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Coluna no GLOBO

Abertura do país antes da hora

O governo federal apresentou um programa de retomada da economia sem o Ministério da Economia. Lembrava uma mistura do PAC do período Dilma com os PNDs do regime militar, mas ainda em rascunho. É o Plano Pró-Brasil, com dois eixos, Ordem e Progresso, para quando a pandemia passar. Os estados começaram a anunciar a saída do distanciamento social. Alguns com mais planejamento, outros com menos, mas em todos os casos talvez seja cedo demais, porque o Brasil continua subindo o Everest. O coronavírus não nos deu trégua ainda.

O ministro Nelson Teich continua seu período de aprendizagem. Reclama das perguntas dizendo que só está no cargo há cinco dias. Mas ele não está inaugurando o Ministério da Saúde. A máquina está lá, e lá estão a memória e os dados que ele diz desconhecer. Quem aceita assumir no meio de uma emergência tem que saber o que fazer. O ministro Teich ainda pesquisa e divaga. Disse que se preocupa com a saúde dos hospitais privados se os enfermos de outras doenças não forem se tratar. “Os hospitais não vão sobreviver” e isso levaria, segundo ele, a outro problema, quando acabar a pandemia, “a não capacidade de atender à demanda reprimida do não covid”. Sobre o SUS ele faz apenas breves referências.

O ministro disse que em uma semana entrega diretrizes aos governadores sobre como abrir a economia. Chegará atrasado, porque os estados já estão fazendo seus próprios planejamentos. O governador João Dória apresentou ontem, com equipe completa, o seu Plano São Paulo. Tinha pelo menos as palavras certas, a obediência à ciência, a tomada de decisão no diálogo entre saúde e economia, e a criação de parâmetros para saber quando e por que abrir. Segundo a secretária de Desenvolvimento Humano, Patrícia Ellen, as atividades serão retomadas por fases, por regiões e por setores. Tudo será dividido em cores. Hoje o vermelho é dominante em todo o estado e o distanciamento continua até 10 de maio. Depois só abre dependendo de fatores como testagem e capacidade hospitalar. Não será ao mesmo tempo em todo o estado. “Em hipótese alguma será desordenada, com flexibilização aleatória ou desrespeitando a ciência.”

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, também começou a abrir a economia obedecendo a critérios e seguindo a testagem feita por universidades. Em entrevista à CBN, disse que os testes feitos pela Universidade de Pelotas mostraram que apenas 0,05% dos gaúchos foram infectados e isso não pode parar um estado com 495 municípios. Essa conta de percentual da população também foi feita em Brasília por Teich. O ministro disse que 2% da população teve contato com o vírus e que 70% podem vir a ter, que isso vai demorar muito e um país não pode ficar parado tanto tempo.

É preciso, claro, planejar a retomada como estão fazendo alguns governadores, e é necessário pensar em como reativar o crescimento após a pandemia, como está fazendo o governo federal. O problema é que, antes de qualquer plano, precisamos saber como vencer o Covid-19. O país ainda vive o enorme desafio do crescimento do número de infectados e de mortos pelo vírus. Em São Paulo, 73% dos leitos de UTI estão ocupados, Manaus está em colapso, o governador Hélder Barbalho, do Pará, disse à revista “Veja” que teme que Belém seja uma nova Manaus, o governador Camilo Santana disse à Globonews que ainda é hora de aumentar o rigor. O Ceará foi um dos primeiros estados a adotar medidas, inclusive teve que entrar na Justiça para fechar o aeroporto de Fortaleza para voos internacionais. Mesmo assim, é o terceiro estado com mais casos da doença.

– É bom ter um plano, mesmo que não seja lançado na data. São Paulo deve ter sido o primeiro local de infecção, mas os números de casos ainda estão em fase ascendente da curva e nas próximas duas semanas devem continuar assim – disse a economista Monica de Bolle, sobre o plano do governador João Dória.

O Plano Pró-Brasil, lançado pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, ainda não é nada além de uma coleção de projetos de obras. O anúncio passou a impressão de que tudo está sendo feito sem a concordância da equipe econômica. Tem o cheiro daqueles velhos planos estatizantes. E a ideia do Ministério da Economia não era bem esta.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

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