RIO — Ministro do
Supremo Tribunal Federal
(STF) entre 1990 e 2006, o jurista
Carlos Velloso
declara que os
vazamentos
de conversas entre o ministro da Justiça,
Sergio Moro
, e o procurador da República Deltan Dallagnol não devem virar trunfos jurídicos para acusados pela
Lava-Jato
, tampouco enfraquecer as investigações contra corrupção, já que as provas “são ilícitas”. Velloso acredita que a opinião pública está “contra a impunidade”, mas enxerga riscos maiores no exercício da magistratura.
Que tipo de impacto os vazamentos de conversas entre Moro, Dallagnol e procuradores podem ter para a Lava-Jato?
Esse tema deve ser tratado com muita cautela, porque nasce de uma ilegalidade, que foi a invasão dos telefones por hackers. É um meio de comunicação em que prevalece a privacidade. Então há um caso surgido de provas ilícitas, algo que a Constituição não admite. A lei diz que são nulas as provas obtidas com ilicitude, e esta é a primeira questão que tem que ser posta em mesa para debate.
A opinião pública reage às informações contidas nos vazamentos, independentemente de serem legais ou ilegais. O senhor imagina uma reação contrária à Lava-Jato?
A opinião pública, de modo geral, está apoiando a Lava-Jato. Pessoas leigas chegam a afirmar que, se provas ilícitas puderem influenciar um caso no sentido de inocentar, absolver pessoas condenadas depois de um longo processo, em que a matéria foi longamente discutida e examinada, então daria para dizer que o crime compensa. Tenho visto esse tipo de reação. A opinião pública de modo geral está contra a corrupção, contra a impunidade.
A preocupação com vazamentos de mensagens privadas pode contaminar ou modificar o trabalho de juízes e procuradores daqui em diante, especialmente da Lava-Jato?
Hoje, o exercício da função pública é cada vez mais uma profissão de risco. A cada ano a privacidade vai se tornando mais vulnerável. (O escritor britânico) George Orwell escreveu o livro 1984, falando sobre o “Big Brother”. O 1984 é hoje, com outros meios muito mais aperfeiçoados de se vigiar as pessoas, de se romper com a privacidade das pessoas. O que é lamentável, mas é algo do nosso tempo.
O ministro Luiz Fux é citado nos diálogos entre Moro e Dallagnol, supostamente depois de uma conversa com o procurador da Lava-Jato. Como isto pode ser interpretado?
É uma prova ilícita, né? Mas que bom que diz: “Em Fux nós confiamos” ("
In Fux We Trust
”, frase escrita por Moro a Deltan). Eu prefiro dizer: no Supremo nós confiamos. Não é bom dizer isso? Triste seria dizer: “Eu não confio em fulano, em beltrano”.
A reportagem indica que Moro e Dallagnol combinaram atuações na Operação Lava-Jato. Em uma das conversas pelo aplicativo Telegran, Moro cobra agilidade da força-tarefa. “Não é muito tempo sem operação?”, questionou.
Dúvidas sobre condenação de Lula no caso tríplex
A reportagem cita ainda mensagens que sugerem dúvidas dos procuradores sobre as provas para pedir a condenação de Lula no caso do tríplex do Guarujá, poucos dias antes da apresentação da denúncia.
Indignação sobre entrevista de Lula antes da eleição
Na série de três reportagens divulgada pelo site, procuradores da força-tarefa também mostraram indignação com a autorização para a "Folha de S. Paulo" entrevistar o ex-presidente Lula na prisão dias antes da eleição presidencial de 2018.
Moro não vê anormalidade em diálogos divulgados
Em nota após a divulgação dos diálogos, Moro diz que não viu anormalidade em conteúdo: "Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava-Jato"
Procuradores dizem que hacker praticou 'graves ataques'
A força-tarefa de Curitiba rebateu a reportagem, dizendo que "seus membros foram vítimas de ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes". Um dia após a publicação, o grupo de procuradores afirmou, em nova nota, que "apenas oferece acusações quando há provas consistentes dos crimes".
