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Rio

Nova testemunha no caso Marielle: pescador diz que seu barco foi usado para jogar armas no mar

Material foi retirado de dois endereços ligados a Ronnie Lessa e levado para a embarcação em uma caixa e uma mala
Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle Franco e Anderson Gomes Foto: Pablo Jacob / Agência O GLOBO
Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle Franco e Anderson Gomes Foto: Pablo Jacob / Agência O GLOBO

RIO - Em depoimento à Delegacia de Homicídios (DH) da Capital, um pescador revelou que um aliado do PM reformado Ronnie Lessa , acusado de ser o assassino de Marielle Franco , contratou o seu barco e jogou seis armas no mar perto das Ilhas Tijucas. A polícia suspeita que, entre as armas estivesse a submetralhadora HK MP5 usada para matar a vereadora e o motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018.

A operação de desova do armamento ocorreu dias depois da prisão de Ronnie, em 12 de março deste ano , e teria contado com a participação de quatro pessoas: Márcio Montavano, o Márcio Gordo, suspeito de ter jogado as armas ao mar; a mulher de Lessa, Elaine de Figueiredo Lessa; o irmão dela, Bruno Figueiredo; e um homem chamado Josinaldo Freitas. Segundo as investigações, Márcio Gordo teria retirado as armas de dois endereços ligados ao acusado de matar Marielle, contratado o barco e jogado tudo no mar. Desde o fim de março, a polícia já realizava buscas no oceano com ajuda da Marinha .

A mulher de Lessa e o irmão dela prestaram depoimento à polícia nesta segunda-feira. Márcio Gordo e Josinaldo estão depondo nesta terça-feira na sede da DH, na Barra da Tijuca. A DH e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) são responsáveis pela investigação sobre o assassinato de Marielle e Anderson.

O pescador contou à Polícia que foi procurado por um homem, que chegou de táxi ao Quebra-Mar, dizendo que queria contratar uma embarcação para fazer pesca submarina perto das Ilhas Tijucas. O barco utilizado é de fibra de vidro, com cinco metros de extensão e motor de 40 HP.

Embarcação da Marinha entre duas ilhas próximas ao Quebra-mar, na Barra, no fim de março deste ano. Pescador disse, em depoimento à políica, que foi pago para jogar armas na área Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
Embarcação da Marinha entre duas ilhas próximas ao Quebra-mar, na Barra, no fim de março deste ano. Pescador disse, em depoimento à políica, que foi pago para jogar armas na área Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

O pescador disse que o homem aparentava ter entre 30 e 35 anos, era forte e tinha os braços cobertos por tatuagens. Ele carregava uma caixa de papelão pesada e uma mala grande, onde o barqueiro acreditava que estavam guardados arpões e material de pesca. Ao chegar “no meio das Ilhas Tijucas”, o homem retirou de uma mala os fuzis, um deles com bandoleira; e de uma caixa de papelão outras caixas menores, nas cores amarela e azul, e jogou tudo no mar.
A polícia avalia que, embora o pescador tenha descrito que viu seis fuzis, a submetralhadora poderia estar na carga jogada ao mar, já que as diferenças entre os dois armamentos não são tão claras para um leigo.

O pescador, que havia acertado a viagem por R$ 60, disse que teve muito medo e não quis cobrar. Porém, na volta, sem dizer nada, o homem jogou R$ 300 dentro da embarcação e foi embora. No depoimento, o pescador disse que já havia visto o homem pelo menos uma vez num bar do Quebra-Mar. Ele disse que o episódio ocorreu no dia 14 ou 15 de março.
A Marinha e o Corpo de Bombeiros chegaram a fazer buscas na região, com o uso de um sonar, mas os mergulhadores tiveram dificuldade de localizar objetos a 40 metros de profundidade e em meio a águas turvas.

O local indicado
Pescador diz que armas usadas no assassinato de Marielle podem ter sido jogadas ao mar, na região das ilhas Tijucas
Barra da Tijuca
Joá
Quebra Mar
Cerca de 1,8 km
Ilha
do Meio
Ilha
Alfavaca
Arquipélago
das Tijucas
Ilha
Pontuda
O local indicado
Pescador diz que armas usadas no assassinato de Marielle podem ter sido jogadas ao mar, na região das ilhas Tijucas
Barra
da Tijuca
Joá
Quebra Mar
Cerca de
1,8 km
Ilha
do Meio
Ilha
Alfavaca
Arquipélago
das Tijucas
Ilha
Pontuda

A retirada das armas

A operação para se livrar do armamento teria acontecido horas antes de a polícia cumprir um mandado no local onde elas estavam armazenadas. Segundo os investigadores, na madrugada do dia 13 de março, três homens vestidos de policiais civis chegaram num Fiat Palio com placa clonada a um conjunto de prédios no Pechincha, em Jacarepaguá, um endereço ligado a Ronnie Lessa, no mesmo condomínio onde mora a sogra dele.

