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Política Lava-Jato

Toffoli defende fixar limites para o uso de dados sigilosos

Presidente do STF listou restrições para compartilhamento de informações da Receita, e menos rígidas para o antigo Coaf
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) Foto: Nelson Jr / Divulgação
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) Foto: Nelson Jr / Divulgação

BRASÍLIA — O ministro Dias Toffoli , presidente do Supremo Tribunal Federal ( STF ), votou para impor algumas restrições ao compartilhamento de informações sem autorização judicial pelos órgãos de controle com o Ministério Público. As restrições são maiores para a Receita Federal e menores para a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), que é o antigo Coaf . Mas as principais dúvidas sobre o julgamento ainda não foram respondidas. Não está claro se, pelo voto de Toffoli, a UIF poderá compartilhar apenas dados globais, ou também informações mais detalhadas sobre movimentações financeiras suspeitas. Outro ponto ainda indefinido é o que vai acontecer com a investigação do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), um dos processos suspensos em razão de uma decisão liminar tomada pelo presidente do STF em julho deste ano.

A decisão será tomada por maioria de votos, após a manifestação dos demais ministros da Corte. Ao todo, são 11 no STF. O julgamento terá continuidade na quinta-feira. Nesta quarta, em conversa com jornalistas após a sessão, Toffoli tentou resumir seu voto, que foi considerado confuso até mesmo pelos outros ministros. Segundo ele, a UIF pode continuar a compartilhar informações, desde que esse material não seja usado como prova.


— Em relação ao Coaf, pode sim compartilhar informações, mas ele é uma unidade de inteligência. O que ele compartilha não pode ser usado como prova. É um meio de obtenção de prova — afirmou.

Entenda : o que está em jogo no julgamento desta quarta-feira

Durante o voto, ele disse que a UIF pode compartilhar informações com o Ministério Público. Disse também que o MP pode inclusive solicitar informações ao órgão. Mas fez uma ressalva: só pode pedir relatórios de inteligência financeira (RIFs) de cidadãos contra os quais já haja uma investigação criminal ou um alerta emitido por unidade de inteligência.

— Isso tem um nome no sistema mundial: "fishing expeditions". É extremamente importante enfatizar que não se pode ter as "fishing expeditions", os RIFs por encomenda contra cidadãos sem qualquer investigação criminal existente ou alerta já emitido de ofício pela unidade de inteligência — disse Toffoli durante o julgamento.

No caso dos dados compartilhados pela Receita, ele impôs uma restrição adicional ao trabalho do Ministério Público na condução dos procedimentos de investigação criminal (PICs). Hoje, é comum o Ministério Público conduzir PICs sem autorização judicial.

— Uma vez recebendo a representação fiscal para fins penais, deve o Ministério Público abrir, instaurar um procedimento investigativo penal e deve necessariamente comunicar ao juízo competente que recebeu essa representação fiscal para termos essa supervisão judicial, tendo em vista o compartilhamento de informações — disse Toffoli.

Na conclusão do seu voto, Toffoli falou apenas da Receita. Disse que ela poderá continuar compartilhando informações sem autorização judicial, mas seguindo algumas condições. Só poderão ser repassado dados globais, como montante total movimentado, mas não informações detalhadas, nem documentos como a declaração do imposto de renda e a íntegra de extratos bancários. Além disso o compartilhamento deve ocorrer exclusivamente nos casos de indício de crimes contra a ordem tributária, contra a previdência social, descaminho, contrabando e lavagem de dinheiro.

O processo em julgamento tem origem numa investigação de um posto de gasolina em que houve compartilhamento de dados da Receita. Posteriormente, a pedido do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, Toffoli paralisou investigações baseadas em dados tanto da Receita como do Coaf.

O voto de Toffoli, que se estendeu pela manhã e pela tarde, confundiu não apenas o público que acompanhava o julgamento, mas também os próprios ministros.

— Tem que chamar um professor de javanês — ironizou o ministro Luís Roberto Barroso após o fim da sessão.

Toffoli tenta se distanciar do caso Flávio Bolsonaro

Ao longo de seu voto, Toffoli tentou dissociar o julgamento do recurso desta quarta-feira da investigação do MP do Rio de Janeiro contra Flávio Bolsonaro. O filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é investigado pela suposta prática de "rachadinha" durante o período em que foi deputado estadual.

