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Política Ascânio Seleme

Solto, Lula será o adversário que Bolsonaro ainda não teve

Ex-presidente vai percorrer o país e liderar um movimento em favor da sua corrente política e, muito mais importante, vai trabalhar contra o governo

Lula foi o primeiro e mais importante beneficiário da decisão do Supremo Tribunal Federal em proibir a prisão depois da condenação em segunda instância. Sua libertação se deu em cadeia nacional de TV e pipocou em todas as redes sociais. Foi o único assunto da sexta-feira no Brasil. Lula saiu da cadeia com base na decisão do STF, mas também poderia ter saído pelo cumprimento de um sexto da pena, de acordo com o Código do Processo Penal.

A forma que se deu a liberdade do ex-presidente, porque seu caso ainda não transitou em julgado, serve muito mais aos planos políticos do líder petista. Significa, em outras palavras, que ele ainda não foi condenado. Lula é inocente, estabeleceu a decisão do STF. E como inocente vai percorrer o país e liderar um movimento em favor da sua corrente política e, muito mais importante, vai trabalhar contra o governo Bolsonaro. Ao deixar a prisão, Lula se transformou imediatamente em um rival de tamanho e peso que até aqui Bolsonaro não tinha visto.

É cedo para dizer qual será o resultado do retorno de Lula ao cenário político. Mas será importante. Muito importante. Ninguém pode negar ou fingir desconhecer a estatura do ex-presidente. Mesmo preso, teve força suficiente para colocar o ex-prefeito Fernando Haddad no segundo turno da eleição presidencial do ano passado e ainda obter quase 45% dos votos no segundo escrutínio. Não é pouco. Ninguém na oposição se compara a Lula.

Mesmo não sendo capaz de alterar a correlação de forças no Congresso Nacional, Lula livre muda inteiramente a retórica política nacional. O discurso da oposição, que de resto parecia não ter existido até aqui, será “nitroglicerinado” ao ponto da combustão com Lula nas ruas. Será impossível ignorar a sua presença. Mesmo sem mandato e apesar de estar respondendo a seis inquéritos, inclusive o do tríplex do Guarujá, o ex-presidente se transformará imediatamente no principal articulador anti-Bolsonaro do país.

O barulho que se ouviu ontem e se ouvirá nos próximos dias será igual ao que se produziu na prisão do ex-presidente. Depois, com o tempo, tende a esmorecer. Mas enquanto estiver solto, Lula seguirá fazendo política, construindo entendimentos à esquerda, pavimentando caminhos para as eleições municipais do ano que vem e já arquitetando pontes para 2022.

O discurso que fez no acampamento da militância em frente à Polícia Federal de Curitiba ao deixar a carceragem foi temperado por momentos agressivos e por declarações de amor e ternura que lembram o Lulinha Paz e Amor. Difícil dizer qual deles prevalecerá. Acho que vai adotar os dois, dependendo das circunstâncias.

O homem que já identificou a si mesmo com uma metamorfose ambulante, deu ontem a pista de que vai circular em permanente ziguezague. Interessa a ele as vezes morder e em outras assoprar. Foi assim que ele construiu sua liderança incontestável no PT. Será assim que seguirá determinando o rumo de seu partido e dos demais satélites que orbitam o PT.

Foi contundente ao atacar “o lado podre da Justiça, do Ministério Público, da Polícia Federal e da Receita Federal que trabalharam para criminalizar o PT e o Lula”. Mas logo em seguida parecia querer uma trégua. “Saio daqui sem ódio, meu coração só tem amor, porque é o amor que vai vencer nesse país”, disse Lula no seu discurso de Curitiba.

Quinhentos e oitenta dias depois de ser encarcerado, Lula saiu na ponta dos cascos. Sua oratória permanece intacta. Conseguiu em pouco menos de 30 minutos dar um rápido sinal de como serão seus discursos daqui em diante. Enquanto estiver livre, vai mexer com o Brasil. O que Lula livre produzirá sobre Bolsonaro logo vai se ver.

