Moro avisa autoridades que mensagens apreendidas com hacker serão destruídas

Preso diz à PF que hackeou mensagens da Lava Jato e as entregou de forma anônima ao Intercept

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Brasília

O ministro da Justiça, Sergio Moro, tem avisado as autoridades vítimas de hackers que as mensagens capturadas pelo grupo preso pela Polícia Federal serão destruídas.

O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio Noronha, afirmou à Folha nesta quinta-feira (25) que a informação foi dada pelo próprio ministro por telefone. A comunicação foi confirmada à reportagem pela assessoria de Moro.

Moro telefonou a Noronha para comunicar que ele estava na lista dos alvos do grupo preso na última terça-feira (23) pela Polícia Federal.

“Recebi pelo ministro Moro a notícia de que fui grampeado. Não tenho nada que esconder, não estou preocupado nesse sentido”, disse o magistrado. “As mensagens serão destruídas, não tem outra saída. Foi isso que me disse o ministro e é isso que tem de ocorrer”, acrescentou.

Além de Noronha, outras autoridades tiveram seus celulares atacados pelo grupo, entre elas os presidentes da Câmara e do Senado e ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).  O descarte de qualquer material apreendido em operações policiais é uma decisão que cabe à Justiça e só pode ocorrer com decisão do juiz.

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse à coluna Mônica Bergamo que apenas o Judiciário poderá decidir se as mensagens apreendidas com os hackers serão destruídas.

"Cabe ao Judiciário decidir isso, e não à Polícia Federal", afirmou Marco Aurélio, evitando fazer uma crítica direta a Moro. Ele diz que é preciso cuidado para que provas de crimes não sejam destruídas. "Há uma responsabilidade civil e criminal no caso de hackeamentos que precisam ser apuradas."

Para especialistas ouvidos pela Folha, uma decisão nesse sentido cabe apenas ao juiz responsável pelo caso.

O professor de direito processual penal da PUC-SP Cláudio Langroiva diz que o magistrado pode optar por manter todo esse material intacto e sob sigilo até que o processo tenha uma decisão final.

Esses materiais, por exemplo, podem ser úteis tanto à acusação quanto à defesa ao longo de uma eventual ação penal.

Outra possibilidade é o Ministério Público pedir o descarte de parte dessas provas antes da sentença, desde que ela já tenha sido periciada e que uma parcela de informações básicas continue armazenada.

Em depoimento ao Senado no dia 19 de junho, Moro defendeu que o site Intercept Brasil, que divulgou as mensagens, entregasse o material para ser periciado.

 

"Pega o material e entrega para uma autoridade, sem prejuízo da publicação das matérias. Aí vai se poder verificar por inteiro esse material, o contexto no qual ele foi inserido e principalmente verificar se esse material é autêntico ou não. Porque até agora não temos nenhuma demonstração da origem desse material", declarou Moro na ocasião. 

Para a Polícia Federal, Walter Delgatti Neto, um dos quatro presos pela PF na terça-feira, foi a fonte do material que tem sido publicado desde junho pelo site The Intercept Brasil com conversas de autoridades da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Em depoimento, como revelouFolha, Delgatti disse que encaminhou as mensagens ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do site, de forma anônima, voluntária e sem cobrança financeira.

Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram a partir de 2015.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento revelam que o então juiz Moro, por exemplo, indicou ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, uma testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula.

O ex-juiz, segundo as mensagens, também orientou Deltan a incluir prova contra réu da Lava Jato em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu ao procurador alterar a ordem de fases da operação e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Nas conversas, Moro ainda se posicionou contra investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele podem ser anuladas. Isso inclui o processo de Lula, que está sendo avaliado pelo STF.

O artigo 254 do Código de Processo Penal afirma que “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Já o artigo 564 afirma que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.

