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Cultura Música

Charles Gavin: 'aprendi muito sobre bateria e sobre a vida com Neil Peart'

Músico e pesquisador comenta em artigo por que o legado do instrumentista marcou fãs em todo o mundo
O baterista do Rush, Neil Peart, em show no ano de 2002, na MGM Grand Garden Arena de Las Vegas Foto: Ethan Miller / REUTERS
O baterista do Rush, Neil Peart, em show no ano de 2002, na MGM Grand Garden Arena de Las Vegas Foto: Ethan Miller / REUTERS

RIO - Na sexta-feira 10 de janeiro, uma notícia percorreu os infinitos corredores da web, surpreendendo e deixando muita gente triste – foi anunciada a morte de um dos maiores gênios da bateria dos últimos 45 anos: Neil Peart, músico extraordinário, intelectual, virtuose e inovador, havia falecido três dias antes, em Santa Monica, na Califórnia, aos 67 anos, em decorrência de um câncer extremamente agressivo. Bem, perder um ídolo como este, sobretudo nos dias de hoje, não é fácil – você sabe…

Conhecido no music business como “Professor”, Peart era o icônico baterista, percussionista e letrista do power trio canadense Rush, o pilar do rock pesado  – de tendências progressivas – com 24 álbuns lançados, inúmeras turnês e milhões de fãs espalhados pelos quatro cantos do planeta. A forma vigorosa e singular com a qual Neil compunha e tocava suas batidas, frases percussivas e arranjos, desde quando entrou para o grupo, no disco "Fly by night", de 1975, influenciou inúmeras gerações mundo afora, desde aquele cara que praticava bateria em seu set imaginário, atividade mundialmente conhecida como “air drums”, até feras como Dave Grohl, o ex-Nirvana e atual líder do Foo Fighters, grupo que já esteve se apresentando por aqui várias vezes.

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O próprio Grohl se uniu ao coro, publicando uma bonita mensagem em suas redes sociais: "Hoje, o mundo perdeu um verdadeiro gigante da história do rock and roll. Um homem gentil, atencioso e brilhante, que governava nossos rádios e toca-discos não apenas com sua bateria, mas também com suas belas palavras. Ainda me lembro da minha primeira audição do álbum “2112” (1976) quando eu era jovem. Foi a primeira vez que eu realmente ouvi um baterista. E desde aquele dia, a música nunca mais foi a mesma. Seu poder e precisão eram incomparáveis. Ele foi chamado de "Professor" por um motivo: todos aprendemos com ele”.

Neil Peart, Alex Lifeson e Geddy Lee, do Rush, durante discurso na cerimônia de Posse do Hall da Fama do Rock, em 2013 Foto: Danny Moloshok / Invision/AP
Neil Peart, Alex Lifeson e Geddy Lee, do Rush, durante discurso na cerimônia de Posse do Hall da Fama do Rock, em 2013 Foto: Danny Moloshok / Invision/AP

Eu também aprendi muita coisa sobre bateria e sobre a vida com Neil Peart, um humanista que rejeitou o arquétipo do rock star macho, não se deixando seduzir pelas armadilhas do mega estrelato mundial, como reafirmaria na canção “Big Money ”, do 11º álbum Power Windows ”, de 1985. Neil era uma pessoa séria e reservada, avessa à entrevistas e ao culto da personalidade. Dedicava-se à música, estudando seus instrumentos e filosofia. Era leitor voraz, fã de Isaac Asimov e de ficção científica – assunto que utilizava frequentemente em suas letras e em seus livros autobiográficos (escreveu seis, no total).

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O reconhecimento de seu talento não encontrou barreiras, apesar da crítica especializada internacional quase sempre desconsiderar a importância da música do Rush. Em 2014, Neil Peart foi eleito pela revista Modern Drummer o 3º melhor baterista de todos os tempos, ficando atrás, “apenas”, de John Bonham (Led Zeppelin) e Buddy Rich, monstro sagrado do jazz. Já para a americana Rolling Stone, ele foi o “4º do mundo”.

O vocalista e guitarrista Geddy Lee, com o Rush, no Maracanã, em 2002 Foto: Ana Branco / Agência O Globo
O vocalista e guitarrista Geddy Lee, com o Rush, no Maracanã, em 2002 Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Vale lembrar aqui a inesquecível passagem do Rush pelo Rio de Janeiro, em 2002 (eu estava lá, naquele Maracanã fantástico, que ainda não havia sido desfigurado para receber os jogos da fatídica Copa do Mundo de 2014 – o mesmo do Rock In Rio de 1991, em que me apresentei com os Titãs). O show daquela noite de sábado, 23 de novembro, devidamente registrado e lançado no DVD “Rush In Rio " , marcou o encerramento da turnê mundial do álbum Vapor Trails , projeto que celebrou a volta do mestre ao lado de seus companheiros de banda, o vocalista e baixista Geddy Lee e do guitarrista Alex Lifeson, interrompendo um hiato de aproximadamente quatro anos, consequência de uma fatalidade que virou a vida de Neil de cabeça pra baixo.

O Rush, em show na Praça da Apoteose, no Rio, em 2010 Foto: Monica Imbuzeiro / Agência O Globo
O Rush, em show na Praça da Apoteose, no Rio, em 2010 Foto: Monica Imbuzeiro / Agência O Globo

Em agosto de 1997, sua filha Selena, de 19 anos, morreu num trágico acidente de carro. Dez meses depois, em junho de 1998, Jacqueline, esposa e mãe de Selena, se foi, vítima de câncer. Neil comunicou seu afastamento da banda, sem previsão de quando voltaria a tocar – se é que voltaria. Algum tempo após o duro choque, devastado e solitário, Peart resolveu viajar sozinho – pegou sua motocicleta e partiu sem destino pela América do Norte, buscando, em suas próprias palavras, “o sentido da vida”. O resultado desse período sabático, que durou um ano e meio, aproximadamente, está em seu 3º livro, “Ghost Rider – A estrada da cura” (editado no Brasil em 2013).

Até 2016, quando anunciou sua aposentadoria , Neil Peart gravou mais dez álbuns com o Rush. É difícil, neste momento, encontrar as palavras certas para sua partida. Por isso, faço minhas, as palavras de  Lars Ulrich, baterista e compositor do Metallica: " Obrigado por me inspirar. Obrigado pelo que você fez pelos  bateristas de todo o mundo com sua paixão, sua abordagem, seus princípios e seu compromisso inabalável com o instrumento!” .

Que tal ouvirmos agora o disco “A farewell to kings”?