Não serve a todos

Os ministros do Supremo inventaram uma nova jabuticaba. Ao proibir prisão após condenação em segunda instância, a Corte entendeu que em alguns casos pode, sim, haver a detenção. E os ministros deram exemplo, assassino e estuprador não merecem a mesma benevolência oferecida a ladrão e corrupto, porque podem ser presos em nome da “garantia da ordem pública”. Mas, o que causa mais dano à ordem pública, a soltura de um assassino do interior de Goiás ou de um corrupto de Brasília? Naturalmente a decisão do STF não pretende servir a todos.

Democrática e política

Você pode dizer sem chance de errar que a decisão do STF foi democrática e transparente, foi colegiada e atendeu ao princípio consagrado em que a maioria vence. Claro que foi assim, democrática e transparente. Parabéns aos ministros. Mas você também pode afirmar com segurança que a proibição da prisão após a condenação em segunda instância foi política. Não por coincidência, dois ministros que mudaram o voto, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, são também os que mais fazem barulho contra a Lava-Jato.

Recalculando

Foi difícil falar com advogados na manhã de ontem. Estavam todos se recuperando das festas que agitaram o mundo jurídico em comemoração da decisão do STF. Alguns ficaram em casa refazendo as contas. O ano contábil pode acabar bem melhor do que se esperava.

Celebrando o STF

O colunista Mac Margolis, do Bloomberg, disse em seu artigo de ontem que os ministros do STF são celebridades e que a mais alta Corte brasileira está fora de controle. A questão do descontrole deve-se ao caráter político que tomou conta do Supremo, já se sabe. Sobre o problema da celebração que envolve os ministros e os torna tão vistosos quanto atores e atrizes de novela da Globo, nenhuma dúvida que se trata da famosa vaidade humana. Desde a implantação da TV Justiça, em 2002, os ministros falam mais, duas vezes mais, e seus votos são bem mais longos para que possam ficar mais tempo expostos às câmeras dos cinegrafistas.

Você perdeu a cabeça

Outra do STF foi a falta de educação e respeito do ministro Marco Aurélio com a advogada Daniela Borges durante sessão sobre contribuição previdenciária. Ele interrompeu a advogada, que chamou os ministros de “vocês”, e pediu ao presidente da Corte para repreender a moça por atentado contra a liturgia do cargo. Que isso, Marco Aurélio? Onde você estava com a cabeça?

Em nome do pai

Eduardo Bolsonaro foi a Santa Catarina e não procurou o governador, o bombeiro Carlos Moisés, do PSL, eleito na avalanche bolsonarista de 2018. Mais um exemplo de como a família não consegue mesmo agregar. O filho está juntando quadros que julga mais fiéis ao pai, e em SC Moisés não faz parte do grupo. Por quê? Porque andou namorando o MDB local.

Quatro delitos

Quem duvidava que o porteiro seria esculachado? A polícia federal avisou que vai investigar o denunciante de Bolsonaro por quatro delitos, um deles que só consta na bolorenta Lei de Segurança Nacional. Que enorme incentivo a PF de Sergio Moro está se dando aos que têm denúncias a fazer. Faltou dizer, “da próxima vez é melhor ficar de boca calada”.

Um sinal positivo?

Na segunda-feira passada, o Tesouro emitiu títulos da dívida no exterior com a menor taxa paga desde 2012. Mesmo assim, a procura foi quase três vezes maior do que a oferta. O que pode significar isso? Que aos olhos do investidor estrangeiro o Brasil está melhorando? Pode ser, mas ainda resta saber se essa percepção vai se refletir em investimentos diretos. No megaleilão do pré-sal o que se viu foi outra coisa, foi governo comprando de governo.

O queijo fica em Minas

Foi realizado em Araxá (MG), em agosto, o primeiro concurso “Mundial de Queijos”. Mais de mil produtos participaram, e o vencedor foi o paulista Mandala. A festa fez tanto sucesso, com 15 mil visitantes em três dias, que o governador João Doria resolveu atrair o prêmio para São Paulo. Ofereceu tudo, até passagem e estadia para os participantes. A iniciativa de Doria levou seu colega mineiro, Romeu Zema, à loucura. “Era só o que me faltava, perder um concurso de queijo”. O pior é que Zema é de Araxá, mas só conseguirá bater Doria se levar o concurso para Belo Horizonte, por razões de logística, e pagar as despesas.