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Economia

Em dia com duas paralisações dos negócios, Bolsa fecha em queda de 14,78%, maior perda desde 1998; dólar subiu a R$ 4,78

Moeda americana fechou em nível histórico. Injeção de recursos do banco central dos EUA amenizou perdas, mas Bolsas dos EUA caíram 9%
Painel com as cotações da Bolsa em corretora de câmbio de Seul, na Coreia do Sul Foto: Kim Hong-Ji / Reuters
Painel com as cotações da Bolsa em corretora de câmbio de Seul, na Coreia do Sul Foto: Kim Hong-Ji / Reuters

RIO e SÃO PAULO - Num dia de pânico global no mercado financeiro com os possíveis impactos do coronavírus na economia mundial, o Ibovespa, principal índice do mercado de ações brasileiro, registrou perda de 14,78% aos 72.582 pontos, menor patamar desde 28 de junho de 2018, quando o índice fechou aos 71.766 pontos.

Foi o pior desempenho do Ibovespa em termos percentuais desde 10 de setembro de 1998, quando o índice caiu 15,83% em meio à crise da moratória da Rússia.

O anúncio do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) de um programa de liquidez para injetar até US$ 1,5 trilhão no mercado através da recompra de títulos públicos amenizou as perdas na Bolsa, e impediu que a Bolsa acionasse pela terceira vez o mecanismo de circuit break , que interrompe as negociações em quedas expressivas. A compra de títulos pelo Fed acontecerá entre hoje e amanhã.

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No câmbio, o dólar comercia l terminou a sessão sendo vendido a R$ 4,78, alta de 1,41%, novo patamar histórico, e também foi influenciado pela decisão do Fed, além de quatro leilões de dólares feitos pelo Banco Central no mercado à vista. O dólar começou o dia negociado no patamar inédito de R$ 5. Na máxima, a cotação chegou a R$ 5,027, em alta de mais de 6%.

Nos EUA, mesmo com a ação do Fed, as Bolsas recuaram mais de 9%, se aproximando dos valores de queda observados da na crise financeira de 2008 . O índice Dow Jones teve seu pior dia desde 1987.

O avanço do coronavírus, a suspensão dos voos entre EUA e Europa, e a manutenção dos juros pelo banco central europeu provocaram uma tempestade nos mercados financeiros globais. No plano doméstico, a queda do Ibovespa foi potencializada com decisões do Congresso brasileiro consideradas equivocadas pelo mercado. Tudo isso, tendo como pano de fundo a guerra do preço do petróleo travada entre Arábia Saudita e Rússia.

- Nunca vi um nível de pânico como esse. Desde o pico do Ibovespa, quando chegou aos 119.527 pontos em janeiro, a queda até agora é de quase 40%. Foi uma desvalorização muito rápida causada apenas por medo do que vai acontecer na economia, sem que se tenha uma dimensão concreta do que vai acontecer. Em outro contexto, uma injeção de US$ 1,5 trilhão feita pelo Fed seria um alívio imediato aos mercados - diz Rafael Bevilacqua, estrategista-chefe da Levante Investimentos.

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O pânico dos investidores vendendo ações em movimento de manada se refletiu em duas paralisações dos negócios na Bolsa, através do mecanismo de circuit break er. Por pouco, não houve uma terceira interrupção, já que antes do Federal Reserve atuar o Ibovespa caía 19,59% - e uma nova paralisação dos negócios aconteceria com baixa de 20%.

O pregão foi interrompido pela primeira vez 21 minutos após a abertura da sessão, quando o índice caía 11,65% aos 75.247 pontos. Quando os negócios voltaram, em pouco minutos a queda bateu em 15%.

A segunda interrupção aconteceu pouco depois das 11h12m, quando o Ibovespa caía 15,43% aos 72.026 pontos. Na volta, o índice acelerou as perdas e chegou a ficar abaixo do patamar dos 70 mil pontos, atingindo a mínima de 68.488 pontos, às 13h52.

Foi o terceiro dia de circuit breaker na B3 esta semana, fato inédito na história da Bolsa. Desde segunda, já foram quatro paralisações nos negócios por conta do pânico dos investidores, o que leva a uma venda maciça de ações.

