BRASÍLIA — Ao defender
um “novo AI-5”
, o deputado federal
Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP) alimenta um radicalismo, incita um clima de convulsão social, atrapalha tentativas de melhorias no país e pode tumultuar a atuação cotidiana dos militares. Esta é a leitura de
generais
do Alto Comando do
Exército
ouvidos pelo GLOBO em condição de anonimato.
Esses generais dizem que o filho do presidente Jair Bolsonaro, líder do PSL na Câmara, deve ser responsabilizado por “falar o que quer”. A defesa do Ato Institucional número 5 não representa a posição atual dos militares, segundo generais da cúpula do Exército. O comentário feito por um filho do presidente, com poder dentro do Congresso, não muda essa constatação, de acordo com esses oficiais.
O AI-5 foi editado na noite de 13 de dezembro de 1968, no governo do general Costa e Silva, e deu início à fase mais sombria da ditadura, com o fechamento do Congresso, censura, torturas e assassinatos de opositores políticos. O ato foi revogado há 41 anos, em outubro de 1978, em meio à abertura promovida pelo governo do general Ernesto Geisel.
Míriam Leitão
:
Ameaças de Eduardo adotam um roteiro chavista
Com a ampliação das apostas de membros do governo e dos filhos do presidente Bolsonaro em radicalismos, a cúpula do Exército vem tentando se afastar de uma associação à família. A missão é mais difícil diante do forte engajamento de generais da ativa e da reserva na eleição do presidente e na composição inicial do governo. Até agora, porém, vem prevalecendo no Planalto a ala ideológica e alguns militares lotados no Palácio já se alinharam a ela.
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Ato de protesto em 29 de março contra a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto. Estudantes ocupam as escadas do Palácio Pedro Ernesto, que na época era sede da Assembleia Legislativa Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes velam o corpo do estudante Edson Luís Lima Souto, que foi morto com um tiro no peito durante conflito com a Polícia Militar em manifestação estudantil contra o fechamento do Restaurante do Calabouço Foto: Arquivo / Agência O Globo
No início da noite do dia 1º de abril, a intensificação dos protestos resultou na intervenção das Forças Armadas, que foram solicitadas a ocupar pontos estratégicos do Rio. Na imagem, o Batalhão de Guardas quando deixava o quartel Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes enfrentam policiais durante manifestação na Igreja da Candelária, após missa de sétimo dia, em 4 de abril, do estudante Edson Luís Foto: Arquivo / Agência O Globo
Bombas disparadas na Candelária por ocasião da missa de sétimo dia pela morte do estudante Edson Luis Foto: Arquivo / Agência O Globo
Cavalaria da polícia investe contra estudantes durante manifestação na Igreja da Candelária, após missa de sétimo dia de Edson Luís Foto: Arquivo / Agência O Globo
Na foto, homem lê a pichação de protesto na fachada do prédio, em maio de 1968 Foto: Arquivo / Agência O Globo
Pichação "Abaixo a ditadura" no Museu de Belas Artes, no Centro do Rio, em maio de 1968 Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes protestam no centro da cidade, na esquina ruas Graça Aranha com Nilo Peçanha, em 19 de junho Foto: Arquivo / Agência O Globo
Confronto entre estudantes e Polícia Militar no centro do Rio, em 19 de junho. Policias militares caminham em direção ao Ministério da Educação (Edifício Gustavo Capanema) Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes entram em confronto com a polícia na Avenida Rio Branco, em 21 de junho Foto: Arquivo / Agência O Globo
O episódio ficou conhecido como a "Sexta-feira sangrenta" Foto: Arquivo / Agência O Globo
Grupo de policiais próximo a um homem caído no chão durante a "Sexta-feira sangrenta" Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes viram um carro oficial após apedrejá-lo durante protesto do dia 21 de junho Foto: Arquivo / Agência O Globo
