Rio Coronavírus

Escolas particulares fazem enquete sobre volta das aulas presenciais; decisão de Crivella acende debate entre os pais

Alguns colégios já se adaptaram às regras e decidiram reabrir; 'Eu não mandaria filhos ou netos meus para a escola', diz infectologista
Sala do Mopi, na Barra, com distância maior entre as carteiras: colégio, assim como outras unidades particulares, deixará os responsáveis à vontade para decidir pelo retorno às aulas Foto: Domingos Peixoto / Agência O GLOBO
Sala do Mopi, na Barra, com distância maior entre as carteiras: colégio, assim como outras unidades particulares, deixará os responsáveis à vontade para decidir pelo retorno às aulas Foto: Domingos Peixoto / Agência O GLOBO

RIO — As escolas particulares receberam com cautela a decisão do prefeito Marcelo Crivella de autorizar a volta das aulas presenciais nas unidades particulares no próximo dia 3 de agosto . Colégios como Santo Inácio e Sá Pereira, em Botafogo, estão realizando enquetes com os responsáveis pelos alunos para decidir sobre o retorno presencial. Outros, como o Mopi, com unidades na Barra e na Tijuca, já decidiram funcionar de forma mista.

— Essa é uma questão que divide os pais. Então, a primeira decisão que a gente tomou é que a família terá a opção de mandar os filhos ou deixá-los em casa. Quem não for, poderá seguir com as aulas 100% digitais — disse o diretor-executivo da rede, Vinicius Canedo.

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O assunto, claro, dominou os grupos de trocas de mensagens de pais de estudantes.

— É preciso que existam medidas que garantam a segurança de alunos, professores e funcionários. O número de mortes causadas pela Covid-19 ainda está em um patamar alto no Brasil — destacou o analista de sistemas Welson Siqueira, pai de um aluno do Santo Inácio.

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O tradutor Bernardo Barboza, que tem um filho na Escola Parque, contou que vai esperar para tomar uma decisão :

— Pode ser que, daqui a um mês, a gente se sinta mais seguro.

'Eu não mandaria filhos ou netos meus para a escola', diz especialista

Presidente da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio, Tânia Vergara é categórica sobre a volta das aulas presenciais neste momento:

— Eu não mandaria filhos ou netos meus para a escola — diz ela, explicando que não há um quadro sobre a real situação da Covid-19 no Rio já que não há testagem que identifique os assintomáticos. — Não mandaria porque ainda não estamos numa situação de conforto, não há vacina, não há tratamento 100% eficaz. E quem calcula esse risco, como Fiocruz, diz que esse retorno é precoce.

Crivella diz que escolas querem voltar

Após uma reunião, nesta segunda-feira pela manhã, com representantes de escolas particulares, o prefeito Marcelo Crivella anunciou que, a partir do próximo dia 3, unidades da rede privada de ensino estão autorizadas a receber alunos novamente. A prefeitura informou que, durante o encontro, integrantes da Associação de Creches e Escolas Particulares (Acep) e da Associação de Escolas Particulares (Aspep-RJ) manifestaram a intenção de retomar as aulas de forma facultativa, respeitando a vontade de professores, funcionários e pais, e obedecendo regras da Vigilância Sanitária publicadas em um decreto no início deste mês.

— Tive um encontro com representantes das escolas privadas, que querem voltar de maneira voluntária no dia 3 de agosto. De maneira voluntária, seguindo todas as regras da Vigilância Sanitária. Sobre as escolas públicas, nós conversaremos esta semana, e eu anunciarei o que for decidido — disse o prefeito, que prometeu abordar novamente o tema nesta terça-feira, durante uma entrevista coletiva.

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O resultado da reunião pegou de surpresa o Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro (Sinpro-Rio), que reúne os profissionais da rede privada. Representantes da entidade afirmaram que não foram chamados para o encontro.

— Nós fomos surpreendidos com essa notícia. Não somos convocados para reuniões desde o dia 10 — disse o vice-presidente do sindicato, Afonso Celso Teixeira.

No último dia 4, durante uma assembleia com a participação de cerca de 600 docentes, professores da rede privada decidiram que não voltarão às aulas sem que haja o entendimento de que o coronavírus não oferece mais perigo. O encontro foi convocado após Crivella declarar não ver obstáculos à reabertura de escolas porque “ crianças são imunes ”, opinião que acabou sendo rebatida por especialistas em saúde pública.

— Pode ser que, mesmo com a decisão da prefeitura, a categoria decida não voltar. Se ninguém for às escolas, como elas serão abertas? — questionou Afonso Celso.

Fiocruz é contra

Cientistas da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz divulgaram nesta segunda-feira um estudo no qual consideram prematura a autorização da prefeitura do Rio para a volta das aulas presenciais. Eles dizem que a situação no Brasil ainda está “fora do controle” e citam países como Espanha, França e Holanda, onde escolas precisaram ser fechadas após a reabertura. O grupo ainda trata como “grave” o risco de um aumento do contágio da Covid-19 na capital.

“Diante da possibilidade de possível recrudescimento de casos e óbitos no município, ainda parece prematura a abertura das escolas no atual momento da pandemia pelo SARS-CoV2. É necessário que especialistas, epidemiologistas, infectologistas, pneumologistas, pediatras e outros acompanhem e monitorem todo o processo pandêmico. Principalmente para avaliar o impacto no número de casos e mortes com a reabertura dos outros processos produtivos na cidade do Rio de Janeiro”, diz um trecho do estudo.

De acordo com os pesquisadores, a rede privada do município tem 2.031 escolas, que, reabertas, levarão de volta às ruas cerca de um milhão de pessoas.

Nas escolas públicas, calendário letivo ainda é marcado pela incerteza

Enquanto unidades particulares se organizam para a volta dos estudantes, alunos das redes municipal e estadual de ensino seguem com o calendário letivo repleto de incertezas. Reportagem do GLOBO publicada no domingo mostrou que a prefeitura cogita retomar as aulas presenciais apenas parcialmente — uma parte dos alunos ficaria em casa até 2021. A hipótese de retorno gradual também é analisada pelo estado.

A rede de escolas da prefeitura conta com 650 mil alunos. De acordo com a secretária municipal de Educação, Talma Suane, a exemplo de outras atividades, a retomada das aulas ocorrerá em fases, começando por 350 das 1.541 unidades. As primeiras a voltar serão as turmas do 9º ano. As escolas, no entanto, ainda precisam passar por adaptações para o ensino durante uma pandemia. Do total de alunos das escolas municipais, 5,75% (37.415) estão no 9º ano.

— O processo será gradual. Escolhemos retomar as aulas pela última série, até porque nossas escolas contam com, no máximo, quatro turmas por turno no 9º ano. O andamento do retorno dos outros alunos será definido em acordo com o comitê científico da prefeitura. Se for aconselhável, algumas séries continuarão com aulas virtuais até o fim de 2020, voltando às escolas somente em 2021 — disse a secretária na reportagem publicada no domingo.

Na rede estadual, a prioridade será do 9º ano do fundamental e também do 3º do ensino médio, por causa do Enem.

O secretário estadual de Educação, Pedro Fernandes, admite a possibilidade de parte dos alunos só retornar no ano que vem:

— Mesmo se algumas séries não retornarem este ano, o que pode acontecer, a ideia é manter as escolas abertas para os alunos que precisam de computadores para assistir às aulas virtuais.

Em audiências na Alerj, técnicos informaram que a volta na rede estadual depende de uma escala de classificação de risco de contágio que tem cinco níveis. Uma das possibilidades é que o retorno aconteça de forma descentralizada, começando por regiões menos atingidas pela pandemia.