Brasil

Presidentes da Câmara e do Senado dizem que assassinato de João Alberto escancara racismo estrutural no Brasil

Outros senadores repudiaram o crime; Fabiano Contarato (Rede-ES) apresentou denúncia ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) contra o Carrefour
Presidente Davi Alcolumbre comanda sessão do Congresso Nacional Foto: Maryanna Oliveira / Câmara dos Deputados
Presidente Davi Alcolumbre comanda sessão do Congresso Nacional Foto: Maryanna Oliveira / Câmara dos Deputados

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou nesta sexta-feira (20) que o assassinato de João Alberto Silveira Freitas "escancara a necessidade de lutar contra o terrível racismo estrutural que corrói nossa sociedade". Homem negro de 40 anos, João Alberto foi espancado até a morte por dois seguranças na saída de um supermercado da rede Carrefour , em Porto Alegre, na noite de quinta-feira (19).

João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi brutalmente espancado até a morte por dois seguranças na saída de um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Vídeos que circulam em redes sociais mostram ele sendo agarrado pelas costas por um segurança e agredido por outro com diversos socos na cabeça.
João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi brutalmente espancado até a morte por dois seguranças na saída de um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Vídeos que circulam em redes sociais mostram ele sendo agarrado pelas costas por um segurança e agredido por outro com diversos socos na cabeça.

"No Dia da Consciência Negra, o assassinato brutal de João Alberto Freitas, espancado até a morte por seguranças de um supermercado, em Porto Alegre, estarrece e escancara a necessidade de lutar contra o terrível racismo estrutural que corrói nossa sociedade", escreveu Alcolumbre, pelo Twitter.

Em suas redes sociais, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu que é necessário punir aqueles que promovem o ódio e o racismo.

"Em nome da Câmara dos Deputados, envio meus sentimentos à família e aos amigos do João Alberto Silveira Freitas. A cultura do ódio e do racismo deve ser combatida na origem, e todo peso da lei deve ser usado para punir quem promove o ódio e o racismo", afirmou Maia.

Três ministros do STF também se manifestaram . Gilmar Mendes disse que foi um assassinato bárbaro, que racismo é crime e que "vidas negras importam". Alexandre de Moraes pregou a necessidade de combater o racismo estrutural, "uma da piores chagas da sociedade", e também afirmou que foi um "bárbaro homicídio". Já o presidente da Corte, Luiz Fux, pediu um minuto de silêncio em um evento que participava em homenagem a João Alberto, destacando que hoje é o dia da Consciência Negra.

Outros parlamentares se pronunciaram sobre o episódio. O presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, Paulo Paim (PT-RS), cobrou que o Congresso assuma a sua responsabilidade e paute a Sugestão Legislativa 23/2020, que trata da abordagem policial e das forças de segurança. Ele é relator da matéria.

"Lamentavelmente a história se repete. Mais uma pessoa negra é espancada e assassinada covardemente. #Carrefour #PortoAlegre #RS Ódio, violência, racismo, discriminação, intolerância... Até quando? O sangue das senzalas ainda continua a jorrar no Brasil", escreveu Paim.

Ao GLOBO, a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Feminista Antirracista com Participação Popular, afirmou que o episódio é uma prova de como o racismo é estrutural no país.

— Infelizmente essa é uma expressão aguda do racismo que estrutura todas as relações sociais no Brasil. É lamentável que tanto tempo depois da abolição da escravatura a gente ainda tenha marcas desse período nefasto exposta nas instituições brasileiras, seja no corpo de segurança de uma grande rede de supermercados como o Carrefour, ou o Extra, seja no parlamento, seja no Judiciário — disse.

A deputada também criticou a fala do vice-presidente Hamilton Mourão, que afirmou que "no Brasil não existe racismo". Segundo ela, Mourão mostra desconhecimento sobre o Brasil:

—  A maioria do povo brasileiro é negra e vivencia o racismo na pele quando falta esgoto tratado, quando tem medo da casa cair quando chove, quando vive o desemprego e o trabalho informal. Quando se tira dinheiro do SUS como fez o governo federal, sendo que 80% de quem precisa do SUS é a população negra. Quando ignora que quase 70% dos mortos pelo Estado são negros. É um vice-presidente que desoconhece a história brasileira e quem desconhece a história desconhece as estratégias de enfrentar as desigualdades no presente — disse.

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) argumentou que esse tipo de posicionamento como o de Mourão naturaliza os crimes de racismo.

— Quando falamos que o que aconteceu nos Estados Unidos acontece aqui todos os dias, as pessoas acham que é exagero de quem é negro. Mas é uma coisa chocante contra a qual precisamos reagir. Como Mourão diz que não tem nada disso (de racismo)?  Até onde vamos com essa naturalização desses crimes ?—  criticou.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) lamentou o episódio e destacou que João Alberto foi vítima de racismo.

"Gostaria de celebrar a herança cultural e o avanço das ações afirmativas em prol da comunidade negra. No entanto, o PESAR é mais forte. O João Alberto é mais uma vítima do RACISMO. Minha solidariedade à família, e a todas que tb choram a perda provocada por esse mesmo gatilho", afirmou Tebet em suas redes sociais.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) apresentou uma denúncia ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) contra o Carrefour, em razão do assassinato de João Alberto. O senador também apresentou, no Senado, voto de repúdio contra a rede de supermercado.

"Não é por acaso que, no Dia da Consciência Negra, o Brasil se choque com o assassinato brutal de uma pessoa negra, realidade cruel que reflete uma sociedade racista e um Estado que, omisso, estimula a barbárie. Nossa solidariedade à família da vítima. E condenação efetiva para os criminosos”, afirma Contarato na nota.

As falas dos congressistas destoam completamente da postura adotada pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que afirmou não haver racismo no Brasil .

— Não. Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil, não existe aqui - disse Mourão ao ser questionado se via racismo no caso.

A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), criticou a fala de Mourão em suas redes sociais:

— Quando o presidente é racista e o vice presidente Mourão nega o racismo no Brasil e fala em pessoa de cor, a gente vê o nível que chegamos. Crimes como o assassinato de João Alberto no Carrefour não são fatos isolados. Tem racismo e tem Bolsonaro estimulando ódio e preconceito.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, também reagiu ao comentário de Mourão, sem citá-lo diretamente.

"O negacionismo em relação ao horrendo e óbvio racismo estrutural brasileiro é um instrumento argumentativo perverso, como se o combate ao racismo tivesse que passar primeiro pelo reconhecimento da sua existência. Não somos civilização enquanto não enfrentarmos essa chaga", afirmou Santa Cruz, pelo Twitter.