Rio Radar

Principal grupo de matadores de aluguel do Rio é alvo de operação da Polícia Civil e do MP

Quadrilha é também suspeita dos homicídios de Marcelo Diotti e de Bid, irmão de Maninho
Mad foi preso em casa Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
Mad foi preso em casa Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

RIO — A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio (MPRJ), por meio do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ), deflagraram, na manhã desta terça-feira, a "Operaçao Tânatos" contra o principal grupo de matadores de aluguel do Rio. O bando já foi suspeito de assassinar a vereadora Mariellle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, em 2018. Agentes cumprem seis mandados de prisão contra pessoas apontadas nas investigações como chefes do bando, além de 31 de busca e apreensão em vários pontos da cidade. Alguns  locais são residências de três ex-PMs e de um policial da reserva. O principal alvo é Leonardo Gouvea da Silva, o Mad. De acordo com a polícia e o MP, ele é o substituto do ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Adriano Magalhães da Nóbrega, à frente da organização criminosa.

Valores altos : Crime por encomenda custava até R$ 1,5 milhão, diz delegado da Homicídios

Mad foi preso em sua casa, de dois andares, na Vila Valqueire, na Zona Norte do Rio. A prisão dele foi anunciada pelo titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Daniel Rosa, que leu os direitos do preso. Ele estava dormindo no andar superior com a mulher. Ao ser abordado, Mad perguntou se havia um mandado de busca e apreensão.

Busca : A investigação do caso Marielle Franco

— Tudo aqui é dentro da lei — disse Rosa, mostrando os mandados de busca e apreensão e de prisão contra Mad.

O suspeito disse ao delegado e à coordenadora do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Simone Sibilio:

— Não tenho nada com a morte da Marielle.

Herança : Suspeito preso herdou comando de grupo do ex-capitão Adriano, seu amigo de infância, dizem polícia e MP

Simone foi a responsável por coordenar as buscas na casa de Mad, que fica num condomínio de classe média, com piscina e churrasqueira. Ela revistou o armário dele. O carro de Mad, uma Pajero, também foi alvo de buscas. Um imóvel no Leblon, na Zona Sul, que pertence ao contraventor Fernando Ignacio, genro de Castor de Andrade, já falecido, também foi alvo de busca e apreensão. São quatro mandados de busca na Zona Sul em imóveis ligados ao bicheiro, um deles em São Conrado.

De acordo com as investigações da polícia e do MP, Mad e o grupo que é suspeito de chefiar são acusados do assassinato do empresário Marcelo Diotti da Mata, no estacionamento do restaurante Outback, na Avenida das Américas, Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, no dia 14 de março de 2018. Diotti foi alvejado ao lado de seu carro, um Mercedes SUV branco. No local, foram encontradas cerca de 20 cápsulas de calibres 7.62 e 5.56.  A data do homicídio de Diotti coincide com a dos assassinatos de Marielle e Anderson,  no Estácio, na Zona Norte do Rio. Os dois crimes ocorreram à noite.

Com a quebra do sigilo telefônico, autorizado pela Justiça, de alguns dos integrantes do grupo de matadores, o Gaeco - que coordenou a ação desta terça com a DHC - fez o rastreamento dos aparelhos. Os investigadores afirmam ter descoberto que um dos celulares usados por Mad se encontrava justamente na área onde Diotti fora assassinado.

Redução de homicídios : Delegado diz que haverá redução de homicídio no Rio com a prisão de integrantes de grupo criminoso

O empresário era casado com Samantha Miranda, ex-mulher do ex-vereador Cristiano Girão, que fora condenado por formação de quadrilha e crime eleitoral. O ex-parlamentar também foi acusado de comandar uma milícia na Gardênia Azul, em Jacarepaguá, na Zona Oeste.  Ele chegou a ser investigado pela morte de Diotti, mas dissera, à época, que passou a noite numa churrascaria, também na Zona Oeste.

Para os investigadores, o ex-capitão do Bope, Adriano, ainda à frente do bando de matadores, em 2018, estaria por trás do assassinato do empresário. O motivo seria a disputa do legado deixado pelo bicheiro Waldomiro Garcia, o Miro, ex-patrono do Salgueiro, que morreu de complicações decorrentes de um enfisema pulmonar, em outubro 2004.

