BRASÍLIA - Deputados de primeiro mandato usaram suas redes sociais para divulgar a liberação de R$ 1,274 bilhão em verbas “extraorçamentárias” pelo governo Jair Bolsonaro desde a metade do ano passado. São pagamentos feitos principalmente pelo Ministério da Saúde, Educação e Agricultura. O governo usou esse tipo de repasse para municípios indicados pelos deputados durante negociações para aprovação de matérias no Congresso em 2019. À época, o responsável pela articulação política era o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil).
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A lei exige que emendas parlamentares sejam pagas respeitando a proporção de parlamentares no Congresso de cada partido — portanto, não é possível privilegiar aliados, uma vez que todos têm direito a uma quantia exata no Orçamento anual. Pagamentos adicionais não são previstos em lei.
Nesta terça-feira, líderes da Câmara e do Senado chegaram a um acordo com o governo para derrubar um veto presidencial que mudou as regras para a execução do Orçamento deste ano. Com isso, os parlamentares irão assegurar seu direito de indicar a prioridade para a execução das emendas. Eles preveem que, com isso, não será necessário fazer acordos com o governo por verbas "extras" novamente.
O levantamento do GLOBO foi feito com base nas redes sociais de 252 deputados novatos . Eles não tiveram emendas no Orçamento de 2019, já que não participaram de sua elaboração, feita em 2018. Destes, 112 anunciaram liberações de recursos para prefeituras, o que alguns classificam como “verba extraorçamentária”. Os deputados que mais anunciaram esse tipo de recurso foram de PSL , Republicanos , PSD , MDB e PL .
A Secretaria de Governo, o Ministério da Saúde, da Agricultura e da Educação foram procurados pela reportagem. O Ministério da Agricultura nega que tenha liberado verbas extras a deputados. A Saúde diz ter feito liberações de recursos de “forma indistinta” e que fez “amplo debate” com deputados, senadores, governadores, prefeitos e entidades representativas para ouvir as necessidades da apuração.
O valor apurado é apenas uma parte das liberações porque, em alguns casos, não é possível saber quanto o deputado indicou informalmente, como no do vice-líder de governo Daniel Silveira (PSL-RJ), que anunciou R$ 29 milhões em “emendas + recursos extras”.
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O ex-líder do PSL, Delegado Waldir (GO), diz que a distribuição da verba foi de acordo com “a cara do freguês” e que quem “enfiou a faca no pescoço, como PP e PL” recebeu mais.
— Foram R$ 40 milhões para quem votasse pela reforma da Previdência. Mas o governo é caloteiro, é estelionatário. O acordo era R$ 20 milhões em 2019 e R$ 20 milhões em 2020, mas há deputados que receberam quantias irrisórias e outros nem receberam nada — diz o deputado, rompido com o governo.
De acordo com o levantamento, o parlamentar mais beneficiado foi José Nelto (Podemos-GO), que anunciou o envio de R$ 86 milhões a 80 prefeituras. Líderes de partido, como Nelto, tiveram direito a uma soma maior que os demais. Apesar de ter anunciado esses valores em sua rede social, o deputado disse ao GLOBO que conseguiu apenas R$ 24 milhões.
Terceiro lugar no ranking, com R$ 49 milhões, Valdevan Noventa (PSC-SE) justificou ter atuado principalmente junto aos ministérios da Saúde, Infraestrutura e Agricultura para levar verba a seu estado. Deputado da bancada evangélica, votou contra a reforma da Previdência no primeiro turno, mas diz ter apoiado o governo em outras matérias.
Vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP), que ficou em quinto lugar no ranking, diz que obteve os R$ 35 milhões em verbas que anunciou não só pelas indicações de 2019 — que devem resultar em R$ 20 milhões, na sua estimativa — mas também por acordos prévios, já que é presidente do Republicanos e foi ministro no governo de Michel Temer.
Deputados de partidos de oposição, como PSOL, PT e PCdoB, não anunciaram ter recebido esse tipo de recursos. Há, porém, casos de parlamentares de partidos de esquerda que contrariaram as indicações de suas legendas e apoiaram a reforma, como Emidinho Madeira (PSB-MG) e Jesus Sérgio (PDT-AC), e conseguiram liberar valores, R$ 2,7 milhões e R$ 9 milhões, respectivamente.
A deputada da ponte
Alguns beneficiados viajaram a diversas cidades para anunciar os repasses. A deputada Aline Sleutjes (PSL), por exemplo, conseguiu liberar R$ 2 milhões para a construção de uma ponte no Paraná e, em suas redes sociais, passou a se intitular “Deputada da Ponte”.
Em uma reunião no fim do ano passado, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos , prometeu quitar R$ 16 milhões por deputado até o fim do ano e prestou contas do quanto já havia sido pago a cada partido, mostrando planilhas. Ramos assumiu a articulação política em julho do ano passado, com esse passivo . O GLOBO pediu o controle da quantia de recursos destinada a cada partido para a Secretaria de Governo, via Lei de Acesso à Informação. O órgão negou a existência desse documento.
Segundo a previsão dos deputados, a verba prometida que não foi empenhada em 2019 é dada como perdida, o que vem provocando frustração. Luis Miranda (DEM-DF), por exemplo, pediu R$ 20 milhões, mas só liberou R$ 5 milhões no Ministério da Agricultura. Ele ficou sem os R$ 10 milhões que indicou no Ministério da Educação.
— A gente montou um projeto com a secretaria de educação do Distrito Federal de ensino através de comércios digitais. Era melhor (o governo) não ter prometido, porque você tem o trabalho de ter dezenas de reuniões, e depois não consegue a verba — afirma.
Com base em uma representação feita pelo PSOL, o Ministério Público Federal do Distrito Federal abriu recentemente um inquérito civil para apurar a interferência indevida do governo federal na votação da reforma da Previdência . A investigação, segundo a Procuradoria, está centrada nessas verbas “extras” prometidas a deputados aliados.