Blog do Helio Gurovitz

Por Helio Gurovitz

Diretor de redação da revista Época por 9 anos, tem um olhar único sobre o noticiário. Vai ajudar você a entender melhor o Brasil e o mundo. Sem provincianismo


O ministro da justiça Sérgio Moro e o presidente Jair Bolsonaro, num evento da Marinha em junho — Foto: Adriano Machado/Reuters

A sucessão de derrotas acumuladas por Sergio Moro desde que aceitou o cargo de ministro da Justiça de Jair Bolsonaro demonstra que a distância entre os dois aumenta a cada dia. Uma ruptura entre Moro e Bolsonaro provocaria um baque sem precedentes na correlação de forças que sustenta o governo.

Bolsonaro chegou a Brasília embalado na fama de dois “superministros”: Moro e Paulo Guedes. A dificílima reforma da Previdência de Guedes passou pela Câmara e deverá ser aprovada no Senado. Quanto ao projeto anticrime de Moro, bem, ele continua esquecido nalguma gaveta. Desde o início do governo, o encolhimento de Moro é visível (escrevi sobre isso em maio).

É certo que medidas econômicas são mais urgentes, mas há outro fator em jogo. Moro oferece a Bolsonaro uma ameaça política que Guedes jamais oferecerá. Nenhum outro nome do mesmo campo ideológico tem tanta popularidade nem desperta tanta paixão (contra ou a favor). Nas eleições de 2022, Moro seria um antagonista da esquerda tão ou mais eficaz que Bolsonaro. Reside aí a razão do fosso entre os dois.

Artífice da Operação Lava Jato, foi Moro quem forneceu a Bolsonaro dois ingredientes essenciais para alcançar o poder. Primeiro, o discurso de combate à corrupção. Bolsonaro se apresentou ao eleitor como nome impoluto, distante das práticas da “velha política” que contaminavam todos os demais partidos. Segundo, em consequência disso, a devassa no sistema partidário abriu espaço para que um deputado menor como Bolsonaro pudesse ascender.

A postura de linha-dura diante do crime, a associação a corporações policiais e ao Exército, a visão da política como terreno da moral – tudo isso aproximava Bolsonaro das forças que apoiavam Moro no Judiciário, no Ministério Público, mas também fora, na sociedade tomada pelo sentimento contra a corrupção, sobretudo nos governos petistas.

Há, contudo, uma diferença – sutil, porém essencial – entre afirmar que a Justiça brasileira é leniente com bandidos ou políticos corruptos e defender a tortura ou a barbárie cometida pelos órgãos de repressão durante a ditadura. Gente com ambas as visões se misturou nos vagões atados às pressas no comboio do bolsonarismo. Mas a turma de Moro nunca foi a mesma de Bolsonaro.

Moro foi, de certa forma, o passaporte de credibilidade para justificar o voto de quem resistia a apoiar o capitão, por conhecer seu passado e por reconhecer os problemas de sua ideologia perniciosa. Com Moro na Justiça, imaginaram, não haveria risco à democracia ou aos direitos humanos – e prosseguiria a luta contra os corruptos.

Dois eventos demonstraram o equívoco. Primeiro, os escândalos. O Caso Queiroz e as candidaturas fajutas do PSL revelaram logo depois da eleição que a turma de Bolsonaro não era tão limpa quanto parecia. Segundo, as fragilidades da Lava Jato. As mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil, atribuídas a Moro e procuradores, tornaram difícil acreditar que a operação tenha sido conduzida de modo imparcial.

Bolsonaro tem tentado usar todo o poder ao seu alcance para proteger seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, das denúncias do caso Queiroz. Em meio aos malabarismos, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), responsável pela descoberta das suspeitas e essencial ao combate à corrupção, se tornou um joguete de destino incerto.

O Congresso frustrou a tentativa de transferi-lo da Receita Federal para a esfera de Moro. Em seguida, o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu por liminar toda investigação do Coaf que não tivesse sido iniciada por ordem judicial, entre elas a que atinge Flávio. Agora, o Planalto fala em remanejar o órgão para o Banco Central, alegando que ficaria imune a interferência política.

Interferência política é o que não tem faltado nas investigações que chegam perto dos interesses de Bolsonaro. Fora o vaivém do Coaf, Bolsonaro obteve de Moro a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Também exigiu, na esfera de Guedes, a mudança do superintendente da Receita fluminense e de delegados no Porto de Itaguaí, que investigam irregularidades atribuídas a milícias.

A distância entre Bolsonaro e Moro é sentida ainda na indicação de quem sucederá Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República (PGR). Quando foi aventado por hostes lava-jatistas – ainda que sem fundamento técnico ou político –, o nome do procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, foi torpedeado em redes sociais pelo próprio Bolsonaro como “esquerdista”.

Em vez de escolher alguém da lista tríplice eleita pelos próprios procuradores, praxe recomendada por Moro, o mais provável é que Bolsonaro se incline por algum nome externo a lista, em desafio à categoria mais interessada no combate à corrupção. O mais importante, aparentemente, é a garantia de controle sobre investigações que possam chegar perto do presidente ou de seus familiares

Depois da aprovação pela Câmara, semana passada, da Lei contra Abuso de Autoridades, vista por Moro e aliados como tentativa de constranger a caça aos corruptos, Bolsonaro se limitou a criticar aspectos que interferem na atividade dos policiais. Na prática, houve apoio implícito às restrições impostas a juízes ou procuradores.

Por fim, formou-se uma aliança tácita entre Bolsonaro e a ala garantista do STF, como deixa clara decisão de Toffoli sobre o Coaf. A proteção a Flávio é apenas uma das decisões que aproximam o Supremo do presidente. Vem hoje do STF a maior ameaça que paira sobre as decisões tomadas por Moro quando juiz – e sobre toda a Lava Jato.

— Foto: Arte/G1

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