Por Kleber Tomaz e Filippo Mancuso, G1 SP e TV Globo — São Paulo


Viela Três Corações e Viela do Louro, onde, de acordo com moradores, nove foram mortos e 12 ficaram feridos depois de ação da PM para dispersar baile funk em Paraisópolis — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Os nove mortos e 12 feridos durante dispersão de um baile funk feita pela Polícia Militar (PM), na madrugada do último domingo (1º), em Paraisópolis, Zona Sul de São Paulo, estavam em duas vielas, segundo moradores ouvidos pelo G1. Segundo eles, os frequentadores do Baile da 17 foram encurralados e agredidos pelos policiais militares na Viela Três Corações e na Viela do Louro.

A suspeita inicial da Polícia Civil é que as vítimas foram pisoteadas durante a confusão. Atestados de óbito entregues a algumas das famílias dos mortos informam que eles foram asfixiados e tiveram fraturas na coluna. Mas somente os resultados de laudos periciais irão apontar oficialmente as causas das mortes.

Procurada pela reportagem para confirmar a informação dos moradores ou informar onde os corpos foram encontrados, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) não soube responder qual foi o local onde os mortos estavam. Por meio de nota, a pasta informou apenas que o Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, e a Corregedoria da PM investigam o caso.

No boletim de ocorrência do caso, policiais militares informaram que os nove mortos foram encontrados numa única viela, mas não informaram o nome dela (leia mais abaixo).

Vídeo mostra chegada da PM à Paraisópolis na noite de baile funk

Vídeo mostra chegada da PM à Paraisópolis na noite de baile funk

Duas vielas

De acordo com moradores de Paraisópolis, vídeos gravados no domingo passado por quem mora na comunidade mostram policiais encurralando e agredindo pessoas, respectivamente, em duas vielas: na Três Corações e na do Louro, que são paralelas, mas não se interligam.

Ambas as vielas dão acesso às ruas Ernest Renan e Rudolf Lutze, que fazem esquina uma com a outra.

A Viela Três Corações tem dois portões em cada uma de suas entradas. O portão que dá acesso à rua Rudolf Lutze estava trancado no domingo.

"Fecharam as duas entradas, subiram os policiais lá pela viela, e o pessoal se sentiu acuado na viela e [os PMs] começaram a jogar bomba", disse uma moradora que não quis se identificar.

Ela contou ainda que ouviu gritos. Afirmou ainda que apenas os moradores de Paraisópolis têm acesso à chave do portão que abre a saída da viela.

Imagens acima mostram versões da PM e dos moradores para as mortes em Paraisópolis — Foto: Arte: Juliane Souza e Guilherme Gomes/G1

Testemunhas dizem que PMs impediram o socorro de vítimas da tragédia de Paraisópolis

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Outra mulher contou que estava no baile e conseguiu fugir, mas foi agredida pelos PMs.

“Todo mundo correu para o beco, só que no beco não tinha como passar todo mundo. Aí todo mundo foi montando em cima do outro. Quando eu voltei, foi a hora que os policias deram nas minhas pernas, nas minhas costas, na minha cabeça. Eles bateram muito com cassetete”, contou.

Viela Três Corações, onde, segundo moradores, ocorreram mortes e vítimas ficaram feridas após serem encurraladas pela PM em Paraisópolis — Foto: Filippo Mancuso/TV Globo

Vídeos contestados

A Polícia Militar contestou a data de um dos vídeos encaminhados por moradores com violência policial durante baile funk em Paraisópolis e também divergiu do local atribuído pela população a outro vídeo da ação violenta da PM na comunidade durante a festa.

Segundo a corporação, o vídeo que mostra um policial batendo com um objeto em moradores na Viela do Louro em Paraisópolis é de 19 de outubro e não do domingo passado. A PM informou que o agente foi afastado por causa das agressões durante dispersão do baile.

Outro vídeo (veja abaixo), que mostra PMs encurralando e agredindo frequentadores de uma festa, não ocorreu no último domingo em Paraisópolis, mas em Heliópolis, outra comunidade da Zona Sul da capital. A corporação, porém, não informou a data do fato.

Vídeo mostra policiais agredindo pessoas em Heliópolis, em São Paulo

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Uma viela

Além disso, seis dos 38 agentes da PM que participaram da ação deram outra versão à investigação. Disseram que as vítimas fatais estavam numa única viela. Eles, no entanto, não informaram o nome dela.

Os PMs alegaram ainda que as mortes e ferimentos ocorreram depois de um tumulto causado no baile funk por dois criminosos numa moto. Segundo os agentes, a dupla passou atirando contra os policiais e depois disparam mais vezes quando fugiram e se esconderam entre a multidão, na esquina da avenida Hebe Camargo com a rua Rudolf Lutze.

“Nove vítimas tinham vindo a óbito devido ao pisoteamento após tumulto gerado por disparos de arma de fogo, efetuados por criminosos ao se depararem com equipes policiais”, informa um dos trechos do que os PMs disseram no boletim de ocorrência do caso, feito no 89º Distrito Policial (DP), Portal do Morumbi.

“Em seguida receberam a informação que haviam nove pessoas desacordadas em uma viela da Rua Ernest Renan, e após verificarem a veracidade da informação acionaram via rádio regaste e Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência], no entanto devido à demora para que as unidades de socorro médico chegassem no local, foi autorizado via rádio que as viaturas da Polícia Militar prestassem o socorro das vítimas até o PS [Pronto Socorro] Campo Limpo”, informa outro trecho do registro policial.

Viela do Louro, onde ocorreram mais mortes e ferimentos nas vítimas, de acordo com moradores de Paraisópolis após ação da PM — Foto: Filippo Mancuso/TV Globo

Ainda segundo os policiais, as pessoas que estavam na festa correram e entraram numa viela, onde foram pisoteadas umas pelas outras.

Os agentes da PM contaram também que tiveram de usar balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral para dispersar a multidão, que, segundo eles, tinha atacado as viaturas com pedaços de paus e pedras.

Investigação

O caso é investigado como morte suspeita, lesão corporal e homicídio a apurar. Na segunda-feira (2) o Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) assumiu as investigações. Eles vão apurar se há envolvimento e responsabilidade de policiais nas mortes e lesões causadas às vítimas.

Seis PMs envolvidos na ação de domingo foram afastados preventivamente das ruas pela corporação para realizarem serviços administrativos. A Corregedoria da Polícia Militar apura a conduta dos agentes.

O Ministério Público (MP) acompanha todas as investigações.

Quem são os 9 mortos

Todos os jovens que faleceram não são de Paraisópolis, ou seja, são pessoas que não conhecem a região e acabaram caindo em vielas que não tem saída. Veja aqui quem são.

Veja fotos dos mortos em Paraisópolis — Foto: TV Globo/Reprodução

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