Mensagens periciadas

Na operação realizada na terça-feira (23), a perícia criminal da Polícia Federal copiou dados guardados pelo suspeito preso em plataformas de nuvens na internet que sugerem veracidade em pelo menos algumas das declarações de Walter Delgatti Neto, um dos quatro presos sob suspeita de hackear autoridades.

Nesse material apreendido, estão conversas entre procuradores da Lava Jato como as que foram divulgadas pelo Intercept.

Segundo informações da investigação, o presidente do STJ teve mensagens copiadas. De acordo com Noronha, não há motivo para se periciar as mensagens. "Seria uma devassa, não faz sentido algum", afirmou.

Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), também foram vítimas de ataques hackers. O ministro da Justiça fez ligações aos alvos nesta quinta-feira (25) para tentar comunicá-los. 

Por meio de nota, Maia disse que "não utiliza o aplicativo Telegram e que teve conhecimento de um suposto hackeamento pela imprensa".

"Embora tranquilo, pois não tenho nada a esconder, manifesto minha indignação com a invasão de minha privacidade e não posso deixar de reafirmar minha repulsa às atividades desses criminosos virtuais", afirmou Alcolumbre.

A Polícia Federal prendeu na última terça-feira (23) quatro pessoas que estariam envolvidas com as invasões de celulares de autoridades. 

Segundo informações da PF, mais de mil pessoas podem estar na lista de alvos dos hackers. Em alguns casos, os ataques tiveram sucesso, mas em outros não —o que está em apuração.

Mais cedo, o Ministério da Justiça anunciou o presidente Jair Bolsonaro também foi vítima.

 

ENTENDA A OPERAÇÃO

Qual o resultado da operação da PF? Nesta terça (23), quatro pessoas foram presas sob suspeita de hackear telefones de autoridades, incluindo Moro e Deltan. Foram cumpridas 11 ordens judiciais, das quais 7 de busca e apreensão e 4 de prisão temporária nas cidades de São Paulo, Araraquara (SP) e Ribeirão Preto (SP). Os quatro presos foram transferidos para Brasília, onde prestariam depoimento à PF

As prisões têm relação com as mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava Jato divulgadas desde junho pelo site The Intercept Brasil? Walter Delgatti Neto, um dos suspeitos presos na operação de terça, afirmou em depoimento que encaminhou as mensagens que obteve ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do site, de forma anônima, voluntária e sem cobrança financeira. Não há até agora indício de que tenha havido pagamento pelo material divulgado, segundo investigadores.

Como a investigação começou? O inquérito em curso foi aberto em Brasília para apurar, inicialmente, o ataque a aparelhos de Moro, do juiz federal Abel Gomes, relator da Lava Jato no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), do juiz federal no Rio Flávio Lucas e dos delegados da PF em São Paulo Rafael Fernandes e Flávio Reis. Segundo investigadores, a apuração mostrou que o celular de Deltan também foi alvo do grupo.

Quando Moro foi hackeado? Segundo o ministro afirmou ao Senado, em 4 de junho, por volta das 18h, seu próprio número lhe telefonou três vezes. Segundo a Polícia Federal, os invasores não roubaram dados do aparelho. De acordo com o Intercept, não há ligação entre as mensagens e o ataque, visto que o pacote de conversas já estava com o site quando ocorreu a invasão

O conteúdo das mensagens será destruído, como chegou a afirmar Moro? Para especialistas ouvidos pela Folha, uma decisão nesse sentido cabe apenas ao juiz responsável pelo caso. O professor de direito processual penal da PUC-SP Cláudio Langroiva diz que o magistrado pode optar por manter todo esse material intacto e sob sigilo até que o processo tenha uma decisão final. Esses materiais, por exemplo, podem ser úteis tanto à acusação quanto à defesa ao longo de uma eventual ação penal. Outra possibilidade é o Ministério Público pedir o descarte de parte dessas provas antes da sentença, desde que ela já tenha sido periciada e que uma parcela de informações básicas continue armazenada

​Colaborou Felipe Bächtold, de São Paulo

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