Operação 'Anjo': Advogado de Queiroz é o mesmo que defendeu Adriano Nóbrega, acusado de chefiar milícia e morto em fevereiro

Adriano teria descoberto um plano de Diotti para matá-lo. Segundo os investigadores, o ex-capitão do Bope soube que a ordem teria partido do pecuarista Alcebíades Paes Garcia, o Bid, filho de Miro e irmão do Waldemir Paes Garcia, o Maninho. Este último fora assassinado no dia 28 de setembro de 2004, portanto, um mês antes de o patriarca da família morrer de causas naturais.

O objetivo de Bid, de acordo com as investigações da polícia, seria dar um fim ao maior rival na disputa do legado: Bernardo Bello Barboza, ex-marido de sua sobrinha Tamara Garcia, filha de Maninho. Ele acreditava que, para chegar a Bernardo, teria antes que matar Adriano, na época pago para proteger o rival. Por esse motivo, procurou Diotti. Mas o ex-capitão ao tomar conhecimento da trama, resolveu se antecipar, ordenando a quadrilha de pistoleiros executasse Diotti.

Investigação : Inquéritos sem conclusão sobre assassinatos ligados à contravenção e milícias foram retomados

No dia 25 de fevereiro deste ano, outro homicídio ocorreu no clã Garcia. Desta vez, a vítima foi Alcebíades. Ele foi atacado por homens armados, que o esperavam dentro de um carro, quando Bid voltava da última noite de desfiles das escolas de samba do Grupo Especial, na Marquês de Sapucaí. O crime ocorreu quando ele saía de uma van - que o havia buscado no Sambódromo - em frente a um condomínio de luxo na Barra da Tijuca. Os investigadores da DHC e do Gaeco atribuem mais este assassinato aos assassinos de aluguel.

Antes da morte de Bid, em outubro do ano passado, Shanna Harouche, filha de Maninho e sobrinha da vítima, também sofrera um ataque a tiros, em frente a um shopping no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste. Mesmo baleada, ela conseguiu escapar e sobreviver. Em depoimento à DH, a vítima acusou o ex-cunhado Bernardo como mandante do ataque. O motivo: a disputa no espólio de Maninho. Após a morte de Bid, Shanna ratificou a suspeita, em sua segunda ida à delegacia.

Analítico : Com impeachment de Witzel, vice deve deixar partido do governador

O rastro de mortes envolvendo integrantes da família Garcia é longa. A Polícia Civil não chegou nem aos executores do assassinato de Maninho, há 16 anos. Ainda há o assassinato do filho de Maninho, Myro Garcia, em 2017 - as investigações, até o ano passado, tratavam o caso como uma execução após um sequestro. Na verdade, o crime estaria relacionado também à disputa pela herança.

Os inquéritos de homicídios ligados aos Garcia permaneciam parados até a chegada do Gaeco, que entrou para investigar as mortes de  Marielle e Anderson. Antes de a promotoria chegar ao sargento reformado Ronnie Lessa e ao ex-PM Élcio de Queiroz, apontados como executores da parlamentar e de seu motorista, foi possível descobrir a quadrilha de pistoleiros. Os investigadores apuram ainda outros casos, ainda sob sigilo, que podem ter a impressão digital dos assassinos da organização criminosa.

Entenda : Quais os alvos e objetivos da operação que prendeu Queiroz

Irmão de Mad e Tonhão tiveram prisão decretada pela Justiça

Além de Mad, também tiveram mandados de prisão expedidos pela Justiça:  o irmão dele, Leandro Gouvea da Silva, o Tonhão; e os ex-PMs João Luiz da Silva, o Gago, Anderson de Souza Oliveira, o Mugão, e Gurgel. Também há um PM da reserva conhecido como Janjão, com atuação na milícia do Morro do Fubá, em Campinho, na Zona Norte do Rio. Além do Gaeco e da DH Capital, a operação teve o apoio de agentes da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MPRJ. A investigação foi auxiliada por uma força tarefa do Ministério da Justiça. Coube aos técnicos analisar os dados telefônicos e telemáticos resultantes de quebras de sigilo dos suspeitos, antes da operação desta terça-feira.

