SÃO PAULO — Um projeto de universidades públicas em parceria com o setor privado vai sequenciar os genomas de 15 mil brasileiros e colocar os dados à disposição de cientistas que quiserem acessá-los.
Batizada de DNA do Brasil , a inciativa é a maior do tipo já realizada na América Latina para sequenciar o DNA completo de indivíduos, e deve ajudar estudos de genética médica a se tornarem mais relevantes para populações miscigenadas, como a do Brasil.
Saiba Mais: Por que o Brasil precisa mapear o genoma de sua população
A base de amostras do projeto será a de um acompanhamento clínico de grande escala que já funciona desde 2008, o ELSA (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto).
Leia Mais: Cientistas criam o 'DNA das coisas', que permite que objetos sejam 'clonados'
O projeto, que envolve centros de pesquisa em seis estados brasileiros, registra o histórico médico de funcionários públicos que vivem em seis centros urbanos, mas inclui pessoas nascidas em todos os estados do Brasil.
Para viabilizar o estudo, a idealizadora do projeto, a geneticista Lygia da Veiga Pereira, da USP (Universidade de São Paulo), articulou parceria com a rede de laboratórios clínicos Dasa, que montou um laboratório de R$ 6 milhões para sequenciar as amostras de DNA dos participantes.
Os 3.000 primeiros genomas serão feitos pela empresa sem custo para o projeto, em troca de a empresa ser contratada para fazer os 12 mil restantes, a um custo de menos de US$ 650 por genoma.
A quantidade de dados que o projeto deve gerar está na casa dos 75 Terabytes (75 trilhões de bytes), levando em conta que o genoma de cada indivíduo sequenciado ocupa 5 Gigabytes (5 bilhões de bytes).
Para guardar esses dados a USP costurou um acordo com o Google, que vai alocar os primeiros genomas de graça na sua plataforma Google Cloud, para armazenar e processar dados.
Segundo Lygia, o "DNA do Brasil" tem a pretensão de colocar o país numa situação relevante no cenário mundial de pesquisa genômica.
— O Brasil era um buraco no mapa — diz. — E a gente quer colocar o brasil no mapa dos genomas, sequenciando esses 15 mil brasileiros bem caracterizados pelo ELSA.
A vantagem de acoplar o estudo genômico a outro de acompanhamento médico clínico é que, de cara, já serão gerados dados que permitam fazer estudos de associação entre DNA e doenças complexas, multifatoriais, como diabetes e mal de Alzheimer.
Melhor possível
Por estar concentrado em apenas seis centros urbanos, o ELSA não possui uma amostragem perfeita da população brasileira, mas é uma opção melhor que a dos estudos de associação genômica publicados hoje, com amostragem estrangeira.
— O ELSA tem a melhor amostragem possível — diz Paulo Lotufo, da USP, um dos coordenadores do projeto. — A razão de restringir o estudo a funcionários públicos e a seis centros urbanos é que as instituições de pesquisa que fazem o acompanhamento têm infraestrutura para tal, e essas pessoas não costumam mudar de emprego nem de cidade, e podem ser acompanhadas idealmente pela vida toda.
— A gente vai poder então viabilizar o desenvolvimento desses testes preditivos baseados na nossa genética, e não em testes preditivos baseados na genética dos finlandeses — diz Lygia.
O Dasa, que vai entrar com infraestrutura de sequenciamento, conseguiu um preço competitivo ao negociar um acordo com a Illumina, a empresa americana que fabrica hoje os melhores equipamentos do setor. Uma máquina que o laboratório brasileiro adquiriu para o projeto é capaz de sequenciar uma bandeja com amostras de genomas de 48 pessoas em 36 horas.
— A gente deve conseguir sequenciar os primeiros 3.000 genomasaté o inicio do segundo trimestre do ano que vem — diz Gustavo Campana, diretor médico da Dasa — A gente acredita que em 12 a 18 meses consiga fazer os 15 mil.
Um detalhe importante precisa ser articulado pelo projeto: não existe ainda verba para fazer os 12 mil genomas restantes.
— Quando fui ao Ministério da Ciência no meio do ano, eles acharam o projeto fantastico, mas disseram: não temos — diz Lygia. — Estou conversando com a Fapesp e outros. Com essa visibilidade, e mostrando a importância disso, a gente espera conseguir o apoio suficiente para chegar nos 15 mil genomas.