E é a quarta vez que há dois circuit breakers no mesmo dia no Brasil. A primeira paralisação é acionada quando o Ibovespa cai 10%, e a segunda, quando cai 15%.

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Nos EUA, também houve paralisação dos negócios pela manhã nas Bolsas. Na volta, as quedas continuavam fortes, mas também foram amenizadas pelo anúncio do Fed nesta tarde. No final do dia, porém, as perdas se ampliaram e o S&P500 perdeu 9,51%; o Dow recuou 9,99% e o Nasdaq teve desvalorização de 9,43%. O Dow teve seu pior desempenho desde outubro de 1987, na chamada 'segunda-feira negra', quando o índice perdeu 22%.

Pânico foi generalizado

Para George Wachsmann, chefe de gestão e sócio da gestora de recursos Vítreo, houve uma combinação de fatores que levaram a um movimento de venda generalizada de ações. O primeiro, e mais forte, é o avanço  do coronavírus , que já começa a afetar a vida das pessoas no Brasil, com mudança de hábitos nas empresas , cancelamento de eventos, queda do consumo.

Além disso, a decisão do presidente Donald Trump de interromper as viagens entre EUA e Europa caiu mal no mercado, já que foi unilateral.

Em terceiro lugar, está o fator política. O comportamento do Congresso, tomando decisões que aumentam gastos públicos , num momento em que são necessárias mobilização e ações coordenadas do governo com o objetivo de estancar a crise no curto prazo, é visto com preocupação com analistas.

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- O investidor em pânico vendeu tudo. Foi uma combinação de fatores que levou a esse comportamento: coronavírus, estresse global, decisões de Trump, falta de mobilização do governo brasileiro. Os preços das ações não fazem mais sentido. Até o ouro, que foi porto seguro até agora, terminou em queda nesta quinta - diz Wachsmann.

Segundo analistas, também pesou o comentário do ministro da Economia Paulo Guedes, de que a economia brasileira pode crescer abaixo de 2% , no pior cenário do coronavírus no Brasil.

Dois circuit breakers no mesmo dia

Na Bolsa, a interrupção dos negócios duas vezes num só dia já havia acontecido três vezes no pregão brasileiro: na crise asiática, em 1997; na crise da Rússia, em 1998, e na crise do subprime, em 2008.

A primeira paralisação acontece sempre que o Ibovespa cai mais de 10%. Os negócios ficam interrompidos por 30 minutos. Nova interrupção acontece quando o índice atinge queda de 15% e dura uma hora.

Nesta quinta, na volta do pregão, após o primeiro circuit break, o índice se manteve em queda de 11,88% aos 75.053 pontos, mas acelerou em poucos minutos para uma queda superior a 15%.

Nos Estados Unidos, também foi acionado o circuit breaker após o S&P500 cair mais de 7% após a abertura do pregão. Também é a segunda vez que as bolsas americanas interrompem as negociações nesta semana, após quedas expressivas dos índices.

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Os três índices acionários (Dow Jones, S&P e Nasdaq) perderam mais de 20% em relação ao pico recente, o que significa que estão em movimento de 'bear market' (quando as ações já estão em queda e a expectativa é que caiam ainda mais).

Na sessão desta quinta, alguns índices acionários europeus tiveram a maior queda de sua história. O  DAX, de Frankfurt, perdeu 12,24%; o CAC, de Paris, recuou 12,28% e o FTSE de Milão desvalorizou 16,92%,  as maiores perdas diárias já registradas por essas Bolsas, após decisão do Banco Central Europeu (BCE) de manter os juros . Em Londres, o FTSE 100 teve a pior queda diária desde 1987 ao cair 10,87%.

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Ações da Petrobras encerram em forte queda

Todas as ações do Ibovespa fecharam no vermelho. As ações com maior peso no índice também apresentaram em sua maioria perdas de dois dígitos. Os papéis ordinários da Petrobras (ON) com direito a voto perderam 21,08% a R$ 12,92, enquanto os PN (preferenciais, sem direito a voto) recuaram 20,50% a R$ 12,60.