Pessoas correm em meio a fumaça das bombas de gás lacrimogêneo perto da Rua México Foto: Arquivo / Agência O Globo
Polícia dispersa manifestantes com jato d'água Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes se dispersam pelas ruas do centro do Rio, altura da Avenida Rio Branco, para fugir da repressão policial do conflito que ficou conhecido como "Sexta-Feira Sangrenta" Foto: Arquivo / Agência O Globo
Passeata dos Cem Mil reuniu estudantes, artitas, intelectuais e classes sindicais para protestar contra a ditaduta no centro do Rio, em 26 de junho de 1968. Na foto, milhares de manifestantes ouvem o líder etudantil Vladimir Palmeira (em pé sobre uma camionete) na Candelária Foto: Arquivo / Agência O Globo
A Passeata dos Cem Mil em sua passagem pela Avenida Rio Branco Foto: Arquivo / Agência O Globo
Vladimir Palmeira discursa para os estudantes na Cinelândia durante a passeata dos Cem Mil Foto: Arquivo / Agência O Globo
Passeata dos Cem Mil contra a Ditadura Militar. Da esquerda para a direita: Milton Nascimento, desconhecido, Pascoal Carlos Magno, Gilberto Gil, Nana Caymmi, Caetano Veloso, José Celso Martinez Correa, Chico Buarque de Holanda, Renato Borghi e Edu Lobo Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudante escreve palavras de ordem na fachada da UEG, em 28 de junho Foto: Arquivo / Agência O Globo
Durante a Passeata dos 50 mil, em 4 de julho, o líder estudantil Vladimir Palmeira pede, em frente ao Superior Tribunal Militar, a libertação dos estudantes que foram presos nas manifestações Foto: Arquivo / Agência O Globo
Os cantores Marcos Valle, ao centro, e Taiguara, durante a Passeata dos 50 mil Foto: Arquivo / Agência O Globo
O ator Mario Lago na Passeata dos 50 mil Foto: Arquivo / Agência O Globo
Passeata dos 50 mil contra a Ditadura Militar Foto: Arquivo / Agência O Globo
Manifestante picha ônibus com a frase "Greve nacional", em 24 de julho Foto: Arquivo / Agência O Globo
Pessoas observam a ação dos homens da Polícia Militar que obordam estudantes em frente ao Cine Pathé, na Cinelândia, para conter possível manifestação estudantil, em 6 de agosto Foto: Arquivo / Agência O Globo
Ocupação militar do Centro do Rio de Janeiro, em 6 de agosto Foto: Arquivo / Agência O Globo
Vinicius de Morais e Tônia Carrero durante manifestação em 7 de agosto Foto: Arquivo / Agência O Globo
Mil estudantes liderados por Luis Travassos, Elinor Brito e Franklin Martins protestaram no centro do Rio (Avenida Rio Branco, Largo de São Francisco e Praça XV) exigindo a libertação de Vladimir Palmeira. Na foto, policial carrega mulher que passou mal durante protestos Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes protestam exigindo a libertação do líder estudantil Vladimir Palmeira Foto: Arquivo / Agência O Globo
Mil estudantes vão às ruas em 9 de agosto para exigir a libertação de Vladimir Palmeira Foto: Arquivo / Agência O Globo
Caminhões com militares chegam ao centro da cidade para conter a manifestação de estudantes que pediam a libertação de Vladimir Palmeira Foto: Arquivo / Agência O Globo
Em Brasília, tropas do Exército retiram estudantes que ocuparam a Universidade de Brasília (UNB), em 29 de agosto Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes que se concentram na reitoria da UFRJ durante manifestação contra a prisão de líderes estudantis e a invasão da Universidade de Brasília entram em confronto com a polícia, em 30 de agosto de 1968 Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes que se concentram na reitoria da UFRJ durante manifestação contra a prisão de líderes estudantis e a invasão da Universidade de Brasília entram em confronto com a polícia, em 30 de agosto de 1968 Foto:
