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Cúpula do Clima chega a acordo considerado frustrante por ambientalistas

Longe de responder à urgência do tema, documento aprovado em Madri com dois dias de atraso na COP-25 determina o cumprimento do Acordo de Paris
Membro da delegação brasileira durante as negociações deste domingo Foto: NACHO DOCE / REUTERS
Membro da delegação brasileira durante as negociações deste domingo Foto: NACHO DOCE / REUTERS

MADRI - A cúpula climática COP-25 conseguiu finalizar, neste domingo, um documento para aumentar a ambição em relação às metas de enfrentamento às mudanças climáticas em 2020 e cumprir o Acordo de Paris, pelo qual os países se comprometem a impedir que a temperatura média do planeta suba acima de 1,5°C neste século. O texto, intitulado "Chile-Madri, hora de agir", foi fechado quase dois dias após a data marcada para o encerramento da conferência . Ambientalistas ficaram frustrados com conteúdo, que está longe de responder firmemente à urgência do tema, conforme reivindicado pela ciência e pela sociedade civil.

Aprovado pela presidente da COP 25, a chilena Carolina Schmidt, o acordo foi alcançado depois de um debate intenso com o Brasil, que não aceitou dois parágrafos incluídos no acordo sobre oceanos e uso da terra, inicialmente.

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O texto final prevê que os países terão que apresentar, em 2020, compromissos mais ambiciosos para reduzir as emissões para enfrentar as mudanças climáticas na próxima cúpula, que será realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro de 2020. São as chamadas Contribuições Nacionais Determinadas. O acordo, porém, não emitiu nenhum sinal forte de que intensificará e acelerará a ação climática.

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, considerou o resultado frustrante, ao conceder uma entrevista à Globonews:

- É uma conferência que o tema era a ambição, os níveis atuais (de ação) não conseguiram entregar os objetivos do Acordo de Paris. Essa COP, que era a COP da ambição, deixou toda ação e toda ambição para o próximo ano.

O resultado em Madri reflete uma "resistência" ao avanço. "Se essa situação não mudar" antes da COP26 no final de 2020 em Glasgow (Escócia), o objetivo de limitar o aquecimento "será quase impossível", disse Alden Meyer, um observador veterano.

Para Sébastien Treyer, diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais, os bloqueios, além das diferenças inevitáveis, "são um sintoma de um estado geral de polarização e não cooperação entre os países".

O acordo também prevê que o conhecimento científico será "o eixo principal" a orientar as decisões climáticas dos países no que diz respeito ao aumento de suas ambições em relação ao clima. E isso deve ser constantemente atualizado, conforme os avanços da ciência.

Cerca de 200 países participam desta conferência da ONU, iniciada há duas semanas, em meio a pedidos urgentes da ciência e da sociedade civil para intensificar e acelerar as ações contra o aquecimento global.

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Na taxa atual de emissões, a temperatura global aumentará 4°C ou 5°C no final do século, enquanto a segurança climática será alcançada apenas limitando o aumento a menos de 2°C e, idealmente, 1,5°C, como pede o Acordo de Paris. O mundo já ganhou 1°C em comparação com a era pré-industrial.

Em 2019, as emissões de gases de efeito estufa aumentaram. O que deve ser feito, de acordo com a ONU, é reduzi-los em 7,6% ao ano, entre 2020 e 2030. Só assim seria possível limitar a temperatura a + 1,5 ° C.

A ministra espanhola da Transição Ecológica, Teresa Ribera, facilitou grande parte das negociações, uma tarefa aplaudida por seus colegas e chamada de "heroica" pela francesa Laurence Tubiana, uma das arquitetas do Acordo de Paris.

Seu "apoio nas últimas horas contribuiu para obter um resultado mínimo necessário para 2020", junto com uma "aliança progressista de pequenos Estados insulares, países europeus, africanos e latino-americanos", disse.

Ativistas frustrados

O sentimento de frustração com os resultados da cúpula foi compartilhado entre os militantes da causa ambiental. "Parece que a COP-25 está desmoronando. A ciência é clara, mas a ciência é ignorada", tuitou durante a noite a jovem ativista climática Greta Thunberg, que inspirou milhões de jovens a exigir medidas radicais e imediatas para limitar o aquecimento global.

"Aconteça o que acontecer, não vamos desistir. Estamos apenas começando", acrescentou a adolescente sueca, estrela desta conferência climática da ONU.