Tonhão, de acordo com as investigações do MP e da  polícia, também é remanescente do núcleo de Adriano e é considerado braço direito de Mad. Ele, Adriano e Mad jogavam bola em Quintino, na Zona Norte do Rio, quando eram crianças, revelaram os investigadores. O campo de futebol era administrado pelo pai dos dois irmãos, um ex-policial civil.

O Grupo de matadores de aluguel foi revelado pelo GLOBO em agosto de 2018. Na época, a Polícia Civil chegou a chamar alguns de seus integrantes para serem ouvidos no duplo homicídio de Marielle e Anderson. Além de Mad, o próprio Adriano também prestou depoimento, pois havia a suspeita de participação deles no crime. Em dezembro do ano passado, em suas alegações finais contra a tentativa de federalização das investigações, o Gaeco apresentou o bando de pistoleiros ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em suas alegações finais contra a tentativa de federalização do Caso Marielle, como uma “organização criminosa estruturalmente ordenada para a prática de homicídios mediante paga e de periculosidade acentuada”. O  MPRJ conseguiu, em maio deste ano, que o duplo homicídio continuasse sendo investigado no âmbito estadual.

Quem era o criador do grupo de matadores

Um dos alvos da operação Intocáveis, desencadeada pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) contra a milícia de Rio das Pedras, Adriano estava foragido desde janeiro do ano passado, até ser morto em fevereiro deste ano. O ex-capitão do Bope foi acusado pelo Gaeco de ser o chefe da milícia da Muzema e de Rio das Pedras e chefe do grupo de matadores. Seu nome estava na lista de  procurados da Interpol, mas não constava no levantamento do governo federal de bandidos mais perigosos, feita pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

A ligação de Adriano com o subtenente aposentado da PM Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, no esquema conhecido como “rachadinha”, também é investigada pelo MPRJ. Pelo sistema, assessores devolvem parte dos salários que recebem do parlamentar.  Até novembro de 2018, quando Flávio ainda era deputado estadual, ele empregava em seu gabinete a mãe e a ex-mulher do ex-capitão do Bope,  Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega.

Com a prisão de Queiroz, há duas semanas, veio a tona um encontro entre a mulher dele, Márcia de Oliveira Aguiar, que está foragida da Justiça, a mãe de Adriano e  Luis Botto Maia, que foi advogado na área eleitoral de Flávio.  A reunião ocorreu dia 3 de dezembro do ano passado, na cidade de Astolfo Dutra, em Minas Gerais. Segundo as investigações do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) do MPRJ, nas conversas por aplicativo de mensagens, Raimunda foi quem convidou Márcia para o encontro. A promotoria acredita que a mãe do miliciano, assassinado dois meses depois, era quem dava os recados para o filho junto com a então mulher de Adriano, Júlia Lotufo.

Adriano chegou a receber a medalha Tiradentes, a mais alta honraria do Legislativo fluminense, em 2005. A homenagem veio justamente das mãos de Flávio Bolsonaro. Dois anos antes, ele já havia recebido duas honrarias, de louvor e congratulações por serviços prestados à corporação, também do então deputado.

Além de miliciano, Adriano estava atuando ativamente na contravenção, revelam as investigações. Uma fonte da Polícia Civil disse que o ex-capitão tornou-se sócio de Bernardo. Ironicamente, ele ingressou no mundo da contravenção para ser chefe da segurança de Bid, mas depois passou para o lado do ex-marido de Tamara.

Diotti também atuava na contravenção, segundo investigadores

Marcelo Diotti, que era dono de uma marca de roupas (La Familia Comércio de Tecidos e Vestuário, na Avenida das Lagoas, 63, Gardênia Azul), já foi preso e respondeu por homicídio, porte de arma de fogo e exploração de máquinas caças-níqueis. O MPRJ o denunciou com mais seis envolvidos pela morte de um homem em Campo Grande, há oito anos. Eles foram acusados de executar a vítima após ela ganhar mais de R$ 2 mil nas máquinas. Diotti foi absolvido pelo homicídio em 2015.