Confronto entre estudantes da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e estudantes da Universidade Mackenzie, em 3 de outubro. Na foto, bombeiros tentam apagar as chamas de um dos carros incendiados durante o conflito Foto: Arquivo / Agência O Globo
Passeata, em 4 de outubro, após sepultamento de estudante que morreu durante confronto entre alunos da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e da Universidade Mackenzie Foto: Arquivo O Globo / Agência O Globo
Líder estudantil José Dirceu (presidente da UEE), discursa para estudante em São Paulo Foto: Arquivo / Agência O Globo
Os estudantes surpreendidos pela polícia são revistados e encaminhados aos ônibus durante congresso da UNE em Ibiúna, em 12 de outubro Foto: Arquivo / Agência O Globo
Vladimir Palmeira (líder estudantil) foi preso com outros estudantes após ação policial, em sítio no município paulista de Ibiúna. Ao chegar na capital, fugiu pela janela do ônibus que conduzia parte dos detidos, mas foi capturado, sem camisa, pelos policiais Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes ocupam a antiga sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), na Praia do Flamengo, e ateiam fogo a uma camionete do MEC, em 15 de outubro. Protesto era contra a prisão de estudantes no congresso da UNE em Ibiúna, São Paulo Foto: Arquivo / Agência O Globo
Estudantes ocupam a antiga sede da UNE, na Praia do Flamengo. Da sacada, manifestantes fizeram comício contra a prisão dos estudantes no congresso de Ibiúna e contra o regime militar Foto: Arquivo / Agência O Globo
No Alto Comando do Exército, generais dizem que, por fim, o que sobressaiu foi o gesto de Bolsonaro horas depois de a declaração do filho vir à tona. O presidente desautorizou Eduardo, afirmando que “quem quer que fale de AI-5 está sonhando”. Os militares dizem estar associados à fala do pai, e não à do filho.
Tática
Esses generais costumam repetir que “as instituições estão funcionando” e que comentários “de um ou outro” não podem alterar esse quadro. O radicalismo, entretanto, tem efeitos para a ordem e, logo, repercute nas ações do Exército. A fala de Eduardo foi interpretada como um radicalismo de direita que se equipara aos de esquerda, como os vistos em protestos recentes no Chile, segundo oficiais ouvidos pelo GLOBO.
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Em foto postada em 26 de setembro de 2019, o deputado faz sinal de armas com os dedos diante de uma escultura contra violência, em frente ao prédio da ONU, em Nova York. "As operações de paz da ONU acertadamente usam armas. Mas na entrada do prédio da ONU em NY fica essa escultura desarmamentista. Como todo bom desarmamentista eis a máxima 'armas para mim, desarmamento para os outros'", escreveu o deputado Foto:
Eduardo Bolsonaro começou a crise diplomática com a China em 18 de março, ao culpar o país pela pandemia Foto: Reprodução / Twitter
A suposição sobre espionagem chinesa através da rede 5G gerou mais um impasse diplomático. Em nota, governo chinês advertiu Brasil sobre "arcar com as consequências negativas [das acusações infundadas] e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil" Foto: Reprodução / Twitter
Em março, quando diversas cidades do Brasil optavam pelo fechamento de serviços não essenciais, seguindo o negacionismo do pai, o presidente Jair Bolsonaro, Eduardo compartilhou uma notícia de 28 de janeiro, sobre a estratégia da Itália era manter o funcionamento pleno da economia registrava apenas 17 mortes. Entretando, na data da postagem a estratégia era lockdown nacional para tentar conter o colapso da saúde Foto: Reprodução / Twitter
Em sua conta no Twitter, Eduardo compartilhou, em setembro, uma fake news sobre a ativista ambiental sueca Greta Thunberg, de 16 anos. A postagem mostrava uma foto manipulada em que Greta aparece lanchando em um trem, enquanto é observada por crianças africanas pela janela. O post também repassava a notícia falsa de que a ativista é financiada pelo bilionário investidor George Soros Foto: Reprodução
