Por Tyndaro Menezes e Leslie Leitão, Jornal Hoje


Carlos Bolsonaro divulga imagem e áudio tirados, segundo ele, do sistema da portaria

Carlos Bolsonaro divulga imagem e áudio tirados, segundo ele, do sistema da portaria

O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) divulgou em suas redes sociais, na manhã desta quarta-feira (30), imagem e áudio que, segundo ele, foram tirados do sistema que grava as ligações feitas da portaria do Condomínio Vivendas da Barra. É lá que mora Ronnie Lessa, principal suspeito de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. O presidente Jair Bolsonaro (PSL), pai de Carlos, tem uma casa no local.

Carlos mostrou o material para contestar as informações fornecidas à polícia pelo porteiro do condomínio e o registro manual de entrada de visitantes, já analisado pelos investigadores.

A TV Globo teve acesso, com exclusividade, aos registros da portaria, exibidos nesta terça-feira (29) em reportagem do Jornal Nacional.

O porteiro contou à polícia que, horas antes dos assassinatos de Marielle e Anderson, em 14 de março de 2018, o outro suspeito do crime, Élcio de Queiroz, entrou no Vivendas da Barra e disse que iria para a casa do então deputado Jair Bolsonaro.

De acordo com o porteiro, a autorização para que Élcio entrasse no condomínio foi dada por uma pessoa que estava na casa de Bolsonaro, a de número 58. O presidente também é dono da casa 36, onde mora Carlos Bolsonaro.

Os registros de presença da Câmara dos Deputados mostram que Jair Bolsonaro estava em Brasília naquele dia.

No áudio mostrado por Carlos Bolsonaro nesta quarta, uma voz anuncia a chegada de Élcio para a casa 65, onde morava o outro acusado, Ronnie Lessa, que também é proprietário da casa 66. O vereador conclui dizendo que há algo de errado nas informações passadas à reportagem.

Fontes ouvidas pela TV Globo dizem que, no documento, há divergências entre as entradas registradas em papel e as exibidas no vídeo por Carlos. Há, por exemplo, entradas que aparecem em um registro mas não em outro.

As gravações de áudio estão em poder da polícia, mas não foram periciadas porque os investigadores decidiram esperar por uma manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) em função da citação ao presidente da República, Jair Bolsonaro.

A polícia prendeu os dois suspeitos de matar Marielle e Anderson Gomes no dia 12 de março deste ano.

Lessa é sargento aposentado da Polícia Militar e foi preso quando tentava fugir de casa, no Condomínio Vivendas da Barra. Élcio de Queiroz é ex-policial militar e foi expulso da PM em 2015 por envolvimento com a contravenção.

Bolsonaro acusa Witzel

O presidente Jair Bolsonaro se disse surpreso com o fato de um delegado de polícia do Rio de Janeiro ter ignorado os registros e áudios da portaria de seu condomínio e inventado o depoimento do porteiro.

Bolsonaro, que está em viagem pela Arábia Saudita, foi questionado sobre o vídeo postado por Carlos, que foi replicado no perfil do presidente. Bolsonaro afirmou que o depoimento do porteiro é uma "invenção" e ocorreu "por ordem e determinação do senhor governador [Wilson] Witzel", para tentar prejudicá-lo.

"Tem o registro, sim, para casa outra. Agora, nos surpreende a qualquer um a Polícia Civil, o delegado que tá fazendo o inquérito, ignorar isso e inventar um depoimento, no meu entender por ordem e determinação do senhor governador Witzel para tentar me prejudicar", afirmou o presidente.

Witzel se defende

Governador Witzel rebate acusações do presidente Bolsonaro

Governador Witzel rebate acusações do presidente Bolsonaro

O governador Wilson Witzel (PSC) afirmou, em evento no Rio, que jamais violou segredos de Justiça durante sua vida profissional e se defendeu dos ataques de Bolsonaro.

"Jamais vazei qualquer tipo de informação, seja como magistrado, seja como governador. Eu lamento que o presidente tenha no momento, talvez, de descontrole emocional – no momento em que ele está numa viagem, não está, talvez, no seu estado normal – tenha feito acusações contra a minha atividade como governador", disse Witzel.

"Não manipulo o Ministério Público, não manipulo a Polícia Civil, isso é absolutamente inadequado, contrário às instituições democráticas. A Polícia Civil, no meu governo, tem independência, o MP tem e sempre terá independência e, infelizmente, eu recebi com muita tristeza essas levianas acusações.".

O que diz o depoimento do porteiro

Caso Marielle: suspeito entrou em condomínio alegando ir à casa de Bolsonaro, diz porteiro

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Na terça-feira, o Jornal Nacional revelou detalhes do depoimento do porteiro que trabalhava na única guarita que controla os acessos ao Condomínio Vivendas da Barra, onde ficam as casas de Ronnie Lessa e Jair Bolsonaro.

Lessa é proprietário das casas 65 e 66. Do registro geral de imóveis, consta que a casa 58 pertence a Jair Messias Bolsonaro. O presidente também é dono da casa 36, onde vive um de seus filhos, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro.

Às 17h10 de 14 de março de 2018, dia em que a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados, o porteiro escreveu no livro de visitantes o nome de Élcio de Queiroz, um dos suspeitos do crime ao lado de Ronnie Lessa.

Além do nome de Élcio, o porteiro anotou o modelo do carro (um Logan), a placa do veículo (AGH 8202) e a casa para a qual que o visitante iria – a de número 58.

O porteiro contou que, depois que Élcio ter se identificado na portaria e dizer que iria pra casa 58, ligou para o imóvel para confirmar se o visitante tinha autorização para entrar.

