Equipe entra na cervejaria Backer, investigada por intoxicação de consumidores
Quinhentos mil litros de cerveja estão parados dentro dos taques da cervejaria Backer, em Belo Horizonte. O Fantástico entrou no setor onde funciona a penúltima etapa da fabricação das cervejas. Lá se faz a fermentação e a maturação.
O primeiro lote de cervejas que teve a contaminação identificada foi fermentado em um terceiro tanque mostrado na reportagem. Ele foi o primeiro a ser interditado pelos auditores do Ministério da Agricultura. Tanques que têm um tipo de lacre verde e amarelo são os que têm cerveja dentro.
O estoque está cheio. Nenhuma garrafa de cerveja pode ser vendida. A fábrica tem 70 tanques de fermentação, 140 funcionários diretos, que se revezam trabalhando 24 horas por dia. Por causa dos lacres, ninguém pode andar pela linha de produção. A Backer produziu, no ano passado, cinco milhões de litros de cerveja para 18 de suas marcas. A Belorizontina representava 70% das vendas.
“Espero que as autoridades ajam com rapidez para que esse prejuízo não seja maior do que já é, e para as pessoas que já foram atingidas por esse triste fato”, disse a diretora de marketing da Backer, Paula Lebbos.
A Polícia Civil está investigando como o dietilenoglicol foi parar em 32 lotes de 10 cervejas produzidas pela Backer. Todos foram retirados do mercado. O Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) afirmou neste sábado (18) que detectou mais 11 lotes de cervejas da Backer contaminados com a substância tóxica dietilenoglicol. Segundo o ministério, agora são 32 lotes identificados com a substância.
Dos 32 lotes, 23 são da cerveja Belorizontina, e os outros nove, de rótulos diferentes. As duas novas marcas que foram identificadas contaminações são a Corleone e a Backer Trigo. As análises são realizadas pelos Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária.
“Existem vários lotes contaminados, em tempos diferente. Essa característica na investigação nos deixa a entender que, se houve uma sabotagem, ela foi realizada em longo prazo, de forma contínua, mas nenhuma linha é descartada neste momento”, destacou o delegado Flávio Grossi.
“A gente começou por conta própria a pesquisar casos clínicos compatíveis com eles, com os doentes. E aí, pesquisando esses casos clínicos é que a gente achou que o que tinha causado essa sintomatologia neles era o dietilenoglicol”, lembrou Camila.
Quando a Camila foi à delegacia pela primeira vez, já trouxe as informações que tinha apurado. E isso acabou sendo fundamental: foi o ponto de partida da investigação.
Resumo
- Uma força-tarefa da polícia investiga 19 notificações de pessoas contaminadas após consumir cerveja; quatro morreram;
- Os sintomas da intoxicação incluem náusea, vômito e dor abdominal, que evoluem para insuficiência renal e alterações neurológicas;
- O Ministério da Agricultura identificou 32 lotes de cerveja da Backer contaminados com dietilenoglicol, um anticongelante tóxico;
- A Backer nega usar o dietilenoglicol na fabricação da cerveja;
- A cervejaria foi interditada, precisou fazer recall e interromper as vendas de todos os lotes produzidos desde outubro;
- A diretora da cervejaria disse que não sabe o que está acontecendo e pediu que clientes não consumam a cerveja;
- O governo de MG criou portal para informar sobre intoxicação;
- À Justiça, a Backer apresentou um vídeo com suposto indício de sabotagem.
Ministério da Agricultura
O Ministério da Agricultura interditou a fábrica da Backer até o fim das investigações.
“A Backer, no ano passado, ela foi fiscalizada praticamente o ano inteiro, justamente pelo fato de a gente estar crescendo”, disse Paula Lebbos.
A polícia investiga como o dietilenoglicol foi para dentro das cervejas Belorizontina. Quatro pessoas morreram e 15 foram internadas.
Vítimas
“Meu marido é uma pessoa extremamente saudável, sempre foi praticante de atividade física diária, uma pessoa muito forte mesmo. E você vê ele ali numa cama de CTI, um sofrimento do outro mundo, não podendo mais falar, mexer, assim... E a família, uma impotência...”, desabafou Flávia Schayer Dias, mulher de Cristiano Assis Gomes.
O professor universitário Cristiano Mauro Assis Gomes, de 47 anos, é uma das 19 vítimas identificadas, até agora, de uma intoxicação grave provocada pelo consumo da cerveja Belorizontina.
Quatro das vítimas morreram, entre elas, o pai da Camila, Paschoal Dermatini Filho, que tinha 55 anos. Até o momento, foi o único caso fatal de intoxicação que foi confirmado pelas investigações.
O marido dela, Luiz Felipe Teles Ribeiro, está internado em estado grave. Paschoal e Felipe também tomaram a Belorizontina quando a família se reuniu para celebrar o Natal.
“O meu pai, ele foi rápido... Era a hora dele. Em momento nenhum fiquei desesperada, ‘vai acontecer a mesma coisa com o Felipe’. Acho que são indivíduos diferentes, idades diferentes, históricos de vida diferentes que respondem de forma diferente”, desabafou Camila.