A "rachadinha" ocorre quando os funcionários do gabinete de um parlamentar devolvem parte dos salários recebidos. Flávio nega sua participação no caso. O ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, que também é investigado, admitiu receber parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio para contratar mais pessoal. Ele disse que Flávio não tinha conhecimento da prática.

A decisão Toffoli dada em julho foi uma resposta a um pedido feito pela defesa de Flávio Bolsonaro. Apesar disso, nesta quarta-feira, Toffoli tentou mostrar que seu voto não tinha relação com o caso. Ele afirmou ter seguido apenas o Código de Processo Civil (CPC), elaborado por uma comissão de juristas liderada pelo ministro Luiz Fux, do STF.

— Aqui não está em julgamento em nenhum momento o senador Flávio Bolsonaro. Em nenhum momento está aqui. A decisão que proferi a respeito da suspensão foi com base na determinação legal do novo CPC, do CPC Luiz Fux, que no artigo 1035, parágrafo 5º, diz que, havendo repercussão geral, o relator pode suspender todos os feitos em andamento. Mas como envolvia matéria criminal, além de suspender, eu suspendi a prescrição também — afirmou Toffoli.

Polêmica : Especialistas divergem sobre uso de dados sigilosos nas investigações

PGR vê prejuízo à imagem do Brasil

Em sua sustentação, Aras argumentou que o compartilhamento de dados de órgãos de controle da Unidade de Inteligência Financeira (UIF) - antigo Coaf - com o Ministério Público não representa quebra de sigilo bancário.

- Se por ventura o RIF - relatório de inteligência financeira - tem algum tipo de alteração e que esteja em camadas, isso não significa que essas camadas importem na quebra do sigilo bancário. Ali não existe extrato bancário. Ali existe apenas informações coletadas a partir dos dados recebidos voluntariamente por aqueles entres obrigados a fornecer informações. É um sistema no qual não participa o ser humano. Ele recebe e ele devolve sem participação do ser humano - disse o PGR.

Ele disse que a decisão que suspendeu o compartilhamento de dados de órgãos de controle com o MP prejudica a imagem do Brasil na comunidade internacional e em órgãos multilaterais que atuam no combate a crimes como terrorismo e lavagem de dinheiro.

- A quebra desse sistema internacionalmente consagrado pode trazer consequências nefastas à nação, entre elas a elevação da percepção de risco em relação ao país, a redução de investimentos estrangeiros, a maior dificuldade de nacionais terem acesso a recursos financeiros, além de obstáculos no âmbito da cooperação internacional. Corremos, ainda, o grave risco de o Brasil vir a ser considerado tecnicamente um paraíso fiscal, mácula excessivamente nociva a um país que necessita retomar o curso do crescimento econômico e estabelecer o bem-estar social - afirmou Aras.

Ao falar sobre o caso do senador Flávio Bolsonaro (Sem partido/RJ), Aras disse disse ainda que os RIFs compartilhados com o MP não se constituem como prova dentro de um processo.

- No que se refere ao requerimento interventivo formulado pelo Senador Flávio Nantes Bolsonaro [...] a Procuradoria-Geral da República destaca, mais uma vez, que tais documentos, isoladamente considerados, não constituem meios de prova. assim como as colaborações premiadas e as representações anônimas. Por conseguinte, qualquer juízo condenatório depende de prévia corroboração, a depender da instrução probatória, observado o devido processo legal - afirmou Aras.

Caso Flávio Bolsonaro

O caso concreto a ser julgado pelo STF é o recurso do Ministério Público Federal em São Paulo contra o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). O tribunal anulou um processo sobre sonegação fiscal contra donos de um posto de combustível em São Paulo sob o argumento de que a Receita Federal repassou dados fiscais ao MP sem autorização anterior da Justiça. A sessão começou com sustentações orais do MPF e em seguida dos advogados das partes.

Foi no processo que irá a julgamento que Toffoli deferiu liminar pedida pelo senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e paralisou as investigações iniciadas a partir de dados de todos os órgãos de controle.

Ministros ouvidos reservadamente pelo GLOBO apostam que o plenário, no julgamento de hoje, vai restringir o envio de informações sigilosas para abastecer investigações. A ideia é condicionar o uso de relatórios à autorização judicial. Nos bastidores, os integrantes da Corte estudam um meio-termo para não anular as investigações já em curso. A alternativa seria exigir decisão da Justiça apenas para casos futuros e, em relação às apurações atuais, permitir que sejam validadas se passarem pelo crivo de um juiz.