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Líbano

Guia para entender a caótica política libanesa

Hassan Diab entrega carta de renúncia ao presidente libanês, Michael Aoun

Hassan Diab, o premier do Líbano que renunciou ao cargo, estava no poder havia poucos meses e tinha perfil de tecnocrata. Na prática, não mandava praticamente nada. Não passava de um fantoche da coalizão entre os cristãos do Movimento Patriótico Livre (MPL), do presidente Michel Aoun, e os xiitas do Hezbollah e da aliada Amal. Sua força nas ruas sunitas, que ele supostamente representaria na divisão sectária de cargos, era quase nula.

No sistema político libanês, o Parlamento tem 128 deputados. Metade é cristã de diferentes denominações e metade muçulmana (sunitas e xiitas), além de drusos e alauitas. Assim é a distribuição exata: das 64 cadeiras reservadas aos cristãos, 34 são maronitas, 14 greco-ortodoxos, 8 melquitas (greco-católicos), 5 armênios ortodoxos, 1 armênio católico, 1 protestante, 1 de outras minorias cristãs (siríaco, copta) ou judeu. Das 64 reservadas aos muçulmanos, 27 são sunitas, 27 xiitas, 8 drusos, 2 alauitas. O gabinete ministerial libanês também é dividido nestas linhas.

Diante desta divisão, os partidos costumam se construir ao redor de correntes religiosas. A votação, no entanto, se dá por listas distritais. Por exemplo, o distrito de Zahle tem direito a 7 cadeiras. Destas, duas precisam ser para melquitas, 1 para cristão maronita, 1 para cristão greco-ortodoxo, 1 para armênio ortodoxo, 1 para xiita e 1 para sunita. Nas listas das coalizões, portanto, é necessário ter um representante de cada um desses grupos. Os eleitores votam na lista. Logo, a tendência é que partidos de diferentes correntes sectárias façam coalizões com membros de outras. Por este motivo, o Hezbollah, um partido xiita, se aliou ao Movimento Patriótico Livre, de Michel Aoun. Dessa forma, o partido xiita pega votos de cristãos que apoiam Aoun enquanto o MPL pega votos de xiitas pró-Hezbollah. Este fenômeno se replica em outras alianças.

Há dois blocos principais. Um deles é justamente o dos cristãos populistas de Michel Aoun com o Hezbollah, que tem maioria parlamentar. Inclui ainda alguns grupos sunitas, os xiitas da Amal e outros partidos cristãos. Outro bloco é composto pelos sunitas do partido Futuro, do ex-premier Saad Hariri, e agremiações cristãs nacionalistas, como as Forças Libanesas e a Kataeb.

Até o ano passado, antes das manifestações de outubro, havia um governo de união nacional. Os protestos levaram à queda de Hariri e dos ministros políticos. O novo ministério de fato passou a ser composto por tecnocratas. Mas estes eram escolhidos pela coalizão dos cristãos de Aoun com os xiitas do Hezbollah e da Amal. Basicamente, os sunitas saíram enfraquecidos sem a presença de Hariri.

Com a renúncia de Diab, não será simples a formação de um novo governo no Líbano com o atual Parlamento. Os xiitas do Hezbollah e os cristãos de Aoun não perderam sua força, por ainda manterem a maioria. Talvez, diante dos protestos, aceitassem um recuo estratégico. Poderiam concordar com o retorno do adversário Saad Hariri ao cargo de premier. Seria uma forma de acalmar ao menos o establishment sunita. Existe o risco, porém, de Aoun e o Hezbollah empurrarem com a barriga e deixarem Diab de interino ou escolherem um outro fantoche.

Em todas essas circunstâncias, para ficar claro, seguirá a insatisfação popular. A realização de eleições poderia acalmar temporariamente os ânimos, mas estas também enfrentarão uma série de dificuldades para serem organizadas. Caso os eleitores sejam convocados para votar no atual sistema confessional, talvez vejamos um fortalecimento, dentro das cadeiras reservadas aos cristãos, de partidos cristãos rivais de Aoun, como as Forças Libanesas, de Samir Geagea, e o Kataeb, da família Gemayel. Estes poderiam fazer a balança pender um pouco para o lado anti-Hezbollah, fortalecendo também Hariri.

Ainda assim, será insuficiente para enfraquecer o Hezbollah, porque o partido e seus aliados da Amal manteriam as cadeiras de xiitas e o controle da Presidência do Parlamento. Talvez, com uma forte mobilização do eleitorado xiita, possam ajudar o MPL de Aoun a manter suas cadeiras, compensando a perda de votos cristãos para as Forças Libanesas de Geagea e o Kataeb da família Gemayel. Para completar, mesmo em caso de derrota nas urnas de sua coalizão, o Hezbollah seguiria com a sua milícia armada, mais poderosa do que o Exército libanês e considerada terrorista pelos EUA e alguns países europeus.

Não podemos esquecer que as manifestações do ano passado eram contra toda a classe política. Isso inclui os adversários cristãos Aoun e Geagea, o sunita Hariri, o Hezbollah e a Amal, além dos líderes drusos Arslan e Jumblatt. Os eleitores querem renovação de nomes. Dentro do sistema político libanês, no entanto, teriam dificuldade de eleger novas lideranças fora de Beirute. Portanto, o balanço de poder pode mudar, mas dificilmente fora da atual classe política.

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