Sintomas
Ministério da Saúde investiga síndrome nefro neural em Minas Gerais — Foto: Reprodução/TV Globo
A intoxicação provoca sintomas como mal-estar e dores abdominais. Os rins começam a parar de funcionar e depois aparecem sintomas neurológicos: problemas na visão e paralisia facial, que pode aumentar e chegar ao corpo inteiro. Nos casos mais graves, a pessoa só respira com a ajuda de aparelhos.
Entre o Natal e as duas primeiras semanas deste ano, ninguém sabia o que estaria causando esses sintomas, e o número de casos aumentava.
Camila é farmacêutica. Ela decidiu investigar o caso e assim acabou conhecendo a Flávia, citada nesta reportagem, comemorando a recuperação do marido. As duas começaram a trocar informações sobre o que as vítimas tinham comido e bebido no período de festas.
“Ele comeu japonês? Comprei no super... Não, não comemos. Eu tirei fotos de todos os produtos, mandei para ela... Não, nada compatível, nada. A única coisa era a cerveja em comum”, contou Flávia.
A suspeita sobre a cerveja aumentou quando a Flávia descobriu que uma terceira vítima, vizinho dela, também estava internada. “A pergunta que eu fiz foi: ‘ele tomou Belorizontina?’. O amigo dele falou assim: ‘Só foi encontrado Belorizontina na casa dele’”.
“O que ajudou muito o nosso trabalho foi a investigação epidemiológica feitas pelas famílias, que chegaram e foram enfáticas em falar que todos usaram a mesma cerveja”, destacou o neurologista clínico Marco Túlio Oliveira Tanure.
Segundo os médicos, o tratamento das vítimas pode durar meses e pode haver sequelas. Mas as famílias estão confiantes.
“O Felipe continua lá. Todos os dias é um passinho de cada vez, cada dia é um progresso, mas é como se fosse uma escada mesmo, cada dia é um degrau. Eu acredito que ele vai sair dali do jeito que ele entrou: andando e conversando”, disse Camila.
“Hoje eu tenho a certeza que ele vai sair curado, apesar de a equipe médica, alguns médicos vierem falar que ele realmente vai ficar com sequela. Mas eu tenho certeza que ele vai sair dessa”, afirmou Flávia sobre o marido, Cristiano.
A Vigilância Sanitária de Minas Gerais recolheu garrafas nas casas das famílias das vítimas e a perícia confirmou que estavam contaminadas com dietilenoglicol, uma substância altamente tóxica.
A cervejaria Backer, que produz a Belorizontina, disse que não usa essa substância, e sim uma outra, chamada monoetilenoglicol.
“O monoetilenoglicol é liberado, é um produto que é fiscalizado, inclusive não é um produto proibido”, falou Paula Lebbos.
Processo de fabricação
O processo básico de fabricação de cerveja tem várias etapas. O ingrediente principal, normalmente o malte de cevada, passa por um processo de moagem e outro de cozimento. Depois, vem uma espécie de filtragem. O líquido, então, é fervido, vira o chamado "mosto", e recebe mais ingredientes. Depois é resfriado em um aparelho chamado trocador de calor, e a temperatura cai de 96 graus para 15.
Como explicou André Franken, diretor de uma cervejaria de São Paulo: “Nós estamos entre a parte quente, onde acontece a mistura dos ingredientes e a parte fria, onde tem os tanques de fermentação, onde vai realmente ser criada a cerveja pelas leveduras. Essas placas são como se fossem um sanduíche. De um lado passa a água fria, e de outro lado passa o mosto quente, então ele é resfriado através da placa”.
Algumas cervejarias usam substâncias que não deixam essa água congelar. O dietilenoglicol, que a cervejaria Backer garante não ter usado no seu processo de fabricação, tem essa função. Seu uso não é proibido, mas não é comum, porque existem opções mais seguras para o caso de uma contaminação.
“A gente aqui optou pelo etanol, grande parte das cervejarias artesanais utiliza o etanol por causa do preço. A vantagem que eu vejo é a questão de eu não ter problema caso ele venha a entrar em contato com o produto, ele não vai causar nenhum tipo de toxicidade no produto”, afirmou o diretor de uma cervejaria.
Processo cervejeiro — Foto: Arte/G1
CONTAMINAÇÃO COM CERVEJA EM BH
-
Laudo identifica substância tóxica em cervejas da marca Backer
-
Polícia encontra dietilenoglicol em um dos tanques da Backer
-
Governo de MG cria portal para informar sobre intoxicação por dietilenoglicol
-
Perícia contratada pela Backer encontra dietilenoglicol em cerveja
-
Casos de intoxicações por dietilenoglicol chegam a 21; 4 morreram
-
Diretora de marketing da Backer: 'Não bebam a Belorizontina, qualquer que seja o lote'
-
Ministério manda Backer recolher todas as cervejas e suspender vendas
-
Backer apresenta à Justiça vídeo com suposto indício de sabotagem