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Imagens de base iraquiana corroboram tese de ataque iraniano calculado para evitar mortes

Satélites mostram estruturas usadas para armazenar veículos e armas destruídas; operação demonstrou que mísseis do Irã podem atingir americanos no Oriente Médio
Imagem divulgada pela Planet Labs mostra a base de Ayn al-Asad atingida por mísseis iranianos Foto: HO / AFP
Imagem divulgada pela Planet Labs mostra a base de Ayn al-Asad atingida por mísseis iranianos Foto: HO / AFP

RIO — O presidente americano, Donald Trump, comemorou o fato de o ataque a duas bases militares no Iraque — uma resposta iraniana à morte do general Qassem Soleimani — não ter deixado mortos nem feridos. Porém, para analistas, a ausência de vítimas também deveria preocupar Washington. Mesmo sem letalidade, os mísseis acertaram seus alvos com precisão impressionante, atingindo propositalmente estruturas não habitadas. Dessa forma, Teerã deu uma resposta aos pedidos internos de vingança e, ao mesmo tempo, enviou a mensagem aos EUA de que suas tropas no Oriente Médio estão ao alcance de seu arsenal.

Historicamente, o arsenal iraniano, demonstrado publicamente por grupos armados apoiados por Teerã em países da região, carecia de precisão. No livro “Iran's Rocket and Missile Forces and Strategic Options”, publicado em 2014, Anthony Cordesman, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, destaca que “sem a precisão necessária para mísseis convencionais serem efetivos contra alvos pontuais ou de alto valor, eles podem ser usados como ferramentas de terror e intimidação”. Um exemplo são os foguetes lançados de tempos em tempos pelo Hamas contra Israel.

Este não foi o caso dos mísseis lançados contra bases usadas por militares americanos no Iraque. Imagens de satélite mostram os danos causados em Ayn al-Assad, com estruturas pulverizadas e sinais de que foram atingidas em cheio. Não é possível saber exatamente quais foram os alvos escolhidos por Teerã, mas as marcas tornam mínimas as chances de as estruturas terem sido atingidas aleatoriamente. Para especialistas, elas foram cuidadosamente selecionadas e destruídas com precisão de poucos metros.

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— Existem outras estruturas na base que provocariam mortes se fossem atingidas, mas os prédios destruídos eram usados para armazenagem de aeronaves e outros armamentos — avalia David Schmerler, pesquisador do Middlebury Institute of International Studies em Monterey, na Califórnia. — Então, eles claramente miraram num tipo determinado de estrutura. E, se quisessem, poderiam atingir outros prédios. Trata-se de uma demonstração técnica.

Não é a primeira vez que o Irã demonstra a precisão de seu arsenal, mas em ataque assumido publicamente é fato inédito. Em setembro do ano passado, mísseis e drones kamikazes atingiram duas instalações da petroleira saudita Aramco, paralisando temporariamente 5% da produção mundial de petróleo. Rebeldes houthis, que atuam no Iêmen e têm o apoio do Irã, assumiram a autoria do ataque, mas autoridades sauditas e americanas acreditam que Teerã esteja por trás da ação.

Detalhe mostra estrutura atingida em cheio por um míssil Foto: HO / AFP
Detalhe mostra estrutura atingida em cheio por um míssil Foto: HO / AFP

Dos 19 projéteis usados no ataque, apenas dois erraram o alvo, segundo as autoridades sauditas. Após vistoria, elas contabilizaram 14 projéteis que perfuraram tanques de armazenamento de petróleo.

No ano passado, as Forças Armadas israelenses alertaram para a existência de um programa do Hezbollah, liderado por homens das Forças Quds, então comandadas por Soleimani, para a fabricação de foguetes de precisão dentro do Líbano, após tentativas frustradas de transporte desse tipo de armamento pelas fronteiras. A crise quase deu início a um novo conflito entre os dois países.

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Isso indica que o Irã atingiu um nível tecnológico que eleva seu arsenal para além de “ferramentas de terror e intimidação”. As novas gerações de mísseis ofensivos estão distantes dos obsoletos Scuds, amplamente utilizados durante a Guerra Irã-Iraque, que se tornaram populares entre o público ocidental por terem sido utilizados pelo Iraque na Guerra do Golfo. De origem soviética, eles tinham alto poder de destruição, mas pouca precisão.

EUA negam cautela iraniana

Em Ayn al-Assad, as imagens mostram ao menos cinco estruturas destruídas. Em Irbil, a extensão dos danos é desconhecida. Pelos cálculos do Pentágono, 16 mísseis foram lançados a partir de três localidades diferentes no Irã, sendo que 11 atingiram Ayn al-Assad, e ao menos um atingiu Irbil.

O general do exército americano Mark Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto, discordou da avaliação de que o Irã pretendeu evitar mortes entre os americanos.

— Eu acredito, com base no que vi e no que sei, que os ataques pretendiam causar danos estruturais, destruir veículos, equipamentos e aeronaves e matar soldados — afirmou Milley, em entrevista coletiva na quarta-feira. — Essa é a minha avaliação pessoal. Mas a análise está nas mãos de profissionais da inteligência.

Segundo Milley, cada míssil carregava entre 500 e mil quilos de explosivo, com alto poder destrutivo. Os soldados, segundo ele, foram salvos não por cautela dos iranianos, mas pela preparação americana, que detectou a atividade militar e alertou as bases sobre os ataques a caminho.

Nem os EUA nem o Iraque têm, na região, sistemas de defesa capazes de interceptar os foguetes, o que demonstra que os americanos não esperavam um ataque direto do Irã. Nesta quinta-feira, um funcionário do Pentágono disse à agência Reuters que Washington terá que rever a localização dos seus sistemas defensivos Patriot na região. Atualmente, eles estão instalados na Arábia Saudita, que era considerado o alvo mais óbvio de um possível ataque iraniano por ser a principal rival regional de Teerã.