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Análise: Uma finalista e a eterna sensação de que há mais a oferecer

A Copa de 2018 não é um torneio de fartura de jogo encantador e desempenhos vistosos
O francês Mbappé para no goleiro belga Courtois durante a semifinal Foto: JEWEL SAMAD / AFP
O francês Mbappé para no goleiro belga Courtois durante a semifinal Foto: JEWEL SAMAD / AFP

SÃO PETERSBURGO — Como numa Copa do Mundo retratada em 90 minutos, estavam no gramado de São Petersburgo dois times separados por diferenças mínimas e, no fim, um gol de bola parada como o lance crucial. Nada mais coerente com o roteiro de um torneio marcado pelo equilíbrio que advém da globalização, pela falta de espaços e pela inexistência de um time verdadeiramente dominador através do controle da bola e das ações.

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É uma Copa de decisão em poucos lances, de momentos. Hazard teve os seus, Mbappé também, Griezmann também. Grandes jogadores dos grandes lados, mas a sensação de que continuamos à espera da definitiva exibição de um time para ser lembrado. Ou mesmo da atuação individual que nos convença, de forma definitiva, de que estamos diante do novo melhor do mundo. Não é um torneio de fartura de jogo encantador, de desempenhos coletivos vistosos, do time que submete o rival até derrotá-lo.

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Não quer dizer que não houve um ótimo jogo, duelo tático, lances de brilho dos craques. E, no fim, vai à final a França por resolver melhor uma das mais duras equações do  Mundial. Se não é possível dar aos grandes craques o contexto dos clubes de ponta da Europa, com elencos fartos, bom tempo de treinamento e uma superestrutura ao redor, o desafio é deixar as estrelas cômodas. Criar formas de jogar que ativem suas qualidades. Aí reside outra diferença entre a Bélgica e a França na semifinal.

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Após surpreender o Brasil, Roberto Martínez apresentou um novo plano. Voltou a ter um sistema  para defender, outro para  atacar. Um com quatro defensores, outro com três. Kevin de Bruyne não foi o "falso 9", mas um dos meias por trás de Lukaku. Este, deixou a ponta e voltou a ser o centroavante. Os dois saíram do jogo.  Lukaku porque, com mais posse de bola, sem os espaços para o contragolpe que o Brasil permitiu por 30 a 35 minutos, a Bélgica criou muito menos. Sempre teve tal problema. E De Bruyne porque, encaixotado entre as linhas de marcação francesas, só entrou no jogo nos 25 minutos finais, quando voltou a ser um volante, iniciador de jogadas. O que se  viu de brilho belga veio de Hazard,  um grande nome que se despede da briga pelo título.

A França é o oposto. Talvez o elenco mais dotado tecnicamente da Copa, chegou à Rússia com uma coleção de estrelas desconfortáveis em suas funções. Parecia desafiador montar um time em torno de jogadores tão especiais. Vestia o traje de favorita e tentava atacar, dominar. Nunca funcionou. Até trocar o protagonismo pelo pragmatismo.

Ao fazer Matuidi marcar pela esquerda e, no momento ofensivo, sustentar o meio-campo, os franceses têm um Pogba mais frequentemente liberado para conduzir a bola na ligação de contragolpes. Griezmann, pouco à vontade num trio ofensivo, virou um segundo atacante por trás de Giroud, algo mais próximo  do que faz no Atlético de Madrid. E Mbappé... Bem, este tem só 19 anos e parece sempre à vontade. Desde que, em passagens dos jogos que podem ser longas, saiba esperar seu tempo de ter a bola.

A França, e talvez o futebol de seleções fabrique cada vez mais equipes assim,  é destes times de enorme potencial, que deixa o mundo na expectativa de ver aflorar um jogo tão encantador quanto seus intérpretes: mas oferece ao espetáculo apenas o indispensável para ganhar. Deschamps criou uma estrutura conveniente para seus astros, para que tenham momentos e, neles, produzam impacto no resultado do jogo. Mas ainda não houve exibições de 90 minutos de um jogo fluido. São ações decisivas, por vezes esparsas.

Impossível ignorar méritos num futebol francês que fará sua terceira final de Copa em 20 anos. Nunca se produziu tantos talentos. E veio à Rússia um elenco jovem, de imensa técnica, mas que trocou a exuberância pela capacidade de se adaptar. A tentativa de mandar nos jogos na primeira fase resultou em atuações ruins, desequilibradas contra Austrália e Peru, por exemplo.

Nas oitavas, o caos argentino ofereceu todos os espaços de que tanto gosta esta França: imbatível ao poder correr e contragolpear, levou três gols, mas fez quatro. Já o Uruguai se fechou, os franceses controlaram a bola mas, fora de sua zona de conforto, dependeram de uma falta lateral à área para chegar ao gol. Contra a Bélgica, talvez escaldados pela derrota brasileira, os franceses não fizeram qualquer questão da bola. E novamente acharam o gol na bola parada.

Paredão azul
Numa partida em que teve mais posse de bola e passou 58% do tempo no campo adversário, a Bélgica conseguiu entregar apenas cinco passes para jogadores dentro da área. A França, escalada num 4-2-3-1, defendia-se com uma linha de cinco, concentrando o ataque belga na entrada da área, emparedado.
PASSES RECEBIDOS
Entrada
da área
Dentro
da área
França
França
9
11
17
5
Bélgica
Bélgica
LINHA DEFENSIVA FRANCESA
LINHA DEFENSIVA
De Bruyne
Lukaku
Hazard
Fonte: Footstats e Fifa
Paredão azul
Numa partida em que teve mais posse de bola e passou 58% do tempo no campo adversário, a Bélgica conseguiu entregar apenas cinco passes para jogadores dentro da área. A França, escalada num 4-2-3-1, defendia-se com uma linha de cinco, concentrando o ataque belga na entrada da área, emparedado.
PASSES RECEBIDOS
Entrada
da área
França
9
17
Bélgica
Dentro
da área
França
11
5
Bélgica
LINHA DEFENSIVA FRANCESA
LINHA DEFENSIVA
De Bruyne
Lukaku
Hazard
Fonte: Footstats e Fifa

Mas a verdade é que trata-se de uma França difícil de derrotar. Na frente, há homens decisivos. Sem a bola, há solidez defensiva. Entendeu que uma postura mais conservadora, fechando-se e explorando espaços, adaptava-se a jogadores de muita força e técnica para conduzir a bola. Pogba foi excelente defendendo e iniciando jogadas, Kanté e Matuidi esbanjam vitalidade. E, na frente, sempre haverá Griezmann, Mbappé.

Mas, no fim, foi um córner, uma bola alta, uma cabeçada. Nunca a fronteira entre ganhar e perder foi tão tênue.