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Cultura

Ofensa de diretor da Funarte a Fernanda Montenegro indigna classe artística

Roberto Alvim chamou atriz de 'sórdida' e 'mentirosa' em publicação no Facebook
Fernanda Montenegro Foto: Leo Aversa / Agência O Globo
Fernanda Montenegro Foto: Leo Aversa / Agência O Globo

RIO E SÃO PAULO - Diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, o dramaturgo Roberto Alvim ofendeu Fernanda Montenegro em postagens no Facebook. Em uma publicação, Alvim chamou a atriz de 89 anos de "sórdida". A atitude gerou indignação na classe artística, que se manifestou contra as declarações.

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O ataque de Alvim contra Fernanda foi feito após a atriz posar para a revista literária "Quatro cinco um". Na edição de outubro da publicação, Fernanda é retratada como uma bruxa prestes a ser queimada em uma fogueira com livros. A imagem estará em um poster encartado nos exemplares para assinantes ( leia mais abaixo ).

Nesta segunda-feira, o diretor voltou a ofender Fernanda, diante da repercussão do primeiro texto. Alvim reafirmou suas declarações e disse desprezar a atriz, a quem classificou como "mentirosa". Procurado pelo GLOBO, Alvim não concedeu entrevista até o momento. A atriz também optou por não se manifestar.

O Ministério da Cidadania, órgão a que a Funarte está submetido, disse que não vai se manifestar:

"Não vamos comentar uma opinião pessoal do diretor da Funarte", diz o comunicado.

Já o presidente da Funarte, Miguel Proença, afirmou estar "completamente chocado" com as colocações de Alvim .

— Já pedi um auxílio do ministro da Cidadania (Osmar Terra), pedi uma audiência com ele, para tomar uma providência. Admiro muito a Fernanda, além de ser a grande dama do teatro ela é uma grande amiga. Fiquei com esse peso nas costas, o Brasil inteiro está de olho na Funarte hoje por causa disso. E aqui produzimos arte e beleza, não agressão.

Fernanda Montenegro em poster que será encartado na revista '451' de outubro Foto: Divulgação/Mariana Maltoni
Fernanda Montenegro em poster que será encartado na revista '451' de outubro Foto: Divulgação/Mariana Maltoni

Alguns artistas e fãs passaram a usar a hashtag @somostodosfernanda em posts sobre o caso nas redes sociais, como Drica Moraes:

A atriz Drica Moraes usou hashtag Foto: Reprodução
A atriz Drica Moraes usou hashtag Foto: Reprodução

A atriz e diretora Guida Vianna foi uma das vozes contrárias às afirmações de Alvim. Para ela, o dramaturgo deveria ser processado.

— É o maior absurdo que eu já li, ninguém pode ofender as pessoas desse jeito. Um presidente que elogia a tortura deveria ser processado, da mesma forma que um diretor que ocupa o cargo público, na Funarte, e ofende o maior ícone teatral do Brasil, também — defendeu.

LEIA MAIS: Roberto Alvim, quem? , por Ruth de Aquino

Outros artistas usaram as redes sociais para se manifestar:

Entidade vai à Justiça

No fim da tarde desta segunda-feira, o presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated-SP), Dorberto Carvalho, afirmou que a entidade vai acionar a Justiça:

"O Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated-SP) e a Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) estão enviando um ofício ao presidente da Funarte, Miguel Proença, para questionar posicionamento do funcionário Roberto Alvim e também para outros esclarecimentos do comportamento desse servidor público. Além disso, o jurídico do Sated-SP vai abrir um processo contra o senhor Alvim. É lamentável o descompasso do comportamento dele com a responsabilidade do cargo que ocupa. O que ele publicou é apenas mais uma de suas atitudes agressivas contra os artistas.  Nós nos solidarizamos com a atriz Fernanda Montenegro assim como nos solidarizamos com o coletivo artístico "A motosserra perfumada", que teve seu espetáculo censurado pelo mesmo funcionário ".

Em comunicado, a Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR) repudiou as declarações de Alvim. Leia a nota na íntegra:

A APTR repudia veementemente as declarações do diretor de Artes Cênicas da Funarte, Sr. Roberto Alvim, em suas redes sociais, onde classifica o não diálogo com a classe artística como uma “guerra irrevogável”.

Com a mesma intensidade, repudiamos a classificação da fala de dona Fernanda Montenegro como infantil, mentirosa e canalha. É absolutamente inadmissível que uma atriz com a sua trajetória seja atacada em seu livre exercício de expressão.

Desde que o mundo é mundo, as identidades de todos os povos são construídas através de símbolos, plenos de significados, originando histórias transmitidas de geração em geração. Por este motivo, quando o objetivo é destruir algo, o alvo é sempre o sagrado, o simbólico ou aquilo de maior valor afetivo.

Como cidadão, o Sr. Roberto Alvim pode expressar opinião, independentemente do campo social, cultural e ideológico. Já como gestor público de relevância nacional - ou seja, representando o país como um todo - o mesmo deveria atentar-se à natureza do seu cargo, pautando-se pelo respeito à classe que representa e aos profissionais consagrados por sua atuação.

Cuidar da cultura como um importante setor para a economia e a formação de um país trata-se de um exercício diário, ético e respeitoso. O mesmo se aplica ao cuidado que deveria ser adotado ao se referir a uma atriz como Fernanda Montenegro, um símbolo da identidade nacional, com reconhecimento em todo o mundo.

Persistiremos  na busca pelo diálogo, pela liberdade de expressão, pelo afeto ao fazer artístico e cultural  de nosso país. Tudo isso de forma civilizada e com total respeito à diversidade.

Rudifran Pompeu, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro e Diretor artístico do Grupo Redimunho de Investigação Teatral, diz que Alvim usa "fogueirinhas para se promover":

— Ele é um comissionado do governo e o Congresso Nacional, através da Comissão de Cultura, é que deveria de fato fiscalizá-lo e chamá-lo a responder pelos seus atos, e obviamente pela quebra de decoro funcional quando ele conclama guerra e tudo mais. Mas é voo de galinha que serve pra desviar a atenção das questões maiores.

Para Pedro Granato, coordenador dos Centros Culturais e Teatros da Secretaria Municipal de Cultura de SP, um gestor no cargo que Alvim ocupa "não pode dar declarações de ódio".

— Por um lado, é uma coisa profundamente infantil, de chamar a atenção. Então, ele pega uma pessoa como a Fernanda Montenegro, que não preciso nem defender, porque é uma atriz soberba e reconhecida mundialmente. Agora, a questão não é nem discutir o ataque, mas nos perguntarmos quanto tempo essa infantilidade vai durar num cargo público, porque tem coisas que ele não pode fazer, por ser ilegal.

Imagem é de poster, e não da capa da revista

A imagem que gerou os comentários de Roberto Alvim "viralizou" nas redes na última semana. Muita gente entendeu que ela ilustraria a capa da edição de outubro da revista literária, mas na realidade ela será encartada nos exemplares dos assinantes.

Em vários casos, a imagem foi difundida com a frase "Quando acenderem as fogueiras, quero estar ao lado das bruxas". Na realidade, ela não foi dita por Fernanda — que não deu entrevista para a publicação —, mas foi escrita por uma editora de livros, uma das primeiras a reproduzir a foto em suas redes sociais.

Veja a capa da revista.

Capa da revista 'Quatro cinco um' Foto: Divulgação
Capa da revista 'Quatro cinco um' Foto: Divulgação

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