Por Glauco Araújo, G1 SP — São Paulo


João Alberto Silveira Freitas foi espancado até a morte por seguranças em supermercado de Porto Alegre — Foto: Reprodução

A cabo da Polícia Militar Simone Aparecida Tognini, lotada no 5º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), em São Paulo, é uma das sócias da empresa Vector Segurança Patrimonial Ltda., que é responsável pela segurança no supermercado Carrefour, onde João Alberto, homem negro que morreu após ser espancado por seguranças da rede em Porto Alegre na noite desta quinta-feira (19).

Em São Paulo, manifestantes se reuniram nesta sexta-feira (20) no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, para a realização da 17º Marcha da Consciência Negra, onde pedem também justiça para a vítima. Eles se dirigiram à unidade do Carrefour da Rua Pamplona, no bairro dos Jardins, região central de São Paulo. A fachada do prédio de vidro do shopping onde fica o supermercado foi atingida por pedras e pedaços de pau.

A Secretaria da Segurança Pública informou ao G1 que a policial pode participar de atividades fora do perfil de segurança pública enquanto estiver em licença sem receber salário. A licença foi pedida pela Cabo Simone Tognini em 2019 e renovada pela corporação em 2020.

Rio de Janeiro e São Paulo têm protestos contra morte de homem negro por seguranças

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A pasta informou ainda que, fora deste prazo ela estaria incorrendo em uma infração disciplinar. No Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, a policial militar Simone Tognini aparece como sócia da empresa de segurança desde a abertura da Vector, em 27 de novembro de 2015. A Secretaria da Segurança Pública não informou se ela responde a processo disciplinar por isso.

Questionada sobre se a policial entregou sua arma e distintivo, a SSP afirmou que "durante o afastamento sem remuneração, o policial entrega arma e funcional".

Segundo o tenente-coronel aposentado Adilson Paes, doutor em psicologia e mestre em direitos humanos pela USP, cabo da PM comete uma ilegalidade sendo sócia de uma empresa de segurança privada. "O artigo 37 da Constituição Federal, inciso XVI veda ao funcionário público na ativa a participação societária em empresa privada."

Manifestantes pedem justiça por João Alberto durante manifestação nesta sexta-feira (20), em São Paulo — Foto: LEO ORESTES/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Para ele, o mais grave é que que, no caso da cabo Simone Tognini, ela é agente de segurança pública e sócia de uma empresa de segurança privada. "Se um agente da segurança pública é sócio de uma empresa particular fica evidente o conflito de interesse. A Constituição Federal veda o acúmulo de função, o funcionário público deve ter dedicação exclusiva com a função. É ilegal e também antiético, porque um agente de segurança pública ser sócio de uma empresa de segurança privada que vai justamente lucrar com a falha da segurança pública a que ela pertence", disse Paes.

Ele disse que é comum policiais militares terem atividades além do trabalho como funcionário público. "Bico existe em larga escala e é tolerada pelos respectivos comandantes e pelas autoridades. É um costume arraigado na sociedade e ninguém quer mexer e também é uma forma de os policiais terem um reforço no vencimento sem que haja luta por melhores salários", afirmou Paes.

Segundo o artigo 6º da Lei complementar 207, de 5 de janeiro de 1979, "é vedada, salvo com autorização expressa do Governador em cada caso, a utilização de integrantes dos órgãos policiais em funções estranhas ao serviço policial, sob pena de responsabilidade da autoridade que o permitir."

Neste sábado (21), a Secretaria de Segurança Pública enviou nota informando que iniciou uma apuração sobre o caso.

"A Secretaria da Segurança Pública iniciou na tarde deste sábado (21) uma apuração rigorosa no quadro societário e de funcionários da empresa Vector Segurança Patrimonial para apurar infrações à Lei nº 10.261 (Estatuto do funcionalismo público do Estado de São Paulo) e à Lei Complementar nº 893 (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar). Todos os casos que forem constatados terão a abertura imediata de procedimentos administrativos."

Protestos

Manifestações foram convocadas por organizações do movimento negro e tem o tema Vidas Negras Importam.

O ato na capital paulista também pede justiça pela vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada no Rio de Janeiro em março de 2018, além de lembrar a violência sofrida pela população negra nas periferias do Brasil.

Manifestantes fazem ato em SP pedindo justiça para João Alberto durante 17ª Marcha da Consciência Negra nesta sexta--feira (20) — Foto: Divulgação

Manifestantes pedem justiça por João Alberto, homem negro espancado até a morte, durante ato no Masp nesta sexta-feira (20). — Foto: REUTERS/Amanda Perobelli

17ª Marcha da Consciência Negra em SP aconteceu nesta sexta-feira (20) em São Paulo — Foto: Divulgação

Manifestantes durante 17ª Marcha da Consciência Negra nesta sexta-feira (20), em São Paulo — Foto: LEO ORESTES/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

17ª Marcha da Consciência Negra em SP aconteceu nesta sexta-feira (20) em São Paulo — Foto: Divulgação

Crime em Porto Alegre

Homem negro de 40 anos, João Alberto Silveira Freitas foi espancado e morto por dois homens brancos da capital gaúcha na véspera do Dia da Consciência Negra, comemorado nesta sexta (20). O espancamento foi filmado por testemunhas (veja vídeo abaixo; as imagens são fortes).

Os dois suspeitos foram presos em flagrante. O policial militar Giovani Gaspar da Silva, de 24 anos, foi levado para um presídio militar. Magno Braz Borges, de 30 anos, segurança da loja, está em um prédio da Polícia Civil. A investigação trata o crime como homicídio qualificado.

Imagens mostram homem sendo agredido em supermercado de Porto Alegre

Imagens mostram homem sendo agredido em supermercado de Porto Alegre

Um amigo de João Alberto disse que testemunhou a agressão e viu quando a vítima "gritava que não conseguia respirar", enquanto os seguranças o agrediam.

"Aquele vídeo ali, cara, mostra toda a agressão que ele teve antes de vir a óbito. Além de agredirem ele, deram um mata-leão nele, asfixiaram ele, pessoal pedindo para largarem ele, para deixar ele pra respirar, porque ele gritava que não conseguia respirar, eles não largaram, quando largaram ele já estava roxo, já estava sem respirar", diz Paulão Paquetá, amigo da vítima.

Paulão mora no mesmo bairro que João Alberto. Ele diz que foi ao supermercado para fazer compras e, ao chegar, viu o amigo sendo agredido.

Manifestantes pedem justiça por João Alberto durante manifestação nesta sexta-feira (20), em São Paulo — Foto: LEO ORESTES/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

17ª Marcha da Consciência Negra em SP aconteceu nesta sexta-feira (20) em São Paulo — Foto: Divulgação

Manifestantes pedem justiça a João Alberto durante ato no Masp nesta sexta-feira (20) — Foto: Divulgação

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