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José Paulo Kupfer

"Reforminha" de Guedes mais atrapalha que ajuda na solução do nó tributário

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Depois de um ano de promessas não cumpridas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, finalmente encaminhou ao Congresso, nesta terça-feira (21), sua reforma tributária. A proposta do governo prevê a substituição do PIS e da Cofins, duas contribuições federais, pela nova CBS (Contribuição de Bens e Serviços). No projeto do governo, a nova contribuição terá alíquota de 12% para empresas em geral e de 5,9% para instituições financeiras, que, pela natureza do seu serviço, não geram ou se apropriam de créditos tributários ao longo da cadeia de produção.

A substituição do PIS/Cofins é parte importante das exigências de simplificação do sistema tributário e do objetivo de torná-lo mais eficiente como indutor do crescimento econômico. Mas, diante das muitas outras necessidades de reformar um sistema tão distorcido e disfuncional, a iniciativa de Guedes pode ser classificada como uma "reforminha" à espera de seus muitos e indispensáveis complementos.

O ministro e sua equipe decidiram que, diante de imagináveis dificuldades políticas, melhor seria apresentar uma reforma fatiada. O problema é que as demais fatias do salame da reforma imaginada pelo governo não são efetivamente conhecidas.

Em diversas ocasiões, Guedes e integrantes de sua equipe já mencionaram simplificar o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), reduzir o Imposto de Renda das empresas, taxas lucros e dividendos e implantar uma nova CPMF sobre transações digitais. Na entrega da proposta de substituição do PIS/Cofins, o secretário especial da Receita Federal, José Tostes, declarou que todos esses pontos, transformados em fases da reforma tributária do governo, chegariam ao Congresso em até 30 dias. Acredita quem quiser.

Do jeito que veio, ainda que já seja um avanço, a proposta de Guedes traz o risco de atropelar projetos mais amplos já com algum tempo de tramitação no Congresso. A conferir o quanto a discussão ficará agora concentrada na primeira fatia da reforma do governo, deixando adormecidas a PEC 45, que corre na Câmara dos Deputados, e a PEC 110, que é discutida no Senado Federal, e tratam o grande nó tributário nacional de modo mais amplo.

As duas propostas de emenda à Constituição tramitam há algum tempo, e já tinham avançado para algum tipo pelo menos preliminar de convergência. As propostas que já estão no Congresso definem novos tributos que até no nome se parecem com a do governo.

No caso do projeto de Guedes, PIS e Cofins serão substituídos pela CBS, enquanto na PEC 45 e na PEC 110, que são mais amplas, cinco tributos - IPI, ICMS e ISS, além de PIS e Cofins - deveriam ser substituídos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Em todas as propostas, inclusive na de Guedes, o novo imposto seria do tipo IVA (imposto de valor adicionado), não cumulativo, incidente sobre base ampla. O padrão seria o mesmo das legislações tributárias mais modernas em aplicação ao redor do mundo.

Nas empresas tributadas pelo lucro presumido, PIS e Cofins são cumulativos —o que significa que os tributos incidem sobre todas as etapas de produção e prestação de serviços. No caso das empresas tributadas com base no lucro real, PIS e Cofins são não cumulativos, exceto, entre outras, nos casos de instituições financeiras, planos de saúde, serviços de vigilância e transporte de valores.

A maior diferença entre o CBS e o IBS reside no fato de que o IBS prevê substituir não apenas os tributos federais PIS e Cofins, mas, em conjunto, além destes, também o IPI, impostos estaduais, como o ICMS, e municipais, caso do ISS. As dificuldades em encontrar um ponto de acordo entre os interesses das diversas esferas federativas e setores econômicos afetados são, pelo menos em tese, maiores.

Há quem prefira o caminho afinal tomado pelo governo, exatamente por evitar as dificuldades de encontrar pontos de acordo entre tantos interesses. É o caso, por exemplo, do economista Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff. Ele mesmo tentou, mais de uma vez, sem sucesso, emplacar uma simplificação tributária, a partir da substituição do PIS e da Cofins.

Se, em teoria, parece mais fácil aprovar o CBS de Guedes, isso pode não se confirmar na prática. É preciso considerar que a nova tributação proposta acaba elevando a carga tributária, o que é repelido por boa parte dos congressistas. A alíquota de 12%, incidente sobre as empresas em geral, fica 2,5 pontos acima da alíquota média cobrada no PIS e Cofins. Isso sem falar na lista de exceções prevista no projeto do governo, o que também pode estimular disputas no Congresso para isentar mais setores.

Além disso, o impacto econômico ao longo do tempo de sua proposta tende a ser menor. Segundo o economista Bernard Appy, autor do desenho de projeto que se transformou na PEC 45, a aprovação de uma reforma mais ampla, como a prevista com a adoção do IBS, elevaria o PIB potencial em 20 pontos percentuais em 15 anos. Já uma outra, focada apenas na substituição do PIS/Cofins não produziria mais de 10% a 20% dos benefícios da reforma mais ampla, que incluísse o ICMS, considerado por Appy "o pior imposto" brasileiro.

Nem bem chegou ao Congresso, a proposta de Guedes já foi classificada por parlamentares como "tímida". Secretários de Fazenda dos estados também se declararam descontentes diante da limitação da reforma a uma primeira fase restrita a tributos federais.

Não era mesmo de se esperar que a tramitação de qualquer proposta de reforma tributária fosse suave e rápida. Mas, depois de tanto prometer e acenar, o que o ministro Paulo Guedes depositou no Congresso parece fadado a provocar mais desacordos do que consensos.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Uma versão anterior deste texto informava incorretamente, no sétimo parágrafo, que PIS e Cofins são impostos cumulativos. Na verdade, são cumulativos nas empresas tributadas pelo lucro presumido. A informação foi corrigida.