Brasil

Só um em cada três profissionais de saúde diz ter sido testado para Covid-19, aponta FGV

Estudo mostra ainda a falta de oferta de equipamentos de proteção individual (EPI) e alto índice de impacto na saúde mental
Só um em cada três profissionais de saúde diz ter sido testado para Covid-19, aponta FGV Foto: Edilson Dantas
Só um em cada três profissionais de saúde diz ter sido testado para Covid-19, aponta FGV Foto: Edilson Dantas

RIO — Apesar de ser uma das recomendações das autoridades sanitárias para conter a pandemia, a testagem para a Covid-19 não tem sido aplicada nem mesmo em profissionais que atuam na linha de frente do combate ao novo coronavírus no Brasil. De acordo com uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), só um em cada três trabalhadores da área de saúde, ou 35,2%, diz ter sido submetido ao teste.

Esse percentual é resultado da segunda fase do estudo, que reuniu os dados de 2.138 profissionais da saúde pública, de todos os níveis de atenção e regiões do país, entre os dias 15 de junho e 1º de julho. Na amostra, 40% eram agentes comunitários e de controle de endemia, 20,8% profissionais de enfermagem, 14,7% médicos e 23,8%, outros funcionários do âmbito hospitalar.

Leia mais: Uso de máscaras pode diminuir dose viral e sintomas da Covid-19, diz estudo

Realizada em meados de abril com as informações de 1.456 profissionais de saúde , a primeira fase de análise apontou para um cenário precário nas condições de trabalho desse grupo no período inicial da pandemia. Segundo Gabriela Lotta, coordenadora da pesquisa e professora da FGV, a expectativa era de que o cenário melhorasse após pouco mais de dois meses dos resultados introdutórios.

— Naquela época, vimos que as condições de trabalho deles eram muito precárias, não estavam recebendo equipamento de proteção individual, nem orientação e suporte do governo. Essa situação estava se revertendo em muito medo, e só 15% se sentiam preparados para trabalhar na pandemia — comenta Gabriela. — Esperávamos que nessa segunda fase, dois meses depois, fôssemos encontrar uma situação muito melhor, em termos de ver que esses profissionais já se sentem bem trabalhando nesse momento. Vimos que alguns indicadores melhoraram, mas mesmo assim estão muito ruins.

Os dados compilados da pesquisa também mostraram que metade dos profissionais de saúde ainda sai em desvantagem pela falta de distribuição de equipamentos de proteção individual (EPI) , itens essenciais para garantir a segurança desses funcionários durante o expediente. Além disso, mais de 80% desse grupo conhece algum colega que já foi infectado pelo Sars-Cov-2.

Confira: Prioridade mundial, vacina precisará ultrapassar também obstáculo da logística

—  Corremos o risco de manter alto o índice de adoecimento e morte dos profissionais de saúde por Covid, o que, por outro lado, também diminui a quantidade de profissionais aptos a trabalhar na linha de frente. Ainda temos um problema de potencial infecção pelo próprio profissional, porque, se ele não está sendo testado e nem tem EPI, ele também vira um vetor de transmissão, e isso se torna, a longo prazo, um potencial de desassistência da população — avalia a pesquisadora, que atribui esse problema de estrutura ao "descaso governamental".

Saúde mental e assédio moral durante a pandemia

Nesta fase segunda fase da análise, os pesquisadores introduziram questões relacionadas à saúde mental dos profissionais de saúde e ao assédio moral praticado no ambiente de trabalho.

Em média, 30% dos profissionais de saúde alegaram sofrer práticas de assédio moral durante a pandemia. Para 78,2%, sua saúde mental foi afetada durante o período, sendo que apenas 20% afirmaram receber algum tipo de apoio do Estado para lidar com estes problemas.

— Na primeira rodada, quase todos os 1.500 profissionais responderam à pesquisa dando relatos de saúde mental e assédio moral recorrentemente — relembra Gabriela. — Eles contavam como eles estavam sentindo, que tinham desenvolvido depressão, e que estavam tomando remédio, também por conta do assédio moral. Então, vimos que eles estavam passando por isso e que isso também é um problema a ser enfrentado.

A preocupação quanto a Covid-19 os infectar também entrou na estatística. O índice de agentes comunitários de saúde e agentes de combate à endemia que sentem medo da doença chega a 89%, enquanto atinge 83% dos profissionais da enfermagem, 79% dos médicos e 86% dos outros profissionais das equipes ampliadas de saúde.

Covid-19: Mortes por coronavírus avançam em nove estados e caem em oito

Falta de treinamento ainda é uma preocupação

Além do déficit na quantidade de testagens e na oferta de equipamentos de proteção individual, que inviabilizam a segurança dos profissionais de saúde, a falta de um treinamento adequado para esses trabalhadores lidarem com o momento de crise é um problema recorrente.

Ainda segundo a pesquisa, 70% dos que responderam às perguntas disseram que ainda não se sentem preparados para enfrentar a pandemia.

— Os profissionais precisam ser treinados não por uma falta de conhecimento deles, mas por estarmos enfrentando uma situação inesperada. Não ter um treinamento adequado é muito ruim tanto para os profissionais, quanto para os usuários do serviço de saúde que não recebem uma atenção como deveriam ter — afirma Michelle Fernandez, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da FGV que participou do projeto.

O nível de treinamento dos profissionais de saúde aumentou 10%, passando de 21,91% para 32,2%, englobando médicos e técnicos de enfermagem.

Os agentes comunitários de saúde e os de endemia parecem ser os funcionários menos assistidos em termos de equipamentos e treinamento. Em junho, apenas 32% deste grupo apontaram ter recebido EPIs. Houve uma pequena melhora com relação ao cenário anterior, já que em abril apenas 19,65% dos agentes comunitários relataram receber esse tipo de equipamento.

A Hora da Ciência: Quando as pandemias acabam?

'Um discurso público coerente já ajudaria muito'

A percepção sobre a falta de suporte governamental continua estável em mais de 50% dos profissionais. A falta de apoio do governo federal sentida pelos trabalhadores da área de saúde aumentou. Em abril, 67% diziam não sentir que o governo federal os apoia, enquanto que, em junho, já são 78%. O índice é muito maior do que de profissionais que sentem falta de suporte governamental do município, que chega a 58%.

— Um discurso coerente de apoio aberto aos profissionais de saúde já ajudaria muito a melhorar a condição de trabalho deles. Agora, pensando na política pública em si, é evidente que tenha uma situação de descoordenação do governo federal, e que isso gera um resultado muito crítico quanto às políticas de saúde — conclui Michelle.

São Paulo: Professores da rede pública estadual protestam contra volta às aulas presenciais