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Política

Caso Coaf: EUA e Europa não exigem autorização da Justiça para envio de dados bancários a MP

Segundos especialistas, prática de troca de informações começou nos anos 1980 para punir tráfico de drogas
O ex-juiz Walter Maierovitch critica decisão do Toffoli para suspender investigações que tiveram início em comunicação do Coaf Foto: Eliária Andrade / Agência O Globo (28/05/12)
O ex-juiz Walter Maierovitch critica decisão do Toffoli para suspender investigações que tiveram início em comunicação do Coaf Foto: Eliária Andrade / Agência O Globo (28/05/12)

SÃO PAULO - Os Estados Unidos e países da União Europeia não exigem autorização judicial para compartilhamento de informações entre agências de inteligência financeira e órgãos de investigação, segundo juristas ouvidos pelo GLOBO. O entendimento, amparado em convenções e tratados internacionais de combate à corrupção e ao crime organizado , vai na contramão do que determinou nesta terça-feira o presidente do Supremo Tribunal Federal ( STF ) Dias Toffoli .

LEIA: Seis pontos para entender a decisão de Toffoli e como ela pode beneficiar Flávio Bolsonaro

O ministro suspendeu o andamento de processos que tenham tido início com o repasse de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ou da Receita Federal ao Ministério Público. Entre os beneficiados pela liminar está o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), alvo de investigações sobre um possível esquema de "rachadinha" com o salário de seus assessores quando era deputado na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Segundo o jurista Walter Maierovitch, que participou da comissão que elaborou a lei brasileira contra lavagem de dinheiro, entre 1997 e 1998, esse tipo de aviso dado pelas agências de inteligência financeira para autoridades de investigação policial é primordial para que se descubram esquemas de corrupção, tráfico de drogas, de armas e de seres humanos (crimes que, em geral, são difíceis de rastrear).

— Se um sujeito movimenta R$ 10 mil todo mês em sua conta bancária e passa a movimentar R$ 100 mil, o banco usa essa informação para oferecer novos serviços a esse cliente. A lógica é que os bancos devem avisar essas movimentações anormais às agências de inteligência para que elas informem às autoridades — disse Maierovitch, que esteve presente na reunião Convenção de Palermo, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) contra o crime organizado transnacional.

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Segundo ele, só nos Estados Unidos há 22 órgãos de controle de movimentações financeiras, nos moldes do Coaf, que atuam de forma independente. A preocupação da comunidade internacional com troca de informações financeiras começou no final dos anos 1980, com o objetivo de combater o tráfico internacional de drogas. Depois do ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, o foco passou a ser o terrorismo. Nos últimos anos, a corrupção entrou no radar dessas agências.

— Na abertura da convenção de Palermo, o então secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, disse que o tráfico transnacional gerava um lucro de 30%. É um grande negócio para as quadrilhas. Sem essa troca de informações entre os serviços de inteligência financeira, não teria como investigar esses crimes.

O promotor Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, concorda com o entendimento de Maierovitch e critica a decisão de Toffoli. Segundo ele, a liminar afronta a maneira como os outros países do mundo combatem o crime do colarinho branco.

— A decisão é muito ruim, fere a razoabilidade, o bom senso. Afronta a maneira como o mundo hoje vê o combate ao crime do colarinho branco — afirma Livianu.

— No mundo, organismos como Coaf acessam essas informações e o Ministério Público podem obter esses dados para cumprir o seu papel constitucional de defesa do patrimônio público. Não estamos falando de dar acesso a essas informações a uma particular. A uma particular seria uma afronta à privacidade. Estamos falando de acesso a um órgão de Estado — diz o promotor.

Segundo os especialistas, ilegal seria se o Coaf fizesse uma investigação. Mas o que a lei 9.613/1998 autoriza é apenas a troca de informações.

O pesquisador Guilherme France, do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, o compartilhamento dos dados sem aval da Justiça é uma norma editada pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (Gafi), uma organização internacional sediada em Paris, que reúne 35 países.

A análise, porém, não é corroborada por professores de Direito Penal, que elogiam a inciativa de Toffoli. Segundo eles, o acesso aos dados fiscais só pode ser feito por meio de uma decisão judicial.

Segundo David Teixeira de Azevedo, professor de Direito Penal da USP, a decisão de Toffoli segue o que prevê a Constituição e destaca que o acesso aos dados fiscais só pode ser feito por meio de uma decisão judicial.

— Não podem órgãos da administração invadir a privacidade, quebrar a intimidade para conhecer de elementos absolutamente sigilosos. A decisão pode não nos agradar porque diz respeito a uma figura publica, mas é uma decisão que constitui um reforço de direitos garantias fundamentais.

João Paulo Martinelli, professor da Escola de Direito do Brasil (EDB), avalia que o erro no caso do senador Flávio Bolsonaro teria sido a falta de um pedido do Ministério Publico para ter acesso aos dados bancários da pessoas envolvidas nas investigações.

— O que seria o ideal para não suspender (as investigações) é que houvesse o pedido de autorização judicial. Nessa hipótese, não teria problema e o processo não teria sido suspenso.