Brasil

Ambientalistas criticam exoneração de diretor do Inpe

Ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva diz que Ricardo Galvão deixa o governo por ser competente; Greenpeace fala em 'ato de vingança'
Físico Ricardo Galvão é exonerado pelo ministro Marcos Pontes Foto: Lucas Lacaz Ruiz/A13 / Agência O Globo
Físico Ricardo Galvão é exonerado pelo ministro Marcos Pontes Foto: Lucas Lacaz Ruiz/A13 / Agência O Globo

RIO — Confirmada nesta sexta-feira, a exoneração do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ( Inpe ), o físico Ricardo Galvão, foi criticada por ambientalistas.

Após uma reunião com o ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes , na manhã desta sexta, Galvão afirmou que será exonerado. A pasta confirmou a informação, e Pontes inclusive postou em sua conta no Facebook um vídeo agradecendo o "legado" do físico.

Galvão deixa o posto antes de concluir o seu mandato de quatro anos à frente do Inpe, no final de 2020. Desde o mês passado, ele vem sendo criticado pelo presidente Jair Bolsonaro , que questiona dados de desmatamento da Amazônia computados pelo Inpe.

ANÁLISE: Maior problema do desmatamento na Amazônia é a fiscalização

No Twitter, a ex-ministra do Meio Ambiente (MMA) Marina Silva afirmou que Galvão foi demitido por sua "extrema competência, altivez" e porque "não se acovardou diante das ameaças" de ministros e do presidente Jair Bolsonaro .

"Bolsonaro tenta destruir uma instituição de 50 anos de existência, tentando impor a lei da mordaça e do autoritarismo", escreveu a ex-ministra. "Vida longa ao Dr. Ricardo Galvão, aos bravos cientistas do Inpe e aquela admirada instituição! Somos todos Inpe! O ataque ao Inpe é o ataque a honradez, à competência, à ciência, ao interesse público e à Constituição", escreveu.

A ferramenta Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real), que apontou, em julho, um nível recorde de alertas da devastação da cobertura florestal, foi criada durante a gestão de Marina à frente do MMA (2003-2008). Os índices divulgados nos últimos meses foram contestados pelo governo federal e estão no epicentro das discussões entre Galvão e Bolsonaro .

Em nota, o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace , Márcio Astrini, afirmou que o presidente "sabe que seu governo é o principal responsável pelo atual cenário de destruição da Amazônia":

"A exoneração do diretor do Inpe é apenas um ato de vingança contra quem mostra a verdade", protestou. "O  novo governo vem implementando no país um projeto antiambiental, que sucateia a capacidade do Estado de combater o desmatamento e favorece quem pratica o crime florestal. E agora, na hora de encarar as consequências de suas decisões, tenta esconder a verdade de maneira vergonhosa e culpando terceiros".

Carlos Rittl , secretário-executivo do Observatório do Clima , considerou que a exoneração de Galvão é "lamentável, porém esperada". Em comunicado, Rittl avaliou que o diretor do Inpe "selou seu destino" ao não se calar diante das "acusações atrozes" de Bolsonaro ao instituto.

"Ao reagir, Galvão também preservou a transparência dos dados de desmatamento , ao chamar a atenção da sociedade brasileira e da comunidade internacional para os ataques sórdidos, autoritários e mentirosos de Bolsonaro e (o ministro do Meio Ambiente) Ricardo Salles à ciência do Inpe", criticou Rittl.

Para Rittl, Bolsonaro e Salles descobrirão, "do pior jeito, que não adianta matar o mensageiro, nem aparelhar o Inpe":

"A imagem do Brasil já está irremediavelmente comprometida por essa cruzada contra os fatos. (...) A única maneira de evitar más notícias sobre o desmatamento é combatê-lo".

Diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) — instituto que também foi dirigido por Galvão —, Ronald Shellard avaliaria que a exoneração do físico foi uma "decisão desastrosa".

— Foi um erro estratégico do governo, porque misturou alhos com bugalhos. O desmatamento da Amazônia não deve ser visto como uma questão política — ressalta. — O presidente tem uma filha de 8 anos, que deve estar viva até o final do século. Que mundo vamos deixar para ela e para outras gerações se não houver um combate ao desmatamento e às mudanças climáticas?

Luiz Davidovich , presidente da Academia Brasileira de Ciências , também discorda da mistura entre ciência e política:

— O Estado não pode inibir ou censurar as pesquisas, e as instituições científicas não devem se amedrontar, pensando que a revelação de dados inconvenientes para o governo resultará em exonerações — alerta.

Em seu embate com Galvão, o presidente Bolsonaro afirmou que dados que mostram avanço do desmatamento não deveriam ser liberados sem análise prévia do governo, porque poderiam comprometer a imagem internacional do país. Davidovich, porém, pensa o contrário. Para ele, o Brasil sai arranhado na comunidade científica se censurar ou optar por liberar apenas uma parcela das informações detectadas.

— O reconhecimento internacional do Inpe deve-se à divulgação total de seus dados. Se forem expostos apenas parcialmente, o mundo não acreditará mais na liberdade da instituição.

Ao site "Direto da Ciência", a Coalizão Ciência e Sociedade, integrada por 65 pesquisadores de instituições de todas as regiões brasileiras, expressou apoio aos monitoramentos e alertas de desmatamento divulgados pelo Inpe.

A coalizão também destaca que, em um momento de ajuste fiscal e restrições orçamentárias, que atingem inclusive instituições científicas, o governo anunciou a contratação de um sistema privado de monitoramento que será "redundante" em relação ao já realizado por um instituto público:

"Estamos vivenciando a inédita situação de termos um ministro de Meio Ambiente que não defende, ao contrário, ataca o meio ambiente, e um ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que é tímido na defesa da ciência e silencia sobre a qualidade do trabalho de um dos mais conceituados institutos desse ministério e exonera seu diretor. Ambos contribuem assim com o rápido sucateamento da credibilidade, nacional e internacional, construída com esforço e perseverança por gerações de cientistas e tecnólogos ao longo de diferentes governos".