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Brasil

No Brasil, só 16% apoiam aborto por desejo da mulher, diz pesquisa conduzida em 25 países

Brasileiros estão entre os que menos apoiam a legalização da prática, mostra levantamento da Ipsos
Ato pela legalização do aborto, no Rio de Janeiro Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Ato pela legalização do aborto, no Rio de Janeiro Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

RIO — Os brasileiros estão entre os que menos apoiam a legalização do aborto, afirma pesquisa global realizada pela Ipsos. Apenas 16% dos entrevistados no país acreditam que a prática deveria ser permitida sempre que uma mulher desejar. O número está abaixo da média global, de 44%, e coloca o Brasil, ao lado do Peru, na posição de um dos dois mais opostos à prática no Ocidente. A Malásia é o único com índice ainda mais baixo, com 10% da população favorável ao direito de escolha da mulher pela interrupção da gravidez .

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As informações são da Pesquisa Global Views on Abortion, realizada anualmente pela Ipsos. Foram entrevistadas 18 mil pessoas de 25 países, entre elas mil brasileiros, do dia 22 de maio a 5 de junho de 2020.

Brasileiros a favor do aborto Foto: Editoria de Arte / Ipsos
Brasileiros a favor do aborto Foto: Editoria de Arte / Ipsos

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O estudo também mostrou que, no Brasil, 38% dos entrevistados são a favor que o aborto seja permitido apenas em situações específicas, como em caso de estupro . No entanto, 21% dos brasileiros disseram que ele só deve ser permitido se a saúde da gestante estiver em risco, e 13% não apoiam o aborto em nenhuma circunstância. Os outros 12% não souberam ou não quiseram opinar.

— No Brasil este tema ainda está sendo muito discutido a partir de pilares religiosos e morais. Em outros países, ele entra na pauta de saúde pública e direito da mulher. Por isso, vemos uma grande diferença quando comparamos a realidade brasileira com a do restante do mundo — analisa a pesquisadora Maianí Machado, chefe de Reputação Corporativa da Ipsos Brasil, em vídeo divulgado pela empresa.

O debate sobre o aborto ganhou destaque no país nos últimos dias, devido ao caso da menina de 10 anos abusada sexualmente pelo tio, que realizou o procedimento no começo desta semana. Após o local em que seria internada ter sido divulgado pela extremista Sara Giromini, o hospital, no Recife, foi alvo de protestos de religiosos, e a família da vítima sofreu pressão para que a gravidez não fosse interrompida.

Ela já recebeu alta e o suspeito está preso, no Espírito Santo.

Brasileiros e o aborto Foto: Editoria de Arte / Ipsos
Brasileiros e o aborto Foto: Editoria de Arte / Ipsos

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A legislação brasileira permite o aborto em casos de gestação decorrente de um estupro, risco à vida da gestante ou anencefalia do feto. A menina teve direito ao procedimento porque seu caso se encaxava nos dois primeiros requisitos.

Para a antropóloga e professora na Universidade de Brasília (UnB) Débora Diniz, o caso pode ser um ponto de virada para a avaliação dos brasileiros sobre a legalização do aborto:

— Por ter sido uma situação tão limite e surpreendente, nós podemos ter um momento de as pessoas se perguntarem o que está acontecendo aqui, enquanto o aborto não é descriminalizado, e a se questionarem sobre a irracionalidade da criminalização, diante de situações tão violentas — diz ela, que acrescenta que a situação revelou os efeitos da criminalização na população mais vulnerável do país: — Ela é uma menina negra, de uma família pobre, que talvez esteja sob proteção do auxílio emergencial durante a pandemia, cuja avó é uma trabalhadora informal. E a comoção pública não foi em busca da proteção da sua saúde, mas de um fanatismo moral.

Quem é a favor da legalização do aborto?

A pesquisa mostrou que, no Brasil, as mulheres são um pouco mais favoráveis à legalização do aborto sempre que a grávida desejar, com 17% de apoio, enquanto o índice entre os homens é de 15%.

Em relação à idade, menores de 35 anos apresentaram uma visão mais favorável à prática. O apoio à legalização do procedimento também foi maior entre os brasileiros com alto grau de escolaridade.

Em relação ao ano passado, houve uma queda no percentual de brasileiros que apoiam o aborto sempre que a mulher desejar ou apenas em algumas circunstâncias, como nos casos em que ela tenha sido estuprada. Em 2019, os dois índices somavam 61%. Este ano, caíram para 53%. O estudo afirma que o movimento reflete uma queda na média global desde 2016, quando era de 75%, e que atualmente está estagnada em 70%.

Débora Diniz pondera, no entanto, que é preciso ter cautela ao observar pesquisas de opinião sobre o tema.

— Essas pesquisas têm uma série de vieses de captura de resposta. É diferente de perguntar "você já fez um aborto?" ou "você acha que uma mulher deve ser presa se fizer um aborto?".  Então essa queda recente fala mais sobre crenças morais que circulam como hegemônicas em determinadas comunidades, países e momentos da história. Mas elas não têm nada a dizer sobre as práticas de aborto em si — analisa a antropóloga, que também é fundadora do Instituto Anis de Bioética.

O estudo mostrou, ainda, que o continente europeu lidera o ranking dos mais permissivos à prática, liderado pela Suécia, onde 76% da população afirmou que deve ser realizada sempre que a mulher decidir. Os percentuais de apoio diminuem consideravelmente na América Latina e nos segmentos do Oriente Médio e África.

* Estagiária sob orientação de Eduardo Graça