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Agenda para baratear crédito inclui 'zap de pagamento', sem dinheiro ou cartão, diz diretor do BC

Agenda do Banco Central prevê a adoção do pagamento instantâneo e do open banking, que permite a troca de dados bancários entre as instituições

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - O Banco Central aposta na tecnologia para fazer com que o custo de crédito caia para o cliente. Em 2020, a instituição quer tirar do papel o novo pagamento instantâneo, apelidado de "zap de pagamentos", que vai permitir transferência online para o pagamento de contas, sem usar dinheiro, cartão e até mesmo conta no banco. É como se o celular virasse uma "maquininha". A operação poderá ser feita 24 horas, sete dias por semana, com um período para confirmação de até 10 segundos. 

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O avanço das fintechs (startups que oferecem inovações de serviços financeiros) e o open banking (troca de informações dos dados dos clientes entre as instituições, inclusive as fintechs) também vão contribuir para baixar o chamado spread bancário (diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa cobrada dos clientes), segundo o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello. 

De acordo com ele, não é possível estipular um prazo para que o custo fique menor para consumidor, mas já é possível ver pressão competitiva por “todos os lados”. Os juros, no entanto, ainda seguem num patamar elevado num cenário de Selic (taxa básica, que baliza as outras operações) no menor patamar da história.“Estamos enxergando e vamos enxergar cada vez mais os seus efeitos sobre as taxas de juros no tomador na ponta e no spread”, diz. 

Ele compara o sistema financeiro a um grande encanamento que precisa ser "desentupido" com a ação regulatória do BC. “Tentar encontrar um vilão, um culpado, muitas vezes é uma maneira simplista de resolver problemas complicados. Temos, sim, que atacar as causas do problema”, diz. Veja a seguir a entrevista.

O diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello. Foto: Amanda Perobelli/Estadão - 29/5/2018

A guerra pelo cliente bancário está mais intensa por qual razão?

Quando se vai resolvendo alguns problemas, outros vão ficando mais evidentes mesmo que eles já existissem antes. Como estamos com a taxa de juros em níveis históricos, inflação baixa e sistema financeiro sólido, isso traz à tona o objetivo de eficiência. Há uma demanda legítima da sociedade por um sistema eficiente e nossa missão é tentar entregar. Estamos fazendo isso paraaumentar a concorrência de modo que a população tenha acesso a melhores produtos a um preço melhor. É um conjunto. Vamos atacá-los todos. Não tem um grande vilão.

Mas população vê os bancos como o maior vilão.

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Os bancos prestam um serviço num ambiente historicamente de alto risco, que condicionou um tipo de estrutura no setor bancário. Os bancos não são vilões. Tentar encontrar um vilão, um culpado, muitas vezes é uma maneira simplista de resolver problemas complicados. Temos, sim, que atacar as causas do problema, a inadimplência, fomentar a entrada de novos participantes, dar chance para todo mundo competir. A formula é meio conhecida: competição e segurança. Estamos empurrando essa fórmula já de alguns anos e agora certamente é uma agenda central aqui da administração atual.

Há resistências?

Pode haver resistências? Sempre pode. Nosso papel é fazer com que a tecnologia atinja seu potencial máximo de entregar produtos melhores. Temos o diagnóstico de que, em alguns produtos, a precificação é aquém do que achamos desejável. Temos problemas de desenho dos produtos. Credores terão mais informações sobre os devedores para diminuir o risco de fazer crédito e equalizar a informação entre os novos entrantes, bancos grandes, médios, para fomentar a competição.

Como fomentar essa competição?

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O BC tem feito trabalho sistemático com excelentes resultados dos meios de pagamento. Tem um canal de meio de pagamentos onde já houve entrada enorme (de novos participantes) que vai se materializar em pressão competitiva nos bancos. Imagina um microempreendedor, por exemplo, muitas vezes desbancarizado. O primeiro contato de vários deles com o sistema financeiro foi por meio das maquininhas. As transações começam a aparecer e o dono da maquininha começa a aprender sobre o microempreendedor e o próximo passo é dar crédito. Isso vai possibilitar que num segundo momento ele comece a conceder crédito para capital de giro, dando como garantia o que ele tem a receber de cartão. Nesse canal de meio de pagamentos já houve entrada enorme que vai se materializar em pressão competitiva nos bancos.

Os grandes bancos têm ficado incomodados. Essa pressão funciona?

Quem perde cliente tem que reagir melhorando seu produto ou baixando o preço. É fato que os bancos já estão sentindo isso e começando a fazer isso. Esperamos que isso ocorra cada vez mais. Acreditamos que a entrada das fintechs, que hoje representam uma fração pequena, cada vez mais amplie a gama de produtos disponíveis a preços bons, de modo que todo mundo sinta a pressão competitiva.

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Essa pressão competitiva já é uma realidade no Brasil?

A entrada de novos atores já é uma realidade. Nas fintechs de crédito, criamos duas caixinhas regulatórias para trazer elas de modo seguro com supervisão do BC, que são as sociedades de crédito direto e as sociedades de empréstimos pessoais. Já concedemos dez licenças de sociedade de crédito direto e quatro licenças de sociedade de empréstimo entre pessoas. Isso é totalmente sem precedente. Tem muito apetite.

Quando a competição se materializa em produtos com juros menores para o consumidor?

