Economia Coronavírus

Ao menos 5,7 milhões de informais não têm internet, uma barreira para distribuição do auxílio emergencial

Parcela corresponde a 15% dos trabalhadores que estão na informalidade no país, segundo IBGE
Pessoas em fila na Caixa Econômica da Rua Dias da Cruz, no Méier, na Zona Norte Foto: Fabio Motta /Agência O Globo
Pessoas em fila na Caixa Econômica da Rua Dias da Cruz, no Méier, na Zona Norte Foto: Fabio Motta /Agência O Globo

RIO — Ao menos 5,7 milhões de trabalhadores informais não utilizavam a internet no fim de 2018. Os dados, divulgados nesta quarta, fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua , que levantou o acesso dos domicílios brasileiros à Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).

Os números abrangem os empregados do setor privado sem carteira, os trabalhadores domésticos sem carteira e os trabalhadores familiares auxiliares, parte do que é considerado informal pelo instituto de estatística .

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Juntos, eles correspondem 15% do universo de trabalhadores informais do IBGE, que somavam 37,5 milhões no fim do quatro trimestre de 2018. O número de “invisíveis digitalmente”, no entanto, pode ser ainda maior.

A conta não considera os trabalhadores conta própria sem CNPJ, nem os empregadores sem CNPJ, dentro do que é chamado oficialmente de “proxy da informalidade”.

Os números indicam o desafio do governo em atingir parte da parcela da população na distribuição do auxílio emergencial de R$ 600 , criado para mitigar os efeitos da pandemia do novo coronavírus na renda das famílias.

São eles que correm o maior risco de não receber o benefício, uma vez que os canais para cadastro estão disponíveis apenas na internet.

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Sem computador ou serviço de internet em casa, é pelo celular que a cozinheira Cleide Vianna, de 39 anos, se conecta com familiares, amigos e contatos de trabalho. Desempregada desde dezembro, ela conta que não conseguia incluir mais essa despesa no orçamento da casa onde mora com duas filhas em um conjunto habitacional em São Gonçalo.

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— Ganhando um salário mínimo como cozinheira eu ainda fazia extra aos finais de semana em festas para conseguir honrar meus compromissos. Sem luz não dá pra viver. Com o dinheiro de uma conta de internet eu coloco comida em casa — diz Cleide.

Agora, todo mês sua irmã faz uma recarga mínima de R$ 10 na conta pré-paga do aparelho para terem acesso a internet, explica Cleide. Antes da pandemia, ela prestava serviço em eventos, mas com o avanço do coronavírus, toda a programação foi cancelada.

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Sem receber o seguro desemprego, ela cadastrou a filha mais velha que tem 18 anos. Todos os dias a família acessa o aplicativo da Caixa Econômica Federal, mas ainda consta em análise.

— Eu nem acesso muitas coisas no telefone para não sobrecarregar a internet porque é pouca. E a gente não pode correr o risco de não ver a atualização no aplicativo. Por mais barato que pareça, com R$ 50 que seja de uma internet eu compro muita coisa para minha casa e minhas filhas. Não posso me dar a esse luxo — conta a cozinheira.

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Nos últimos dias, filas imensas têm sido formadas nas agências físicas , na tentativa de solucionar problemas ou sacar o recurso da conta digital.

— É difícil acreditar que as pessoas do governo não sabiam da exclusão digital, não é uma novidade. Talvez as pessoas se espantem agora no momento de distribuição do auxílio. Não é porque somos um dos países que mais acessa redes sociais que todos fazem esse acesso — explica Athayde Motta, diretor executivo do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas).

Para se cadastrar no programa, Marcelo de Oliveira Silva, de 70 anos, recebeu ajuda de um morador do prédio onde presta serviços no Leme, zona sul do Rio por não saber mexer no computador ou smartfone. Ele conta que o aparelho de celular que possui é simples e só usa para receber ligações.

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— Eu tenho um celular velinho, não sei usar direito. Só atendo as ligações quando aparece um serviço e peço para as pessoas se identificarem porque não sei salvar os contatos. Também não entendo nada de computador.

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Para Leandro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, as cenas de filas vistas por todo país nas agências da Caixa para sacar o recurso do auxílio emergencial são efeitos da “exclusão tecnológica”.

Ao todo, 46 milhões de brasileiros declararam não ter acessado à internet nos três meses que a pesquisa foi realizada. O estudo não traz, no entanto, o motivo para que os trabalhadores informais não utilizem a internet.

—(A fila) É um reflexo das pessoas não conseguirem movimentar esse dinheiro pela internet, pois é preciso um aplicativo. Não é apenas problema no cadastramento, mas na própria movimentação. Ou a pessoa faz pelo aplicativo ou espera semanas para sacar — explica Ferreira.

Ferreira lembra que as facilidades criadas pela Caixa, como a poupança digital, foram feitas em cima do uso de aplicativos, inacessível por parcela dos brasileiros. Ele ressalta que, se nada for feito, as filas nas agências se repetirão pelos próximos três meses, período de distribuição do recurso.