BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro defendeu nesta quinta-feira, 8, que o governo não dê prioridade à principal proposta do ministro da Justiça, Sérgio Moro, o pacote anticrime, para não atrapalhar medidas econômicas em discussão no Congresso. Em um recado ao auxiliar, que já foi tratado como “superministro”, o presidente afirmou que Moro precisa ter “paciência”, pois não tem mais a “caneta na mão” como na época em que era magistrado. A declaração surpreendeu até mesmo aliados e acentuou o desgaste do ex-juiz da Lava Jato, que tem sofrido derrotas sucessivas na Câmara.
“O Moro está vindo de um meio onde ele decidia com uma caneta na mão. Agora, não temos como decidir de forma unilateral e temos que governar o Brasil”, disse Bolsonaro pela manhã ao deixar o Palácio da Alvorada. “O ministro Moro vem da Justiça, mas não tem poder, não julga mais ninguém. Entendo a angústia dele, de querer que o projeto vá para frente, mas nós temos que combater aí, diminuir o desemprego, fazer o Brasil andar.”
A declaração ocorre num momento de fragilidade do ministro, que teve supostas mensagens trocadas com integrantes da Lava Jato divulgadas pelo site The Intercept Brasil. Segundo a publicação, as conversas sugerem conluio do então juiz do caso com procuradores. Moro nega irregularidades e tem afirmado não ser possível atestar a autenticidade do que foi divulgado.
Bolsonaro já havia indicado descontentamento com o auxiliar em outros episódios. No mês passado, o presidente advertiu publicamente Moro ao afirmar que o ministro não poderia destruir provas da Operação Spoofing, que investiga a invasão de aparelhos de autoridades dos três Poderes.
O presidente também não garantiu a permanência de Roberto Leonel no comando do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Leonel foi coordenador da Receita Federal na Lava Jato e assumiu o cargo a pedido de Moro.
Em entrevista ao Estado, Leonel criticou a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que atendeu a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, e suspendeu investigações no País.
A própria transferência do órgão para o Ministério da Economia, com aval do Palácio do Planalto, já havia sido considerada um desprestígio a Moro. Agora, a ideia no governo é vincular o Coaf ao Banco Central.
‘Patrimônio’. De acordo com auxiliares de Bolsonaro, mesmo que movimentações recentes de Moro tenham desagradado ao palácio, o presidente sabe o peso político e o apoio popular que o ex-juiz tem. Moro é considerado um “patrimônio” no combate à corrupção e peça fundamental no governo. Por isso, assessores afirmam não haver qualquer intenção de fritá-lo.
Numa tentativa de contornar o mal-estar causado pelas declarações da manhã, à noite Bolsonaro levou Moro para a sua “live” semanal e pediu que o ministro explicasse o seu pacote anticrime. O presidente afirmou que iria procurar parlamentares para que analisem a proposta, mas evitou dizer que daria prioridade em relação às propostas econômicas. “Vamos tratar desse assunto com a velocidade e responsabilidade que nós todos poderemos ter”, disse Bolsonaro.
Pacote. Ao aceitar ser ministro, Moro abandonou 22 anos de carreira na magistratura pela possibilidade de, segundo ele, aperfeiçoar a legislação de combate à corrupção no País. Seu pacote anticrime, apresentado ao Congresso em fevereiro, reúne algumas das bandeiras da Lava Jato, como a prisão após condenação em segunda instância.
Para o relator do pacote anticrime na Câmara e líder da bancada da bala, deputado Capitão Augusto (PL-SP), a falta de prioridade às propostas de Moro causa estranheza. “Fiquei surpreso, não estava esperando isso. Estamos aguardando o ano todo a nossa vez, e estávamos achando que seria agora. Passando a reforma da Previdência, entraria o nosso pacote e depois a reforma tributária”, afirmou o parlamentar.
O recado de Bolsonaro acontece menos de uma semana após Moro ter pedido ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em café da manhã, a aceleração do pacote anticrime. Em fevereiro, quando o ministro apresentou suas medidas, o presidente da Câmara decidiu criar um grupo de trabalho para analisar previamente a junção das propostas a outros projetos que já tramitavam na Casa. A iniciativa irritou Moro, que chegou a trocar farpas publicamente com Maia.
Desde então, o pacote anticrime foi desidratado no colegiado. Pontos cruciais da proposta, como a prisão após condenação em 2.ª instância e o chamado “plea bargain”, foram rejeitados.