Vai acontecer ao longo do tempo. É difícil dar um prazo. Mas já estamos vendo pressão competitiva de todos os lados. Não é à toa que alguns (bancos) tradicionais estão sentindo incômodo. Isso é salutar para todo mundo. Vai aumentar o tamanho do bolo, vai dar mais negócio para todo mundo. Sou muito otimista.

Como avançar na redução do custo do crédito?

Dá para melhorar em várias dimensões. Boa parte do spread é inadimplência. É arriscado emprestar porque em muitas linhas tem muita chance de haver inadimplência. É difícil e custoso executar a garantia. Isso é custo de prover o serviço de crédito. É claro que ele acaba indo para preços. Boa parte da agenda do BC é voltada para dar segurança às garantias. A água não chega à nossa casa limpa. Tem todo um encanamento por trás e estamos trabalhando para desentupi-lo e criar mais tubos para que chegue mais rápido.

Como explicar que o spread e os juros não caíram na mesma velocidade da queda da taxa Selic? Por que isso acontece no Brasil?

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Se olharmos desde o começo do ciclo de queda da Selic, no segundo semestre de 2016 para cá, produto a produto, veremos sim uma queda relevante dos spreads em quase todas as modalidades. Exemplo: crédito pessoal não consignado (que não tem garantia na folha de pagamentos) cai de 120%para 106% ao ano. O próprio consignado cai de 17% para 14%. Note que ele começa de um nível bem mais baixo e tem muito menos a cair.

E os produtos mais problemáticos, como o cheque especial?

Essa impressão de que o spread não cai é porque tem alguns produtos, especialmente os emergenciais, como o cheque especial, com spread muito alto, inadimplência muito alta, que estão com taxas resistindo lá em cima. Precisamos entender um pouco esses produtos emergenciais e ver o que dá para fazer para melhorar o preço. Como o contato da maioria das pessoas é com esses produtos emergenciais há essa impressão. Mas está acontecendo a queda do spread. Ela está no ritmo que a gente gostaria? Eu diria que dá para melhorar.

De que forma é possível melhorar?

Melhorando as garantias, fazendo intervenções como o open banking, que melhora a informação sobre o devedor e equaliza a informação do devedor entre os credores. Temos dois efeitos benéficos: cai o risco de prover o crédito e ajuda o banco, a fintech, que não é o seu banco, a saber sobre você de modo que consegue competir pelo negócio com o seu banco.

Que podemos esperar das mudanças no cheque especial?

Algo na linha do redesenho do produto. No cartão de crédito rotativo, foi um redesenho do produto para entregar um produto melhor e mais barato para o consumidor.Se o sujeito entra no cartão de crédito rotativo, porque não paga a fatura cheia, ele paga o mínimo, esse tipo de crédito tem que ser emergencial. Ele fica 30 dias e depois disso tem que oferecer um produto de crédito mais barato, é um redesenho que fez cair bastante a taxa de juros do cartão de crédito rotativo. Cai de algo entre 455% ao ano para 300% ao ano. É um número que deixa todo mundo feliz? Não. Mas é um redesenho que já produziu efeitos relevantes. Não estamos satisfeitos e dá para melhorar. Pode esperar uma coisa parecida no cheque especial.

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As mudanças no cheque especial chegam quando?

Está em estudo. É uma medida importante, o redesenho para aumento de eficiência. Estamos estudando o produto. Precisar exatamente quando é difícil. Precisa tomar decisões com base em evidências e analisando o impacto regulatório. Estamos nesse processo agora. O cheque especial, por exemplo, tem uma ineficiência grande. Muitas pessoas têm um limite muito alto que não usam e esse limite consome capital do banco. É um custo do banco. Dá para redesenhar. Estamos olhando as opções.

Além das mudanças no cheque especial, o que tem mais nessa agenda pró-competição?

Temos (regulação) o open banking. Uma fintech que entrar vai saber tanto sobre mim quanto o meu banco sabe. A primeira fase provavelmente no segundo semestre de 2020. Tem pouco atalho. Precisamos aumentar a quantidade de informação disponível porque faz cair o risco de conceder o crédito e aumenta a competição. Note que o open banking precisa ser feita garantindo a segurança de dadosdo indivíduo. Ele foi possível com a Lei Geral de Proteção de Dados, que estabeleceu que o dado é de propriedade do indivíduo e não do seu banco.

As pessoas de uma maneira geral não têm ideia do poder dessa informação?

Tem um trabalho de conscientização. Mas as pessoas sabemo poder do celular. E sabem o poder de usar aplicativos e o valor que isso tem para elas. Como o open banking, rapidamente haverá vários aplicativos e entrantes oferecendo produtos com base em consentimento e as pessoas vão ver o valor disso. O outro projeto estruturante que é o “Pagamentos Instantâneo” que é, grosso modo, um TED 24 horas por dia, sete dias da semana. A primeira fase começa em novembro de 2020.

No Congresso, é possível ver novas tentativas de forçar a queda dos juros nos empréstimo por meio de legislação. Como o BC vê esse movimento recente dos parlamentares?

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O legislador é soberano para tomar suas decisões. Nós aqui temos o papel de criar condições estruturalmente sustentáveis de competição, tomar medidas para diminuir as ineficiências e custos do sistema, aumentando a concorrência. Mas às vezes a concorrência não entrega os benefícios. Quando ela não entrega, justifica intervenções. E para isso temos um leque regulatório para aumentar a eficiência.

O BC vai usar esse leque de opções?

O BC não vai se furtar da sua prerrogativa regulatória para aumentar a eficiência do mercado de crédito.

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