No dia 13 de outubro, o deputado postou no Instagram uma foto com uma camisa cuja estampa ironiza a sigla LGBT, utilizando as letras para exaltar os Estados Unidos, sua política de armamento, o presidente Jair Bolsonaro e o presidente americano Donald Trump Foto: Reprodução
Eduardo Bolsonaro, já como líder do PSL na Câmara, disse em plenário, na sessão de 29 de outubro, que o governo brasileiro não vai tolerar o mesmo tipo de manifestação que ocorre no Chile, onde 20 pessoas morreram desde o início da onda de protestos no país. "Não vamos deixar isso daí (protestos no Chile) vir para cá. Se vier para cá, vai ter que se ver com a polícia. E, se eles começarem a radicalizar do lado de lá, a gente vai ver a História se repetir", disse o deputado, referindo-se ao período da ditadura chilena comandada por Augusto Pinochet Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
Também em setembro, o deputado postou um foto com uma pistola na cintura durante a visita feita ao pai, Jair Bolsonaro, no hospital onde o presidente se recuperava de um cirurgia de correção de hérnia. Foto: Reprodução
No primeiro encontro bilateral entre os presidente Jair Bolsonaro e Donald Trump, Eduardo Bolsonaro acompanhou o pai na reunião no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, EUA. O chancelar brasileiro, Ernesto Araújo, ficou de fora do encontro. Dias depois, Bolsonaro anunciou que indicaria o filho para o cargo de embaixador do Brasil na capital americana Foto: Reprodução
Em viagem aos EUA, Eduardo Bolsonaro confirmou a mudança da embaixada de Israel de Tel Aviv para Jerusalém e criou polêmica ao dizer que o Brasil apoiaria políticas para "frear o Irã" como forma de compensar os países árabes pela transferência. As declarações provocaram reação dos países árabes Foto: Henrique Gomes Batista
Eduardo também participou de bate-boca entre integrantes do PSL em um grupo de WhatsApp. Ele entrou na discussão sobre críticas à articulação política do governo após a deputada federal Joice Hasselmann dizer que as negociações estavam "abaixo da linha da miséria". Eduardo, Joice e o senador Major Olímpio trocaram acusações e críticas por mensagens Foto: Reprodução
Em uma palestra feita antes do primeiro turno das eleições, Eduardo Bolsonaro disse que "para fechar" o STF bastam "um cabo e um soldado". No vídeo do dia 9 de julho, o deputado é perguntado sobre uma eventual ação do Supremo para impedir a posse de Bolsonaro e qual seria a atitude do Exército neste cenário Foto: Reprodução
Em foto postada no Facebook de 8 de maio de 2018, o deputado aparece com camisa que homenageia o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado pela prática de crimes de tortura durante a ditadua militar no Brasil. Como parlamentar, Eduardo estava ao lado do pai, então deputado, quando este votou, em 2016, pelo impeachment da presidente Dilma Roussef exaltando a memória do coronel, que morreu em outubro de 2015 Foto: Reprodução / Reprodução
Já generais da reserva que integram o governo, mas não atuam diretamente no Planalto, enxergaram o episódio como nova polêmica desnecessária. O gesto de Eduardo repetiria tática comum desde o início do mandato, com defesas da ditadura e apostas no conflito, de forma desconectada do “momento complicado” do país.
No Planalto, Bolsonaro e os filhos têm encontrado respaldo principalmente no ministro Augusto Heleno, general da reserva que comanda o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Heleno não se opõe à família mesmo em situações como a de ontem. Outro auxiliar do presidente, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, submerge nesses casos. Ramos, que deixou o Comando Militar do Sudeste para se tornar ministro, costumava repetir que houve, sim, um golpe em 1964, tortura e “barbaridades” por parte do Exército.
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