Saúde Coronavírus

Avanço de Covid entre jovens coincide com retomada de atividades no país

Levantamento mostra pico de infecções 15 dias após reabertura do comércio e de serviços em várias cidades brasileiras
Movimentação de pedestres no Centro de São Paulo (16-4-2020). Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Movimentação de pedestres no Centro de São Paulo (16-4-2020). Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

SÃO PAULO — A reabertura de parte das atividades econômicas em vários estados brasileiros, no início de junho, coincide com uma explosão de casos de Covid-19 entre jovens. Compilação feita pelo GLOBO a partir de dados do Sistema de Vigilância Epidemiológica, do Ministério da Saúde, mostra um pico de infecções entre jovens 15 dias após a retomada das atividades em várias cidades do país, período que engloba o tempo médio de incubação até o aparecimento de sintomas da doença. Hoje, os jovens já representam a maioria de casos em estados como São Paulo e Rio de Janeiro.

— Os casos entre jovens já eram expressivos nas periferias, onde isso de ficar em casa nunca funcionou na prática. O que acontece é que, com a flexibilização, um fenômeno que era periférico se estendeu a toda a cidade. Todo mundo começou a sair. É certo que os mais vulneráveis para doença grave são os idosos. Mas quem leva a infecção para dentro de casa são os mais jovens, que saem para trabalhar — explica o infectologista Jamal Suleiman, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo.

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A associação entre aumento de infecção entre os jovens e a flexibilização é reforçada pela queda na adesão ao isolamento. Pesquisa Datafolha divulgada na noite de terça-feira mostra que o percentual de brasileiros que se dizem isolados caiu ao menor nível desde o início da pandemia - principalmente entre os mais jovens. Na divisão por faixa etária, eles são os que mais assumem "sair de casa para trabalhar ou outra atividade, mas com todo cuidado". Esse índice é de 53% entre pessoas de 25 a 34 anos, e de 51% entre os de 35 a 44 anos. São, em consequência, os mais expostos à infecção.

Os números nacionais permitem entender como se deu a disseminação do novo coronavírus de acordo com a idade dos infectados e indicam que, entre o início e o final de junho, houve um pico de contágio entre a população mais jovem. O que chama a atenção, contudo, é que o aumento ocorreu inclusive em semanas onde houve uma queda na infecção por coronavírus no resto da população. O pico ocorreu na semana entre os dias 14 e 20 de junho, com 1107 pacientes hospitalizados.

Duas semanas, uma em junho e outra em maio, ilustram bem esse movimento. Segundo dados do Ministério da Saúde, 1037 jovens entre 20 e 29 anos relataram ter começado a sentir os sintomas da Covid-19 na semana do dia 7 de junho deste ano. Esse é um número 28% maior de casos do que, por exemplo, na semana do dia 10 de maio. E ocorreu mesmo com uma queda de 12% no número total de casos quando comparadas as duas semanas.

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Os dados são baseados na data dos primeiros sintomas relatados pelos pacientes. A tendência é que esses números sejam ainda maiores, pois só leva em conta os pacientes hospitalizados e, como se sabe, idosos apresentam uma tendência maior a ter complicações da doença, e não os jovens. Essa informação é considerada a mais confiável por especialistas para entender a dinâmica de infecção pela doença. Uma pessoa que apresentou seus primeiros sintomas no dia 15 de junho, por exemplo, teve contato com o vírus depois de 1º de junho, uma vez que o período de incubação do vírus dentro do organismo pode ser de dois a 14 dias.

— O grande problema é que a doença vem em ondas. São espasmos. E não temos muita clareza de quanto isso vai durar. Tudo que fazemos hoje veremos como vai se processar na curva daqui a quatorze dias. Então o impacto é variável. Se essas pessoas que estão se infectando mais tiverem contato com pessoas vulneráveis, teremos novas infecções — diz Suleiman.

Rastreamento de contatos

Hoje, a faixa etária que mais concentra casos de coronavírus no Estado de São Paulo é a de 30 a 39 anos. Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde, ela já responde por quase um quarto do total de 721.377 casos confirmados até quarta-feira. São 172.188 pessoas infectadas nessa faixa etária. Já os jovens de 20 a 29 anos somam 118.535 casos de Covid-19 no estado.

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Para o coordenador do InfoGripe na FioCruz, Marcelo Gomes, os dados reforçam a necessidade do rastreamento dos contatos que os infectados tiveram antes de procurarem o sistema de saúde. A medida é vista por especialistas como essencial para o controle da doença. Uma das hipóteses que precisaria de confirmação seria a possibilidade de que o aumento de casos na faixa etária mais jovem pode ter levado à transmissão para seus contatos em outras idades, como pais e avós.

— Mas é uma hipótese difícil de ser testada por não termos informações sobre a cadeia de transmissão. Os números servem de exemplo do porquê é importante reduzir significativamente o número de casos antes de tomar medidas de flexibilização. Com números baixos é possível adotar medidas de busca ativa e rastreamento de contatos para conter a transmissão — afirma Gomes.

Trabalho na rua

Na cidade do Rio, em julho, a Covid-19 atingiu, principalmente, adultos mais jovens, na faixa de 30 a 39 anos. Eles foram 23,9% das pessoas que adoeceram pela doença nesse período.

Dados recentes de um inquérito sorológico realizado pela prefeitura de São Paulo também ajudam a ilustrar o desafio. Segundo o levantamento, o maior histórico de infecção é na população de 18 a 34 anos, que apresenta 17,7% de prevalência de anticorpos para a Covid-19. Eles têm 2,6 mais risco de contrair a doença do que a população idosa.

— É a principal faixa etária que tem saído de casa para trabalhar — disse o prefeito da capital paulista, Bruno Covas, na apresentação do estudo, na semana passada.

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O mesmo levantamento mostra que a contaminação é maior entre pessoas que estão trabalhando fora. O índice de prevalência para Covid-19 (18,5%) é três vezes maior do que em pessoas que estão em home office (6,2%) na capital paulista.

— Em uma doença sobre a qual ainda não sabemos muitas coisas, o distanciamento social ainda é a melhor estratégia que temos para bloquear a infecção — diz Suleiman.