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Política Bolsonaro

Com verba federal e sem emendas, deputados novatos apadrinham R$ 1,2 bilhão

Nas redes sociais, parlamentares anunciaram obras com recursos extras. Para 2020, governo e Congresso chegaram a acordo sobre pagamento de emendas
Plenário da Câmara dos Deputados Foto: Jorge William / Agência O Globo
Plenário da Câmara dos Deputados Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA - Deputados de primeiro mandato usaram suas redes sociais para divulgar a liberação de R$ 1,274 bilhão em verbas “extraorçamentárias” pelo governo Jair Bolsonaro desde a metade do ano passado. São pagamentos feitos principalmente pelo Ministério da Saúde, Educação e Agricultura. O governo usou esse tipo de repasse para municípios indicados pelos deputados durante negociações para aprovação de matérias no Congresso em 2019. À época, o responsável pela articulação política era o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil).

Leia também: Governo e Congresso chegam a acordo para derrubar veto sobre Orçamento

A lei exige que emendas parlamentares sejam pagas respeitando a proporção de parlamentares no Congresso de cada partido — portanto, não é possível privilegiar aliados, uma vez que todos têm direito a uma quantia exata no Orçamento anual. Pagamentos adicionais não são previstos em lei.

Nesta terça-feira, líderes da Câmara e do Senado chegaram a um acordo com o governo para derrubar um veto presidencial que mudou as regras para a execução do Orçamento deste ano. Com isso, os parlamentares irão assegurar seu direito de indicar a prioridade para a execução das emendas. Eles preveem que, com isso, não será necessário fazer acordos com o governo por verbas "extras" novamente.

O levantamento do GLOBO foi feito com base nas redes sociais de 252 deputados novatos . Eles não tiveram emendas no Orçamento de 2019, já que não participaram de sua elaboração, feita em 2018. Destes, 112 anunciaram liberações de recursos para prefeituras, o que alguns classificam como “verba extraorçamentária”. Os deputados que mais anunciaram esse tipo de recurso foram de PSL , Republicanos , PSD , MDB e PL .

Verbas federais “extras”
O governo ofereceu aos deputados aliados R$ 20 milhões em repasses para prefeituras no Orçamento de 2019, além das emendas individuais a que os parlamentares têm direito. Deputados novatos puderam indicar municípios para receber esses valores.
R$ 11,4 milhões
É o valor que, em média, cada deputado anunciou em liberações “extras” no Orçamento no levantamento do GLOBO
R$ 15,4 milhões
É o valor que um deputado que participou da elaboração do Orçamento de 2019 teve direito em emendas individuais
Os partidos com mais verbas "apadrinhadas"
Partido
Total
261,271 milhões
PSL
Republicanos
PSD
MDB
PL
Podemos
PSC
PP
PTB
DEM
191,155 milhões
107,938 milhões
107,342 milhões
92,918 milhões
86,851 milhões
83,245 milhões
76,069 milhões
69,674 milhões
65,318 milhões
Editoria de Arte
Verbas federais “extras”
O governo ofereceu aos deputados aliados R$ 20 milhões em repasses para prefeituras no Orçamento de 2019, além das emendas individuais a que os parlamentares têm direito. Deputados novatos puderam indicar municípios para receber esses valores.
R$ 11,4 milhões
É o valor que, em média, cada deputado anunciou em liberações “extras” no Orçamento no levantamento do GLOBO
R$ 15,4 milhões
É o valor que um deputado que participou da elaboração do Orçamento de 2019 teve direito em emendas individuais
Os partidos com mais verbas "apadrinhadas"
PSL
Republicanos
PSD
MDB
PL
Podemos
PSC
PP
PTB
DEM
261,271 milhões
191,155 milhões
107,938 milhões
107,342 milhões
92,918 milhões
86,851 milhões
83,245 milhões
76,069 milhões
69,674 milhões
65,318 milhões
Editoria de Arte

A Secretaria de Governo, o Ministério da Saúde, da Agricultura e da Educação foram procurados pela reportagem. O Ministério da Agricultura nega que tenha liberado verbas extras a deputados. A Saúde diz ter feito liberações de recursos de “forma indistinta” e que fez “amplo debate” com deputados, senadores, governadores, prefeitos e entidades representativas para ouvir as necessidades da apuração.