Como não apresentaram mandado de busca e apreensão, o síndico do prédio, que é militar, desconfiou e não permitiu a entrada. No entanto, mais tarde, por volta de 13h30m, um homem sozinho —  provavelmente Márcio Gordo —  conseguiu passar pela portaria e foi até o apartamento, de onde retirou a caixa e a mala.

Os policiais da DH chegaram logo depois com um mandado de busca e apreensão no prédio, mas não havia nada de valor no apartamento, só jornais espalhados pelo chão do imóvel.

Mulher de Lessa na mira da polícia

Os integrantes da quadrilha de Lessa foram gravados pelas câmeras de segurança do prédio saindo do apartamento às pressas, 30 minutos antes de a polícia chegar.
Segundo os investigadores, é aqui que entra a participação da mulher de Lessa, que está na mira da especializada. Teria sido Elaine quem determinou a retirada da mala e da caixa que conteriam os armamentos. Se ficar provado que Elaine coordenou a ação a mando do marido, poderá responder pelo crime de obstrução de investigação de organização criminosa.

A polícia já sabe também que Elaine tem fortes vínculos com Lessa, além do casamento. Os dois eram sócios da Academia Super Nova Saúde do Corpo LTDA, empresa aberta em 21 de maio de 2013, com capital social de R$ 60 mil. Chama a atenção da polícia o fato de a academia ter funcionado em Rio das Pedras, reduto da milícia, que seria denominada Escritório do Crime, investigada no inquérito da Operação Intocáveis. A ação foi coordenada pelo Gaeco, em janeiro deste ano. O grupo paramilitar seria chefiado pelo ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido da Justiça desde então.

Audiência na quarta-feira

Lessa e o ex-PM Élcio Vieira Queiroz, acusado de ser o motorista da emboscada a Marielle e Anderson, estão presos no Presídio Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Na próxima quarta-feira, está marcada a segunda parte da audiência de instrução e julgamento de Lessa, pela posse de 117 peças de fuzis, encontradas na casa do amigo Alexandre Motta de Souza, no Méier. Na primeira audiência, em 6 de junho, a juíza da 40ª Vara Criminal do Rio, Alessandra  Bilac, revogou a prisão preventiva de Alexandre, a pedido do Ministério Público. No depoimento de Lessa, por videoconferência, o sargento reformado da PM contou que as peças encontradas no apartamento do amigo eram itens de airsoft — réplicas de fuzil que utilizam pressão para atirar bolas de plástico, usadas durante jogos.

Em sua defesa, Alexandre disse não saber que havia armas dentro das caixas lacradas, que o amigo pediu que guardasse. Alexandre era amigo do militar há 30 anos. A juíza deu o prazo de 10 dias, a partir do dia 6, para as defesas juntarem documentos. Depois disso, o Ministério Público e as defesas terão que apresentar as alegações finais, momento anterior à sentença. Lessa, em depoimento na delegacia sobre o caso, admitiu que as peças eram dele.

—  Ronnie Lessa é um comerciante de armas de airsoft. Ele tinha autorização para isso. No momento oportuno, apresentaremos as notas fiscais das peças que foram apreendidas pela polícia. Ele não fez nada de errado — comentou Fernando Santana, advogado do PM.

Fontes da Receita Federal já detectaram que o CNPJ da academia do casal servia como referência para a entrega dos itens de fuzis airsoft. Laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli atestou que as peças de armas do tipo airsoft apreendidas no apartamento de Alexandre, amigo de Lessa, poderiam ser adaptadas para fuzis M-16, com alto poder de destruição. Bastaria, para isso, acoplar um cano e um carregador, peças que não foram encontradas no apartamento de Alexandre, no Méier. Esse tipo de armamento pode ser adquirido no mercado negro por cerca de R$ 80 mil, em média. Segundo o delegado Marcus Amin, titular da Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos (Desarme), a apreensão pode ser o fio da meada para algo muito maior relacionado ao tráfico internacional de armas.

—  Um peça apreendida com o amigo de Lessa nos chamou a atenção: o ferrolho, que são utilizados em armas de fogo. Isso reforça a hipótese da montagem de fuzis letais em território nacional. Ele já foi das forças de segurança e tem expertise para isso. Um policial militar tem este tipo de instrução. Se comprovado que ele estava montando armas de fogo, a partir do airsoft, teremos que levantar quem eram os seus clientes, compradores do armamento —  explicou o delegado Amin.

Já no processo que investiga os homicídios de Marielle e Anderson, a próxima audiência de instrução e julgamento do 4º Tribunal de Júri está prevista para o dia 19 de julho. A expectativa está no que Lessa vai falar por videoconferência. Mas antes de ele se pronunciar, haverá a apresentação das provas por parte da acusação, inclusive do delegado que presidiu o inquérito da DH, Giniton Lages, além de depoimentos das testemunhas de defesa.