RIO E SÃO PAULO — A reversão na tendência de queda dos casos e mortes por coronavírus, que já há três semanas voltaram a subir no Brasil, requer que autoridades públicas revejam planos de abertura. No caso do Rio, especialistas já falam em “fechamento de praias”, “cancelamento de eventos” e nas medidas draconianas de “lockdown”.
A corrida das vacinas: compare eficácia, preços e previsão de aplicação das principais candidatas
Essas três expressões constam de uma nota técnica divulgada anteontem à noite pedo grupo de trabalho multidisciplinar que a UFRJ criou para o enfrentamento da Covid-19. No documento, os autores pedem ação rápida contra a epidemia.
Leia também: Ministério da Saúde indica que vacina da Pfizer pode ficar de fora dos planos do Brasil
Em São Paulo, onde também já desponta o que se apelidou de “segunda onda” ou “repique”, o governo estadual decretou, um dia depois das eleições, uma ligeira alteração no estado de alerta para a pandemia, da fase verde para a amarela.
Na prática, reduz-se de 60% para 40% a ocupação dos estabelecimentos, como bares e restaurantes, que poderão funcionar até 22h.
— Essa medida não fecha comércio, nem bares nem restaurantes. A fase amarela não fecha atividades econômicas, mas é mais restritiva nas medidas para evitar aglomerações e aumento do contágio da Covid-19. Essa mudança não altera programação de volta às aulas, e as escolas não serão fechadas — disse o governador João Doria, em entrevista.
Preocupação nacional
No Rio, o recrudescimento da pandemia nem sequer inspirou anúncio de mudança. O “repique” varia conforme o lugar, mas além de Rio e São Paulo já há estados em todas as regiões do país com reversão da tendência de queda, incluindo Pará, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Pernambuco. No cenário geral do Brasil, já há alta de casos e mortes persistindo por três semanas.
Mesmo em São Paulo, que já anunciou novas medidas, infectologistas dizem que a reação do poder público ainda é insuficiente.
— Como foi feito, é tardio e tímido — afirma o diretor da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), Evaldo Stanislau de Araújo. — Da maneira como está sendo conduzido, logo após uma campanha eleitoral, que o que mais teve foi aglomeração, é, no mínimo, hipócrita. Se não há como fiscalizar mais e proibir aglomerações, então temos de fechar nos horários de pico todos os estabelecimentos não essenciais.
Entenda: O Brasil está vivendo uma segunda onda de Covid-19 ou um repique da primeira?
Críticos destacaram que, no dia 13 de novembro, Doria postou em seu Twitter que não iria endurecer as medidas de combate à pandemia após as eleições: “Mais um absurdo que estão inventando”, escreveu. O anúncio de reversão do estado à fase amarela ocorreu dia 16, logo após as eleições.
Efeito eleição
No Rio, o efeito da eleição sobre a política deve ser mais grave, dizem médicos. Segundo o infectologista Roberto Medronho, um dos autores da nota técnica da UFRJ pedindo medidas mais efetivas de contenção da epidemia, existe entre gestores públicos uma impressão equivocada de que o “repique” não tem gravidade.
— Não teremos tantos casos, mas teremos casos suficientes para fazer o sistema colapsar e pessoas morrerem sem atendimento — disse o médico. — Desde a semana epidemiológica 42 ( 11 a 17 de outubro ), o município tem um aumento sustentado, e a estrutura de saúde está na prática colapsada. São 93,5% dos leitos Covid-19 do SUS ocupados. Estamos com uma média de 3 mil a 4 mil casos semanais, um absurdo.
Analítico: Quarentena mais rígida em São Paulo cria constrangimento para Doria
A cientista política da USP Lorena Barberia, do coletivo Observatório Covid-19 BR, afirma que, a exemplo de São Paulo, em muitos municípios a campanha eleitoral inspirou atraso das autoridades públicas em reconhecer o recrudescimento da Covid-19.
— Em todo o mês de novembro ficamos sem discutir e sem reavaliar o risco da pandemia — afirmou a professora. — A OMS e outros órgãos de saúde recomendam a reavaliação a cada duas semanas, no mínimo, para saber onde tem regiões importantes de surtos.
Medida: Distrito Federal restringe permanência a bares para conter alta da Covid-19
Em entrevista à Globonews, o prefeito reeleito de São Paulo, Bruno Covas, negou que a campanha tenha influenciado a política para contenção da Covid-19.
— O município sempre foi muito mais cauteloso na liberação de atividades. Em nenhum momento nos pautamos por calendário eleitoral. O mais fácil seria a prefeitura não ter participado dessas discussões. Mas sempre se envolveu e sempre vamos atuar de acordo com as orientações da vigilância sanitária — disse ontem, sem comentar as restrições que o estado já havia anunciado. — Cancelamos os eventos de fim de ano e mantemos que na cidade de São Paulo não há espaço para um discurso alarmista de que teremos um novo lockdown, e nem espaço para dizer que a pandemia já acabou.
Dezembro crucial
Em cidades onde prefeitos não se reelegeram ou a oposição eleita não dialoga com a situação, a falta de entrosamento entre gestões preocupa especialistas.
Covid-19: Confira a situação no seu estado
— É muito perigoso esse vazio de liderança em dezembro levar a gente a chegar em janeiro já com situação explosiva da pandemia — afirmou Barberia, da USP.
Para Medronho, da UFRJ, um dos desafios a serem enfrentados pelos gestores é convencer a sociedade a dar um passo atrás nas medidas de reabertura da economia que estão em vigor.
— Acontece que a sociedade está exausta; os profissionais de saúde, esgotados; a economia, quebrada; e desmobilizamos a estrutura criada para atender os doentes sem ter sequer um plano de remobilização. O Brasil é um país sem planos nesta pandemia — disse.