Bolsonaro vê Moro sem a ‘caneta’ de juiz e poder

Presidente defende que governo não dê prioridade ao pacote anticrime do ministro; para contornar ‘mal-estar’, ex-juiz é convidado para transmissão em rede social 

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Por Renato Onofre , Tania Monteiro , Felipe Frazão e Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro defendeu nesta quinta-feira, 8, que o governo não dê prioridade à principal proposta do ministro da Justiça, Sérgio Moro, o pacote anticrime, para não atrapalhar medidas econômicas em discussão no Congresso. Em um recado ao auxiliar, que já foi tratado como “superministro”, o presidente afirmou que Moro precisa ter “paciência”, pois não tem mais a “caneta na mão” como na época em que era magistrado. A declaração surpreendeu até mesmo aliados e acentuou o desgaste do ex-juiz da Lava Jato, que tem sofrido derrotas sucessivas na Câmara.

Entre o ministro Sérgio Moro e a tradutora em Libras, o presidente Bolsonaro participa de transmissão em rede social Foto: CAROLINA ANTUNES/PR

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“O Moro está vindo de um meio onde ele decidia com uma caneta na mão. Agora, não temos como decidir de forma unilateral e temos que governar o Brasil”, disse Bolsonaro pela manhã ao deixar o Palácio da Alvorada. “O ministro Moro vem da Justiça, mas não tem poder, não julga mais ninguém. Entendo a angústia dele, de querer que o projeto vá para frente, mas nós temos que combater aí, diminuir o desemprego, fazer o Brasil andar.”

A declaração ocorre num momento de fragilidade do ministro, que teve supostas mensagens trocadas com integrantes da Lava Jato divulgadas pelo site The Intercept Brasil. Segundo a publicação, as conversas sugerem conluio do então juiz do caso com procuradores. Moro nega irregularidades e tem afirmado não ser possível atestar a autenticidade do que foi divulgado.

Bolsonaro já havia indicado descontentamento com o auxiliar em outros episódios. No mês passado, o presidente advertiu publicamente Moro ao afirmar que o ministro não poderia destruir provas da Operação Spoofing, que investiga a invasão de aparelhos de autoridades dos três Poderes.

O presidente também não garantiu a permanência de Roberto Leonel no comando do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Leonel foi coordenador da Receita Federal na Lava Jato e assumiu o cargo a pedido de Moro.

Em entrevista ao Estado, Leonel criticou a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que atendeu a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, e suspendeu investigações no País.

A própria transferência do órgão para o Ministério da Economia, com aval do Palácio do Planalto, já havia sido considerada um desprestígio a Moro. Agora, a ideia no governo é vincular o Coaf ao Banco Central.

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‘Patrimônio’. De acordo com auxiliares de Bolsonaro, mesmo que movimentações recentes de Moro tenham desagradado ao palácio, o presidente sabe o peso político e o apoio popular que o ex-juiz tem. Moro é considerado um “patrimônio” no combate à corrupção e peça fundamental no governo. Por isso, assessores afirmam não haver qualquer intenção de fritá-lo.

Numa tentativa de contornar o mal-estar causado pelas declarações da manhã, à noite Bolsonaro levou Moro para a sua “live” semanal e pediu que o ministro explicasse o seu pacote anticrime. O presidente afirmou que iria procurar parlamentares para que analisem a proposta, mas evitou dizer que daria prioridade em relação às propostas econômicas. “Vamos tratar desse assunto com a velocidade e responsabilidade que nós todos poderemos ter”, disse Bolsonaro.

Pacote. Ao aceitar ser ministro, Moro abandonou 22 anos de carreira na magistratura pela possibilidade de, segundo ele, aperfeiçoar a legislação de combate à corrupção no País. Seu pacote anticrime, apresentado ao Congresso em fevereiro, reúne algumas das bandeiras da Lava Jato, como a prisão após condenação em segunda instância.

Para o relator do pacote anticrime na Câmara e líder da bancada da bala, deputado Capitão Augusto (PL-SP), a falta de prioridade às propostas de Moro causa estranheza. “Fiquei surpreso, não estava esperando isso. Estamos aguardando o ano todo a nossa vez, e estávamos achando que seria agora. Passando a reforma da Previdência, entraria o nosso pacote e depois a reforma tributária”, afirmou o parlamentar.

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O recado de Bolsonaro acontece menos de uma semana após Moro ter pedido ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em café da manhã, a aceleração do pacote anticrime. Em fevereiro, quando o ministro apresentou suas medidas, o presidente da Câmara decidiu criar um grupo de trabalho para analisar previamente a junção das propostas a outros projetos que já tramitavam na Casa. A iniciativa irritou Moro, que chegou a trocar farpas publicamente com Maia.

Desde então, o pacote anticrime foi desidratado no colegiado. Pontos cruciais da proposta, como a prisão após condenação em 2.ª instância e o chamado “plea bargain”, foram rejeitados.

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