ex-juiz.

Nesta segunda, Gilmar considerou que não haveria tempo hábil para a discussão do caso na sessão, pois, conforme a pauta prevista, havia 11 processos listados na frente do de Lula. Só o voto do ministro tem mais de 40 páginas.

No entanto, segundo a secretaria da Segunda Turma, responsável pela pauta, os julgamentos no colegiado não seguem necessariamente a ordem divulgada no site do STF —diferentemente do que acontece no plenário da corte.

A pauta publicada no site, ainda segundo a secretaria da Segunda Turma, reflete a ordem de chegada dos processos por ministro, e, normalmente, devoluções de pedidos de vista ficam no final da lista, o que não significa que serão julgadas por último. Assim, a ordem de análise costuma ser decidida pelo colegiado durante a própria sessão.

A Segunda Turma, composta por cinco ministros, está dividida. O decano, Celso de Mello, é considerado o voto decisivo. Em dezembro, quando o julgamento começou, o relator, Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia votaram contra o pedido de Lula.

Gilmar e Lewandowski devem votar pela suspeição de Moro. Interlocutores dos juízes dão como certo que Fachin e Cármen não mudarão seu entendimento anterior, mesmo após a divulgação das mensagens atribuídas a Moro.

No mesmo dia em que Gilmar liberou o habeas corpus para julgamento, um antigo voto de Celso de Mello começou a circular entre os magistrados como precedente favorável a uma punição a Moro.

Em 2013, ao julgar um habeas corpus do doleiro Rubens Catenacci no caso do Banestado, o decano votou pela suspeição de Moro, que monitorou voos de advogados do acusado para garantir sua prisão. À época, os advogados também pretendiam anular o processo.

Celso de Mello ficou isolado naquela ocasião. Ao divergir dos colegas, ele defendeu que a sucessão de atos praticados por Moro, à época responsável pela 2ª Vara Federal em Curitiba, não foi compatível com o princípio constitucional do devido processo legal.

O ministro afirmou que a conduta do então juiz fugiu “à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca a seu dispor” e gerou sua inabilitação para atuar na causa. Tal posicionamento também foi invocado pela defesa de Lula.

Nesta segunda-feira de manhã, o petista pediu a seus advogados que insistissem para o STF julgar agora o habeas corpus. Desde a divulgação das mensagens de Moro, o ex-presidente vinha demonstrando expectativa de deixar a prisão.

Segundo relatos, Lula vinha tratando a possibilidade de adiamento com temor. Diante disso, a defesa pediu, no início da tarde, que a Segunda Turma seguisse os critérios previstos no regimento interno do STF e priorizasse o caso.

A defesa argumentou ao Supremo que o processo de Lula deveria ser o segundo da pauta desta terça por envolver réu preso, com mais de 70 anos e já ter tido seu julgamento iniciado.

Em carta divulgada nesta segunda por seu ex-ministro Celso Amorim, Lula escreveu que a anulação de seu processo não implica a anulação de toda a Lava Jato.

“Alguns dizem que ao anular meu processo estarão anulando todas as decisões da Lava Jato, o que é uma grande mentira pois na Justiça cada caso é um caso. Também tentam confundir, dizendo que meu caso só poderia ser julgado depois de uma investigação sobre as mensagens entre Moro e os procuradores que estão sendo reveladas nos últimos dias”, disse.

“É só analisar o processo com imparcialidade para ver que o Moro estava decidido a me condenar antes mesmo de receber a denúncia dos procuradores”, continuou.

Apesar de a ministra Cármen Lúcia ter afirmado em nota que não incluiu nem excluiu nenhum processo da sessão da Segunda Turma deste terça, o habeas corpus do ex-presidente Lula já não constava na pauta no site do Supremo na noite desta segunda, por volta de 23h.

Pouco antes da manifestação oficial de Cármen, foram excluídos do andamento do processo o pedido oficial do gabinete do ministro Gilmar Mendes para que o caso saísse da pauta e um documento em que a secretaria da Segunda Turma acatava a indicação do ministro.

A supressão dos dois documentos causou uma confusão sobre a manutenção do julgamento do HC de Lula nesta terça-feira. Para integrantes da defesa do ex-presidente, na prática, Gilmar teria desistido da desistência e o efeito prático desse movimento seria o restabelecimento da pauta original.

No entanto, mesmo com a exclusão dos documentos, no andamento do processo ficou registrado o pedido original de Gilmar de exclusão do processo da pauta. Técnicos do Supremo dizem que apenas o registro é suficiente para manter a decisão de não julgar o habeas corpus nesta terça. Por isso o HC do ex presidente já não aparecia mais na noite de ontem com previsão para ser julgado.

No pedido de retirada, Gilmar usou o argumento de que não haveria tempo para julgar o habeas corpus de Lula, já que havia a indicação de que o caso seria apreciado “após outros onze processos de notável relevância e complexidade”.

Em sua nota, Cármen Lúcia afirmou  que a ordem dos processos na divulgação da pauta não é seguida na sessão e afirmou que os processos com réus presos, “especialmente quando já iniciado ao julgamento”, como é o do de Lula, “tem prioridade legal e regimental”, “independentemente da ordem na pauta divulgada”.

Apesar do conflito de versões, integrantes do tribunal dizem que a retomada do julgamento nesta terça é improvável. Os advogados de Lula, no entanto, estão trabalhando com a possibilidade de o caso ser analisado.

Para Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira, a manifestação da ministra Cármen Lúcia indica que não houve a retirada formal do processo da pauta e que, portanto, até segunda ordem, vale a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que pautou como presidente da turma o julgamento do habeas corpus para esta terça.

A defesa de Lula entende que não basta a manifestação de Gilmar, é preciso que o presidente da Segunda Turma acate a solicitação. Até agora, na avaliação dos advogados, não houve esse ato formal. Zanin deve desembarcar em Brasília nesta terça para comparecer à sessão da Segunda Turma. A avaliação é a de que existe brecha para pressionar pela retomada da análise do caso.

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