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Brasil Educação

Filósofo americano defende que crianças usem celular e rede social a partir de 6 anos

Autor de 'The New Childhood' vai contra a maré e afirma que é mais fácil moldar os hábitos digitais de uma pessoa nessa idade
Jordan Shapiro é filósofo Foto: Divulgação
Jordan Shapiro é filósofo Foto: Divulgação

DOHA - Crianças devem ficar íntimas da tecnologia o quanto antes. A afirmação é do filósofo americano Jordan Shapiro, de 42 anos, autor de “The new childhood: raising kids to thrive in a connected world” (“ A nova infância : criando filhos para prosperar em um mundo conectado”, em tradução livre).

Shapiro, que foi colunista de Educação da revista “Forbes” entre 2012 e 2017, defende que meninos e meninas a partir dos seis e no máximo até oito anos devem ter seu próprio celular e conta ativa em redes sociais, pois assim é mais fácil moldar hábitos digitais saudáveis.

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O autor, que critica a visão de boa parte de pediatras e educadores, que consideram a exposição às telas um complicador para o desenvolvimento infantil, conversou com O GLOBO durante a Cúpula para Inovação na Educação ( Wise , na sigla em inglês).

O senhor afirma que pais devem estimular seus filhos a explorar a tecnologia desde cedo...

Sim. Eles devem usar junto com seus filhos. Nos EUA, a idade média que as pessoas começam a usar um smartphone é 12 anos. Isso não faz sentido. Deve ser muito mais cedo. Algo como seis a oito.

Por que?

Por que você daria um smartphone pela primeira vez a alguém que está entrando na puberdade? Os hormônios estão gritando. O adolescente está obcecado por imagens do corpo, sexo, status, quem é o mais descolado da turma. Esse é o tempo de se começar a construir sua rede social? Tenho filhos de 12 e 14 anos. Nessa idade, sobre tudo o que eu falo, eles têm certeza de que sabem mais. E isso é normal. Mas, para eles, não tenho qualquer habilidade para corrigi-los, para ajudá-los. Ou seja, não tenho influência em como eles usam os celulares.

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E qual a diferença para crianças menores?

Elas querem ser iguais aos pais. Se digo, não jogue esse game porque é estúpido, elas vão acatar. Agora, já adolescentes, eles mandam eu me calar. Você tem que construir esses hábitos desde criança. É muito mais fácil mudar a cabeça de uma criança.

O senhor não vê problema algum na exposição das crianças às telas ?

Todas as pesquisas sérias, desde a invenção da TV, mostram que a exposição às telas por si só não causa danos. Médicos tentaram provar que havia (algum tipo de problema) e não conseguiram. A recomendação da OMS para não se dar telas para crianças antes dos dois anos não é porque o tempo na frente da delas é perigoso, e sim porque o mais importante nesta idade é o contato olho no olho, interações entre crianças e adultos, falar com a criança. Isso, de fato, é muito, muito, muito importante para as crianças. E há o medo de que, com o acesso às telas, os pais diminuam o tempo de contato com a criança. Mas a recomendação também assusta, faz com que pais deixem, por exemplo, de colocar um vídeo para a criança ver enquanto ela toma banho. Ora, ela não terá danos cerebrais se assistir a um vídeo por 15 minutos. O que ela não pode é ficar oito horas sem interação com alguém.

O que é esta ‘nova infância’?

Crianças passam hoje muito mais tempo em espaços digitais. Eu cresci com os primeiros videogames, mas aquilo era uma pequena parte da minha vida. Agora, o digital é uma parte enorme das nossas vidas. Estatísticas mostram que crianças já estão passando o mesmo tempo nos celulares em comparação com o que faziam em frente à TV...

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E essa é uma boa mudança?

É fato. É um desperdício de energia discutir se é bom ou ruim. A questão agora é saber como poderemos preparar as crianças para lidar melhor com essa realidade. Não vamos nos livrar dos smartphones . Talvez até seja um erro, talvez seja terrível viver num mundo conectado. Mas o gênio está fora da lâmpada. Não dá mais para voltar atrás.

E o que pais e educadores devem fazer?

Parar de perguntar se isso é bom ou não e passar a pesquisar o que importa: há formas melhores de se usar as telas? Qual o impacto do desenvolvimento com o YouTube ou videogames? Há pessoas preocupadas com isso, mas não o suficiente. Passamos décadas estudando os benefícios de se brincar em playgrounds. Mas não passamos o mesmo tempo investigando o espaço digital.

Qual a base do currículo de alfabetização digital que o senhor elaborou?

Pensamos em alfabetização digital como a capacidade de se operar ferramentas. Mas isso é estreito. Alfabetização é você saber refletir sobre a tecnologia que usa, extrair sentido e entendê-la. Quando desenvolvi esse currículo, levei em conta o que as pessoas precisam pensar sobre as ferramentas com as quais elas vão viver. Não apenas em questões de privacidade e bullying digital, o que também é importante. Mas sim pensar se elas estão aptas a viver suas vidas de forma livre e com independência usando ferramentas digitais. Entender o que são essas ferramentas.

Pode dar um exemplo?

Como os algoritmos moldam seus resultados de busca é um exemplo perfeito do que se deve aprender com os pais. Exatamente como pais explicam o que é um comercial de TV, que ali está se vendendo um produto. Ensinar que não é porque você googlou ‘qual é o melhor restaurante’ que o resultado é a resposta real.

*O repórter viajou a convite da Wise.