Há um Brasil só de Marias Antonietas, diz Alon Feuerwerker

Elite vive em seu universo paralelo

Brioches não suprem a falta de pão

Copyright [Public domain], via Wikimedia Commons

O governo está apanhando porque não deu pelota, ou estava desinformado, para a possibilidade de os caminhoneiros entrarem maciçamente em greve, por vontade própria ou estimulados pelos patrões, neste caso no assim chamado locaute. Governos têm o dever de estar bem informados. O governo informa-se por dois meios: os dele mesmo e a imprensa. Parece que nenhum dos dois funcionou neste caso.

Receba a newsletter do Poder360

Erros acontecem. A derrota acachapante na eleição de 1974 foi uma surpresa para o governo do presidente Ernesto Geisel no fechamento do seu primeiro ano de mandato. Se o SNI (Serviço Nacional de Informações) do então futuro presidente João Figueiredo tivesse cumprido o papel oficial com a mesma eficiência que tentava organizar a eliminação física de adversários políticos, Geisel, o governo e a Arena não teriam sido surpreendidos pela avalanche de votos no MDB.

Há entretanto diferenças importantes entre as duas situações. Em 1974 a imprensa trabalhava com liberdade bem menor, não existia a cultura disseminada das pesquisas de opinião, havia censura, e autocensura. Mas o sistema governamental de informações estava a toda, com o Brasil ainda mergulhado numa guerra de verdade entre o regime militar e as organizações de esquerda, principalmente as que tinham decidido tentar derrubá-lo pela via armada.

Erros acontecem, e desdenhar depois é fácil. Mais razoável é tentar entender o porquê. Em casos como agora e 1974, o motivo principal costuma ser um apego excessivo à construção mental que explica o mundo de modo confortável, e a consequente resistência a atentar aos sinais externos que podem desorganizar o diagnóstico. Daí a utilidade de buscar olhar o que vai contra nossa visão. É difícil, dolorido até para quem gosta demais das próprias ideias, mas muito útil.

É melhor dizer as coisas como são. A elite brasileira, lato sensu, vive num universo paralelo. Nele, até outro dia, Pedro Parente era um gestor exemplar, a Petrobras finalmente havia sido expurgada das influências políticas e passara, graças aos céus, a ser gerida por critérios empresariais, buscando o maior retorno possível para os acionistas, e com seus executivos firmemente a caminho de cumprir as metas e receber o merecido bônus.

Não ocorreu a ninguém que, eventualmente, mudanças quase diárias nos preços dos combustíveis, em geral para cima, pudessem desorganizar completamente a cadeia brasileira de transportes, fortemente alicerçada em rodovias e combustíveis fósseis. Nesse universo paralelo, o valor de mercado da Petrobras e o retorno aos acionistas eram o único parâmetro a considerar, estabelecendo definitivamente a superioridade da técnica sobre a política.

Deu no que deu. Depois de entornado o balde de leite, lamentamos (o plural não é majestático) não ter visto antes a pedra em que tropeçamos. É o caso de perguntar: se agora é possível reduzir o preço do diesel e congelar por 60 dias, por que diziam antes ser impossível? Vamos acordar. Se alguém tivesse avisado Maria Antonieta sobre a inviabilidade de brioches suprirem a falta de pão, talvez ela envelhecesse com a cabeça ainda colada no pescoço. #FicaaDica.

autores
Alon Feuerwerker

Alon Feuerwerker

Alon Feuerwerker, 68 anos, é jornalista e analista político e de comunicação na FSB Comunicação. Militou no movimento estudantil contra a ditadura militar nos anos 1970 e 1980. Já assessorou políticos do PT, PSDB, PC do B e PSB, entre outros. De 2006 a 2011 fez o Blog do Alon. Desde 2016, publica análises de conjuntura no blog alon.jor.br. Escreve para o Poder360 aos domingos.

nota do editor: os textos, fotos, vídeos, tabelas e outros materiais iconográficos publicados no espaço “opinião” não refletem necessariamente o pensamento do Poder360, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.