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Economia

Teto de gastos está sob ataque, mas não deve ser revogado, diz economista

Zeina Latif acredita que serão criadas exceções para a regra que limita aumento das despesas públicas
A economista Zeina Latif diz que teto não deve ser revogado, mas exceções serão feitas Foto: Agência O Globo
A economista Zeina Latif diz que teto não deve ser revogado, mas exceções serão feitas Foto: Agência O Globo

RIO — A economista Zeina Latif avalia que a regra do teto de gastos — limite para crescimento das despesas públicas atrelado à inflação do ano anterior — está sob ataque. Para ela, o risco aumentou depois que o presidente Jair Bolsonaro viu sua popularidade aumentar na esteira da liberação do auxílio emergencial de R$ 600, o que ampliaria o desafio de manter os gastos sob controle.

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Ela pondera que faltou uma agenda clara de diálogo com o governo por parte do Ministério da Economia, que sofreu duas baixas importantes em sua equipe nesta semana.

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O que indica para a gestão fiscal a saída dos secretários?

Não chego a ficar surpresa com essas perdas. O tempo todo faltou uma agenda clara de Paulo Guedes, consistente, bem estruturada. Não só nas propostas, no encadeamento, na definição de prioridades, mas certamente na capacidade de diálogo dentro do próprio governo. O Paulo Guedes, com frequência, fez anúncios de privatização, de reformas com uma baixa execução. É natural mesmo que as pessoas decidam procurar outro caminho.

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A regra do teto está em risco ?

Antes, eu achava que era baixa a chance de ter más notícias nessa área. Paulo Guedes pode até decepcionar em termos de reformas, mas acho que tem compromisso de preservar a regra do teto. O risco aumentou muito de não termos isso. A crise agora e as respostas do governo e o fato de o presidente Bolsonaro ter sentido o gostinho da popularidade trazida pelo auxílio emergencial, juntando tudo isso, acho que o risco aumentou.

A regra pode ser totalmente derrubada?

Não acredito que vai ser algo radical, do tipo revogar. Isso não, mas vai ser nessa linha de ir criando exceções, mantendo mais ou menos as aparências, mas fazendo isenções aqui e ali. Esse risco aumentou bastante. Essas agendas de ajuste fiscal dependem muito de ter um grande consenso. Com a Previdência foi assim. A regra do teto não tem esse consenso. Entre os economistas, há muita divisão também. Isso reverbera no Congresso. Rodrigo Maia (presidente da Câmara) falar: “Não, eu não vou flexibilizar” tem um tremendo valor, mas mostra que a regra está sob ataque, senão não precisaria falar isso. O problema é que abrir um precedente nesse momento é muito perigoso.

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Como o mercado financeiro vai reagir a mudanças na regra do teto? Vai ter dólar mais alto, mercado mais volátil?

Vai ter tudo isso. A reação do mercado ajuda a afastar esse cenário de ir lá e acabar com a regra do teto, e pronto! Bolsonaro, apesar de tudo, algum pragmatismo ele tem. Situações extremas que gerem uma rápida reação e machuquem a economia, é claro que ele sabe que não é bom. Há pequenos testes que podem ser feitos. É um cenário possível na minha visão, mas não um extremo, exatamente por causa dessa reação do mercado. O ambiente fica mais vulnerável a volatilidade, a correções. Já estamos vendo esse movimento.

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Quais indicadores mostram isso?

O ambiente internacional está melhorando aos poucos, mas quando se olha o comportamento do preço dos ativos no Brasil, tudo fica na lanterninha. O Brasil não está conseguindo se beneficiar tanto dessa melhora lá fora. Quando você olha o dólar, a Bolsa, a curva de juros, aqui está pior. Certamente tem risco fiscal que tende a ser precificado, a depender do caminho do governo. Nossa moeda vai apanhar mais que o sugerido pelo contexto internacional.

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Dá para esperar avanços na agenda de reformas?

Como Bolsonaro é pragmático, não dá para descartar totalmente qualquer coisa. O centrão, os partidos que estão apoiando o governo vão ser também machucados se for para um cenário muito negativo. Tem válvulas ali. Por isso, não dá para exagerar nesse argumento.