Em pelo menos duas situações anteriores, Diotti havia escapado de emboscadas. Em junho de 2017, deixava um evento de música eletrônica na companhia da mulher, Samantha, no Hotel Grand Mercure, na Barra da Tijuca, quando o casal foi alvo de tiros disparados por um homem de dentro de um carro. Eles não ficaram feridos.

Meses depois, em fevereiro de 2018, de acordo com a polícia e o Ministério Público, o grupo criminoso que Mad é apontado pelos investigadores de chefiar preparou uma emboscada contra Diotti durante uma festa de aniversário ocorrida em sua residência, na Barra. O Gaeco apurou que a quadrilha desistiu da ação por causa da presença do chefe da milícia da Zona Oeste, Wellington da Silva Braga, conhecido como Ecko, “a quem nutriam respeito e deferência”, de acordo com as investigações.

Mad já figurou como suspeito da morte de Marielle

Mad chegou a figurar como suspeito das mortes de Marielle e Anderson. Tanto ele, como Adriano foram chamados para depor sobre o caso. Durante a primeira fase da operação, a equipe do ex-titular da DHC, Giniton Lages, chegou a ouvir Mad em depoimento para saber o que ele fazia no dia em que Marielle foi morta.

Durante a operação Intocáveis, que desbaratou em janeiro do ano passado a milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste, o Gaeco e a Polícia Civil rastrearam uma conversa telefônica na qual Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, ex-presidente da Associação de Moradores do bairro, diz ao vereador Marcello Siciliano que o crime contra a vereadora teria sido encomendado pelo conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão a Mad, Diego Lucas Pereira, o Playboy, e Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho. Estes dois últimos foram apontados como integrantes do grupo de pistoleiros, mas não há provas contra eles.

A suposta negociação, de acordo com Beto Bomba, teria ainda o intermédio de Marcos Vinícius Reis dos Santos, o Fininho. Na mesma gravação, o ex-dirigente comunitário contou que Mad também matou Diotti, apelidado de Shrek, na mesma noite. Os investigadores, porém, receberam as informações com reservas e já descartaram o envolvimento do pistoleiro na morte da vereadora.

“A única realidade plausível é que o investigado Beto Bomba lança diversas informações contraditórias e desprovidas de alicerce técnico probatório”, afirmou o MP-RJ em alegações finais no STJ. Embora reconheça os indícios substanciais dando conta da participação de Mad e seus comparsas no homicídio de Diotti, o órgão afastou por completo a possibilidade de seu envolvimento nos homicídios de Marielle e Anderson, “praticados em locais diametralmente opostos, em horários quase que simultâneos”, disseram os promotores nas alegações finais ao STJ.

Acusado de ser um dos chefes da milícia de Rio das Pedras, Beto Bomba está preso desde maio do ano passado após passar quatro meses foragido. As investigações da Intocáveis demonstraram que a quadrilha usava a sede da associação de moradores para negociar imóveis construídos ilegalmente e para cobrar taxas de moradores. Outra acusação contra o ex-dirigente foi receber informações privilegiadas sobre operações policiais no local para alertar os subordinados com antecedência.

Facção conta com informações privilegiadas

O quadrilha de pistoleiros se destaca das demais que praticam o mesmo tipo de crime pelo grau de sofisticação das ações. Seus integrantes jamais usam celulares pessoais, trocando de chip pré-pago do aparelho, constantemente. Outra característica da organização criminosa é planejar com cuidado as ações, mediante levantamento prévio, a partir de informações privilegiadas, para a escolha da melhor oportunidade. A opção geralmente recai sobre áreas sem câmeras de vigilância, pouco movimentadas e próximas à rotas de fuga.

Por serem policiais e ex-PMs, conhecem bem a máquina administrativa e têm uma farta rede de informantes. Seus carros são cuidadosamente escolhidos e adulterados desde seus acessórios até as placas, que são clonadas para confundir o monitoramento por câmeras e despistar eventuais rastreamentos. Após essa etapa de preparo, os criminosos estudam os hábitos e as rotinas das vítimas.