As ações da Petrobras entraram em leilão várias vezes por conta das quedas expressivas. No exterior, o barril do petróleo Brent fechou com queda de 3,84%, a US$ 35,79 o barril, em Londres, após a notícia de suspensão dos voos entre EUA e Europa.

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As ações PN do Itaú e do Bradesco perderam respectivamente 9,82% a R$ 23,60 e 13,41% a R$ 21,64.  As ações ordinárias da Vale recuaram 13,23% a R$ 35,35.

Papeis de companhias áreas ficaram entre os mais penalizados do dia. As ações preferenciais da Gol afundaram 36,29% a R$ 9,97 e os papéis ordinários da Azul recuaram 32,89% a R$ 20,30.

Dólar bate em R$ 5

Painel mostra a cotações de câmbio do dólar, euro e outras moedas estrangeiras Foto: Sergio Moraes / Reuters
Painel mostra a cotações de câmbio do dólar, euro e outras moedas estrangeiras Foto: Sergio Moraes / Reuters

O dólar comercial abriu em forte alta, negociado no patamar inédito de R$ 5. Logo após a abertura do mercado de câmbio, o Banco Central anunciou que elevaria sua venda de dólares no mercado, com oferta total de US$ 2,5 bilhões, em dois leilões, e não mais US$ 1,5 bilhão como anunciado na quarta-feira. No final da manhã, o BC anunciou mais um leilão de US$ 1 bilhão e, às 15h52, fez mais uma oferta.

Após os leilões do BC, o dólar reduziu um pouco a alta. O BC vendeu US$ 1,278 bilhão no primeiro leilão. No segundo, de uma oferta de US$ 1,250 bilhão, foram vendidos US$ 332 milhões. No terceiro, o BC informou que nenhuma proposta foi aceita. No quarto, foram vendidos R$ 170 milhões.

- O BC foi muito operativo nesta quinta e chegou até a sobrar moeda. Ficou claro, que o teto do dólar para o BC é R$ 5. Se a autoridade monetária não desse liquidez ao mercado, certamente a moeda teria saltado para algo como R$ 6. Lá fora, a divisa esfechou em alta frente a maioria das moedas - disse Ricardo Gomes da Silva, sócio da corretora de câmbio Correparti.

Para Gomes, a gota d'água no humor dos investidores, no cenário interno, foi o comportamento do Congresso aprovando medidas que afetam os cofres públicos.

- Isso mina ainda mais a confiança do investidor no governo, e aumenta a aversão ao risco.  Acredito que a derrota do governo também pesou na subida da moeda americana frente ao real. A grande dúvida é como esse governo que mostra total falta de articulação no Congresso vai se comportar daqui para a frente - afirma Gomes da Silva.

Em relatório divulgado a clientes, o banco J.P. Morgan afirma que o Brasil "flerta com um recessão no primeiro semestre". O banco avalia que o Banco Central não vai cortar juros na próxima reunião do Comitê de Política monetária (Copom), na próxima semana.

Os economistas do banco esperam manutenção da Selic a 4,25% e dois cortes de 0,25 ponto percentual em maio e junho. O banco americano mantém a projeção de crescimento de 1,6% do PIB brasileiro este ano.

A agência de classificação de risco Moody's também estima que a economia brasileira vai crescer abaixo de 2%, este ao.

"Em nossa visão, observar o teto de gastos é fundamental para garantir que o nível da dívida pública do Brasil estabilize-se e comece a cair nos próximos anos.Esforços do governo para reduzir a rigidez orçamentária, bem como a implementação de reformas estruturais para atrair investimentos do setor privado, são chave para que se alcance um crescimento maior em base sustentada", escreveu o analista da agência, Samar Maziad.

Juros futuros sobem

No mercado de juros, as taxas futuras dispararam após a decisão do Congresso e derrubar o veto presidencial sobre uma regra que aumentava o limite para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O movimento de alta dos juros obrigou o Tesouro Nacional a anunciar um programa de compra e venda de títulos. No final do dia, a taxa do DI para janeiro de 2021 subiu de 4,22%  para 4,94%, enquanto a do DI de janeiro de 2022 avançou de 5,03% para 6,17%.