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Brasil

Feministas brasileiras comemoram decisão sobre aborto na Argentina

Ativistas acreditam que 'onda' pró-legalização pode atingir também o Brasil
Argentinas pró-legalização comemoram resultado da votação na Câmara Foto: EITAN ABRAMOVICH / AFP
Argentinas pró-legalização comemoram resultado da votação na Câmara Foto: EITAN ABRAMOVICH / AFP

RIO- A decisão da Câmara da Argentina de legalizar o aborto contagiou feministas ao redor do mundo. No Brasil, ativistas engajadas na luta pelos direitos das mulheres comemoraram a decisão dos parlamentares do país vizinho que, segundo elas, deram uma "aula de democracia". Agora, apostam que a onda feminista, que viabilizou a vitória pró-legalização na Irlanda e na Argentina,  influenciará outros países, sobretudo na América Latina.

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A decisão vai para o Senado mas ainda não tem data marcada. A Argentina entrará num período de debate ainda mais acirrado, com um dos lados fortalecido pela vitória na Câmara - Reportagem Janaína Figueiredo // Imagens AFP // Edição Renee Rocha
A decisão vai para o Senado mas ainda não tem data marcada. A Argentina entrará num período de debate ainda mais acirrado, com um dos lados fortalecido pela vitória na Câmara - Reportagem Janaína Figueiredo // Imagens AFP // Edição Renee Rocha

Nesta quinta-feira, em votação apertada, deputados argentinos aprovaram o projeto que descriminaliza o aborto até a 14ª semana por 129 votos a favor e 125 contra, em uma decisão histórica. O projeto ainda seguirá para o Senado.

Para Sonia Corrêa, antropóloga e pesquisadora de direitos reprodutivos, a aprovação da legalização do aborto pela Câmara da Argentina representa uma “vitória estupenda em todos os sentidos”, apesar de ainda ter que passar pelo Senado. A próxima etapa para que a legalização se torne lei, acredita Sonia, encontrará grande pressão por parte das forças contrárias ao aborto e, no caso da Argentina, ela cita principalmente a Igreja Católica.

— Não é uma vitória definitiva. Mas, do ponto de vista político, é estupenda. No contexto da região, ela sinaliza de forma consistente para o fim de um ciclo regressivo. Na América Latina, após os 1960, temos legislações que ficaram estabilizadas, restritivas. No contexto latinoamericano, temos uma paralisia de reformas legais desde a revolução cubana — opina.

Contextos político e econômico do país podem influenciar o Senado

Na opinião da economista Lena Lavinas, professora titular da UFRJ e ativista dos direitos das mulheres, por outro lado, também haverá uma forte pressão para que o Senado confirme a decisão da Câmara, levando em conta, sobretudo, o árido contexto político-econômico do país.

— A probabilidade da medida passar também no Senado é grande, dada a radicalidade do movimento e a maré de transformação que ele traz. Interromper o processo agora pode ter consequências graves, inclusive para um governo com dificuldades econômicas, usando dinheiro do FMI para interferir no câmbio, com inflação altíssima. Esse processo da aprovação da legalização vem trazer fôlego novo para a sociedade argentina — analisa.

Lena lembra ainda que o posicionamento de alguns políticos na votação da Câmara pode indicar uma tendência entre seus pares no Senado:

— Acho que aprendemos muito com a Argentina, foi um debate muito maduro. Houve deputados que ao longo do debate mudaram sua posição. Os kichneristas, que sempre evitaram enfrentar esse debate, votaram a favor, acho que também contaremos com esse apoio no Senado. O movimento é maravilhoso e fruto dessa nova geração que, como na Irlanda, deu início a um movimento social que virou uma bola de neve e foi transformando mentalidades.

A antropóloga Sonia Corrêa diz que por um lado houve retrocessos legais com relação ao aborto, na década de 1960, em cinco países da América Latina: Chile, El Salvador, Honduras, Nicarágua e na República Dominicana. Mas, por outro, nos últimos anos, reformas importantes ocorreram na Colômbia, em 2006, no México, em 2007, e no Uruguai, em 2012. No balanço, diz ela, são cinco movimentos regressivos e três de “vitórias do direito ao aborto”.

— A vitória argentina é mais um sinal de que a onda regressiva está perdendo força e estamos indo em outra direção. Do ponto de vista da luta pelo direito ao aborto, é uma vitória da persistência do feminismo argentino. Hoje, assisti à decisão muito emocionada — afirma.

Impacto no Brasil

A expectativa é que a "onda" passe em algum momento também pelo Brasil. Segundo Lena Lavinas, a força do movimento internacional pode qualificar o debate em solo brasileiro.

— Temos que entender isso como um movimento internacional das mulheres, que vem ganhando densidade e maturidade com essas novas gerações, para quem a vivência da liberdade é muito importante. É preciso destacar que houve um debate extremamente político, competente e bem feito, onde foi apontado que descriminalizar o aborto significa tirar as mulheres da clandestinidade — opinou Lena.

Para ela, o país também pode seguir nessa direção:

— Os movimentos sociais foram capazes de redefinir a agenda política em uma sociedade tão polarizada quanto a nossa, o que indica que também podemos avançar nessa direção. O que vimos nesse processo foi a sociedade civil dando a mão para o sistema político e dizendo "vocês não podem continuar desgarrados de nós". Espero que os políticos brasileiros tenham alguma clareza para travar esse debate.

Sonia Corrêa concorda com a influência da decisão argentina nos rumos da discussão sobre o tema no Brasil. A antropóloga diz esperar que o que ocorreu no país vizinho alimente na sociedade brasileira o debate sobre o aborto, colocando novos argumentos e visões sobre o assunto. Ela também espera que a vitória possa inspirar parlamentares brasileiros.

— Que sirva como aprendizado sobre como debater os direitos reprodutivos, a autonomia das mulheres, o direito a decidir por uma perspectiva democrática. A sessão de ontem foi como uma aula de democracia —  conclui Sonia, que ressalta a importância da mobilização da juventude argentina para a decisão da Câmara.