O valor apurado é apenas uma parte das liberações porque, em alguns casos, não é possível saber quanto o deputado indicou informalmente, como no do vice-líder de governo Daniel Silveira (PSL-RJ), que anunciou R$ 29 milhões em “emendas + recursos extras”.

Leia mais: Sob pressão e às vésperas do Natal, Ministério da Saúde liberou R$ 441 milhões

O ex-líder do PSL, Delegado Waldir (GO), diz que a distribuição da verba foi de acordo com “a cara do freguês” e que quem “enfiou a faca no pescoço, como PP e PL” recebeu mais.

— Foram R$ 40 milhões para quem votasse pela reforma da Previdência. Mas o governo é caloteiro, é estelionatário. O acordo era R$ 20 milhões em 2019 e R$ 20 milhões em 2020, mas há deputados que receberam quantias irrisórias e outros nem receberam nada — diz o deputado, rompido com o governo.

De acordo com o levantamento, o parlamentar mais beneficiado foi José Nelto (Podemos-GO), que anunciou o envio de R$ 86 milhões a 80 prefeituras. Líderes de partido, como Nelto, tiveram direito a uma soma maior que os demais. Apesar de ter anunciado esses valores em sua rede social, o deputado disse ao GLOBO que conseguiu apenas R$ 24 milhões.

Terceiro lugar no ranking, com R$ 49 milhões, Valdevan Noventa (PSC-SE) justificou ter atuado principalmente junto aos ministérios da Saúde, Infraestrutura e Agricultura para levar verba a seu estado. Deputado da bancada evangélica, votou contra a reforma da Previdência no primeiro turno, mas diz ter apoiado o governo em outras matérias.

Vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP), que ficou em quinto lugar no ranking, diz que obteve os R$ 35 milhões em verbas que anunciou não só pelas indicações de 2019 — que devem resultar em R$ 20 milhões, na sua estimativa — mas também por acordos prévios, já que é presidente do Republicanos e foi ministro no governo de Michel Temer.

Deputados de partidos de oposição, como PSOL, PT e PCdoB, não anunciaram ter recebido esse tipo de recursos. Há, porém, casos de parlamentares de partidos de esquerda que contrariaram as indicações de suas legendas e apoiaram a reforma, como Emidinho Madeira (PSB-MG) e Jesus Sérgio (PDT-AC), e conseguiram liberar valores, R$ 2,7 milhões e R$ 9 milhões, respectivamente.

A deputada da ponte

Alguns beneficiados viajaram a diversas cidades para anunciar os repasses. A deputada Aline Sleutjes (PSL), por exemplo, conseguiu liberar R$ 2 milhões para a construção de uma ponte no Paraná e, em suas redes sociais, passou a se intitular “Deputada da Ponte”.

Em uma reunião no fim do ano passado, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos , prometeu quitar R$ 16 milhões por deputado até o fim do ano e prestou contas do quanto já havia sido pago a cada partido, mostrando planilhas. Ramos assumiu a articulação política em julho do ano passado, com esse passivo . O GLOBO pediu o controle da quantia de recursos destinada a cada partido para a Secretaria de Governo, via Lei de Acesso à Informação. O órgão negou a existência desse documento.

Segundo a previsão dos deputados, a verba prometida que não foi empenhada em 2019 é dada como perdida, o que vem provocando frustração. Luis Miranda (DEM-DF), por exemplo, pediu R$ 20 milhões, mas só liberou R$ 5 milhões no Ministério da Agricultura. Ele ficou sem os R$ 10 milhões que indicou no Ministério da Educação.

— A gente montou um projeto com a secretaria de educação do Distrito Federal de ensino através de comércios digitais. Era melhor (o governo) não ter prometido, porque você tem o trabalho de ter dezenas de reuniões, e depois não consegue a verba — afirma.

Com base em uma representação feita pelo PSOL, o Ministério Público Federal do Distrito Federal abriu recentemente um inquérito civil para apurar a interferência indevida do governo federal na votação da reforma da Previdência . A investigação, segundo a Procuradoria, está centrada nessas verbas “extras” prometidas a deputados aliados.