Ativistas simulam enforcamento do lado de fora da COP-25 Foto: NACHO DOCE / REUTERS
Ativistas simulam enforcamento do lado de fora da COP-25 Foto: NACHO DOCE / REUTERS

No sábado, ativistas ambientais jogaram esterco de cavalo e fizeram simulações como uma cena de enforcamento do lado de fora do local onde era realizada a cúpula climática da ONU em Madri, expressando sua frustração com o fracasso dos líderes mundiais em tomar medidas significativas contra o aquecimento global.

Lideradas pelo grupo Extinction Rebellion, as ações foram programadas para coincidir com o encerramento da cúpula COP25.

- Assim como reorganizar as espreguiçadeiras no Titanic, essa brincadeira da COP de contabilidade de carbono e negociação do Artigo 6 não é proporcional à emergência planetária que enfrentamos - disse o Extinction Rebellion em comunicado.

Doze membros do grupo também subiram em blocos de gelo derretendo, com laços apertados em volta do pescoço para simbolizar os 12 meses restantes até a próxima cúpula, quando o acordo de Paris entra em uma fase de implementação.

Com o encontro de duas semanas se estendendo para o fim de semana, ativistas e muitos delegados também criticaram o Chile, que preside as negociações, por elaborar um esboço do texto de cúpula que, segundo eles, arrisca reverter o Acordo de Paris de 2015 para combater o aquecimento global.

Manifestantes usaram esterco em protesto Foto: OSCAR DEL POZO / AFP
Manifestantes usaram esterco em protesto Foto: OSCAR DEL POZO / AFP

- Em um momento em que os cientistas se alinham para alertar sobre consequências terríveis se as emissões continuarem aumentando e as crianças em idade escolar estão tomando às ruas aos milhões, o que temos aqui em Madri é uma traição a pessoas em todo o mundo - disse Mohamed Adow, diretor do Power Shift Africa, uma entidade de clima e energia em Nairóbi.

A maratona anual climática deveria ter terminado na sexta-feira, mas se arrastou, com ministros envolvidos em várias disputas sobre a implementação do Acordo de Paris, que até agora não conseguiu deter a marcha ascendente das emissões globais de carbono.

O texto aprovado neste domingo não inclui a seção de mercados de carbono (existente no artigo 6 do Acordo de Paris). Segundo ambientalistas, esse mercado pode ser essencial para metas climáticas ainda mais ambiciosas e, em Madri, foram discutidos pelo menos dois sistemas diferentes de comercialização.

Participantes de longa data das negociações expressaram indignação com a falta de vontade dos principais poluidores em mostrar ambição proporcional à gravidade da crise climática, após um ano de incêndios, ciclones, secas e inundações.

Acordo foi aprovado pela presidente da COP 25, a chilena Carolina Schmidt Foto: NACHO DOCE / REUTERS
Acordo foi aprovado pela presidente da COP 25, a chilena Carolina Schmidt Foto: NACHO DOCE / REUTERS

Todos os Estados deverão apresentar até a COP26 de Glasgow uma versão revisada de seus compromissos. Nesta fase, cerca de 80 países se comprometeram a apresentar um aumento de suas ambições, mas eles representam apenas cerca de 10% das emissões globais.

E quase nenhum dos maiores emissores, China, Índia ou Estados Unidos, parece querer se juntar a este grupo.

Somente a União Europeia "endossou" esta semana em Bruxelas o objetivo de neutralidade de carbono até 2050. Mas sem a Polônia, muito dependente do carvão. E os europeus ainda vão levar meses para decidir sobre um aumento de seus compromissos para 2030.

- A presidência chilena tem uma tarefa: proteger a integridade do Acordo de Paris e não deixá-lo destruído pelo cinismo e pela ganância - denunciou a chefe do Greenpeace, Jennifer Morgan.

- Um punhado de países barulhentos sequestrou o processo e fez o resto do planeta refém - disse Jamie Henn, da ONG 350.org.

Na mira dos defensores climáticos, além dos Estados Unidos que deixará o Acordo de Paris em novembro de 2020, China e Índia, que insistem, antes de evocar seus próprios compromissos revisados, na responsabilidade dos países desenvolvidos a fazer mais e manter sua promessa de ajuda financeira aos países em desenvolvimento.

Mas também a Austrália e o Brasil, ambos acusados de querer introduzir nas discussões disposições sobre o mercado de carbono que, segundo especialistas, minam o próprio objetivo do Acordo de Paris.