Disse também que identificou a voz de quem atendeu como sendo a do "Seu Jair" – o porteiro confirmou a informação nos dois depoimentos.

O porteiro explicou que, após a entrada de Élcio, acompanhou a movimentação do carro pelas câmeras de segurança e viu que o veículo tinha ido para a casa 66 do condomínio, onde morava Ronnie Lessa.

Lessa é apontado pelo Ministério Público e pela Delegacia de Homicídios como autor dos disparos que mataram Marielle e Anderson.

O porteiro disse ainda que ligou de novamente para a casa 58 e que o mesmo homem identificado por ele como Seu Jair teria dito que sabia aonde Élcio estava indo.

O Jornal Nacional pesquisou os registros da Câmara dos Deputados e encontrou uma contradição no depoimento do porteiro. Jair Bolsonaro, na verdade, estava em Brasília naquele 14 de março de 2018, como mostram os registros de presença em duas votações no plenário: às 14h e às 20h30. Portanto ele não poderia estar no Rio.

No mesmo dia, Bolsonaro também postou vídeos nas redes sociais do lado de fora e dentro do seu gabinete em Brasília.

Fontes disseram à reportagem que os suspeitos dos assassinatos saíram do Vivendas da Barra no carro de Lessa minutos depois da chegada de Élcio e, apenas nas proximidades do condomínio, embarcaram no veículo depois usado no crime.

O Jornal Nacional apurou que a guarita do condomínio tem equipamentos que gravam as conversas pelo interfone. Os investigadores estão recuperando os arquivos de áudio para saber com quem, de fato, o porteiro conversou naquele dia e quem estava na casa 58.

A polícia está chamando novamente ex-funcionárias e pessoas próximas de Marielle para depoimentos.

A investigação chegou ao homem apontado como o assassino por uma denúncia anônima – feita em outubro de 2018, sete meses depois do início da apuração – que revelou o nome de um dos suspeitos e o local de onde o carro partiu, na Barra da Tijuca.

Ministério Público consultou Toffoli

A TV Globo apurou que, depois de saber das informações envolvendo a casa do presidente Jair Bolsonaro nas investigações, representantes do Ministério Público do Rio foram até Brasília em 17 de outubro para fazer uma consulta ao presidente do STF, o ministro Dias Toffoli.

Sem avisar o juiz do caso no Rio, os integrantes do MP-RJ questionaram se poderiam continuar a investigação depois do envolvimento do nome do presidente. Dias Toffoli ainda não respondeu.

O que dizem os citados

Jair Bolsonaro reage às revelações do Jornal Nacional

Jair Bolsonaro reage às revelações do Jornal Nacional

Na madrugada desta quarta-feira, na Arábia Saudita, onde está em visita oficial, o presidente Jair Bolsonaro reagiu às revelações do Jornal Nacional.

"Fui surpreendido agora há pouco de uma matéria do Jornal Nacional sobre o depoimento de um porteiro de que, no dia 14 de março do ano passado, às 17h10, um dos suspeitos de ter executado a Marielle teria se apresentado na portaria, ligado pra minha casa, no caso o porteiro ter ligado pra minha casa, e o porteiro reconheceu como voz sendo a voz minha nessa quarta-feira, 18 de outubro, às 17h10, e autorizou então a entrada do mesmo no condomínio. Detalhe, quarta-feira, geralmente um parlamentar ele está em Brasília, 17h10. Eu tenho registrado no painel eletrônico da Câmara presença 17h41, ou seja, 31 minutos depois da entrada desse cidadão no condomínio. E tenho também às 19h36. E tenho também registrado no dia anterior e no dia posterior as minhas digitais no painel de votação."

O advogado do presidente Jair Bolsonaro, Frederick Wassef, contestou o depoimento do porteiro e afirmou que seria uma tentativa de atacar a imagem do presidente.

"Eu nego isso. Isso é uma mentira. Deve ser um erro de digitação, alguma coisa. O Jair Bolsonaro, no dia 14 de março de 2018, encontrava-se em Brasília, na Câmara dos Deputados, inclusive existe o registro de entrada dele lá, com o dedo, e todas as demais provas. Eu afirmo com absoluta certeza e desafio qualquer um no Brasil a provar o contrário. Isso é uma mentira, isso é uma fraude, isso é uma farsa para atacar a imagem e a reputação do presidente da República. E é o caso de uma investigação por esse falso testemunho em que qualquer pessoa tenha afirmado que essa pessoa foi procurar Jair Bolsonaro. Talvez, esse indivíduo tenha ido na casa de outra pessoa, e alguém, com intuito de incriminar o presidente da República, conseguiu um depoimento falso, onde essa pessoa afirma que falou com Jair Bolsonaro. O presidente não conhece a pessoa de Élcio, e essa pessoa não conhece o presidente. Isso é uma mentira e uma farsa", disse Wassef.

O Ministério Público do Rio afirmou que as investigações estão a cargo da Delegacia de Homicídios, que é subordinada à Secretaria de Polícia Civil, e que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) acompanha o caso.

A Polícia Civil do Rio afirmou que o governador Wilson Witzel não interfere na apuração dos homicídios de Marielle e Anderson, nem teve acesso aos documentos dessa investigação, nem de outras. Afirmou ainda que a investigação do caso Marielle está sendo conduzida com sigilo, isenção e rigor técnico.

As defesas de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram procuradas mas não deram resposta.

A assessoria do ministro Dias Toffoli foi procurada. Até o momento, o presidente do STF não se pronunciou sobre o caso.

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