Novos diálogos: 'In Fux We Trust'
Três dias após a divulgação das primeiras conversas, o Intercept divulgou novos diálogos. Neles,
Dallagnol
afirmou a
Moro
que havia
ouvido de Fux um apoio à Operação Lava-Jato
. Moro, então, teria respondido com a frase em inglês "In Fux We Trust" ("Em Fux nós confiamos").
Em nova nota, Moro diz que cometeu 'descuido formal'
Em novo posicionamento, , Moro
disse que cometeu um "descuido formal"
ao repassar, via Telegram, informação ao procurador Deltan Dallagnol, em meio às investigações da Lava-Jato: "No que se refere a algumas mensagens que podem ser autênticas. Eu não tenho como confirmar isso em 100%".
'O que ele fez (contra a corrupção) não tem preço', defende Bolsonaro
Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", Moro negou a existência de um "conluio" com a força-tarefa da Lava-Jato, afirmou que não há risco de ser anulado o processo do tríplex do Guarujá (SP), no qual o ex-presidente Lula foi condenado e declarou que não vai se afastar do cargo.
Em café da manhã com jornalistas, na sexta-feira posterior ao vazamento das conversas, Jair Bolsonaro disse que a saída de Moro do governo
não foi cogitada
"em nenhum momento"
Em novos trechos, Moro teria sugerido ao MPF nota para rebater Lula
Novas conversas apontam que o então juiz do caso teria sugerido aos integrantes do MPF emitir uma nota rebatendo a defesa de
Lula
, após o interrogatório do petista feito por Moro, em 10 de maio de 2017. A nota acabou sendo divulgada pela força-tarefa, mas com foco diferente do sugerido por Moro
'A defesa já fez o showzinho dela', disse Moro a Carlos Fernando
Em conversa de Moro com o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, o então juiz afirma que os procuradores poderiam apontar as contradições do ex-presidente: "Talvez vocês devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele. Porque a Defesa já fez o showzinho dela", diz a mensagem.
'Podem ter sido adulteradas e editadas', diz Moro em nota
O ministério da Justiça disse em nova nota que não comentará supostas mensagens de autoridades públicas colhidas por meio de invasão criminosa de hackers e que podem ter sido adulteradas e editadas, especialmente sem análise prévia de autoridade independente que possa certificar a sua integridade.
Carlos Fernando desconhece mensagens
Em nota, Santos Lima disse ao GLOBO que desconhece as mensagens citadas pela reportagem: "Desconheço completamente as mensagens citadas, supostamente obtidas por meio reconhecidamente criminoso, acreditando singular que o "órgão jornalístico" volte-se agora contra mim".
O conteúdo dos diálogos pode levar a opinião pública a questionar atuações individuais de ministros do STF, ou até a atuação do Supremo como um todo?
Primeiro, uma frase isolada não pode servir de base para julgamento de coisa alguma. Segundo, é frase obtida ilicitamente. Terceiro, não vejo nenhum problema em falar que se confia no ministro. Bom mesmo é que confie.
Nos diálogos, Moro fala em “limpar o Congresso”. O senhor vê alguma possibilidade de que os vazamentos incitem um contra-ataque do Legislativo ao ministro, ao Judiciário ou à própria Lava-Jato?
Eu acho que não. A democracia brasileira está muito amadurecida. As instituições estão respeitando umas às outras. Os Poderes são independentes mas devem ser harmônicos. Isso é um mandamento constitucional. Penso que não há nenhum perigo a essa altura de invasões de competência. Cada um no seu papel.
Uma crítica feita a Moro e Dallagnol é de que extrapolavam suas funções como juiz e procurador. Na sua avaliação, o apoio da opinião pública já considerava implicitamente essa atuação mais proativa de ambos?
A Lava-Jato, na verdade, se constituiu em um trabalho sincronizado entre juiz, procuradores, Policia Federal, agentes da Receita Federal, agentes da administração fazendária, e por aí vai. O sucesso dessa operação se deve a isso, a esse trabalho harmônico entre autoridades judiciais e investigativas. Eu acho que a população reconhece isso.