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Em Manaus, elite paga até R$ 170 mil para “fugir” da cidade em UTIs aéreas

Políticos também estão usando serviço privado para enviar familiares para fora do estado em meio a caos na rede de saúde em meio ao aumento de casos e mortes por Covid-19
O deputado Adjuto Afonso (PDT-AM) acompanhou o embarque do irmão infectado pela Covid-19. Em dezembro, intermediou acordo entre governo e empresários para flexibilizar medidas de isolamento social Foto: Leandro Prazeres / Leandro Prazeres
O deputado Adjuto Afonso (PDT-AM) acompanhou o embarque do irmão infectado pela Covid-19. Em dezembro, intermediou acordo entre governo e empresários para flexibilizar medidas de isolamento social Foto: Leandro Prazeres / Leandro Prazeres

MANAUS – Diante dos hospitais lotados e da escassez de oxigênio hospitalar por conta do aumento de casos e mortes por Covid-19, os mais ricos de Manaus estão pagando até R$ 170 mil em UTIs aéreas privadas para se tratarem em cidades como Brasília, São Paulo, Goiânia e Cuiabá.

Entre os que procuram o serviço estão funcionários públicos de alto escalão do Amazonas, profissionais liberais, empresários e até políticos. Uma das principais empresas do ramo está com todos os seus voos lotados até terça-feira.

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O Amazonas vive, segundo o governo do estado, a pior crise sanitária de todos os tempos por conta do aumento no número de casos do novo coronavírus e a falta de oxigênio hospitalar para atender aos pacientes. Há dois dias consecutivos, o número de enterros é superior a 200,  superior ao registrado no primeiro pico da doença, entre abril e maio do ano passado.

Hospitais públicos e privados estão com lotações praticamente esgotadas. Enquanto a maior parte da população se aglomera para conseguir um leito e torce pela normalização do estoque de oxigênio hospitalar, quem pode deixa a cidade em UTIs aéreas privadas.

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O empresário Marcos Pacheco é dono de uma das duas empresas locais que atuam no serviço de UTI aérea. Ele tem cinco aviões aptos a transportar pacientes para outros estados. Ele diz que a procura nas últimas semanas tem sido muito superior à registrada no primeiro pico da doença, entre abril e maio do ano passado.

— Não tem nem como comparar. A procura aumentou exponencialmente. A gente não está parando um minuto. Estou com fila de espera de dois dias — afirmou.

Pagamento é à vista

Pacheco afirma que os destinos preferidos dos seus clientes são os hospitais de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Belém e Fortaleza. Ele chega a cobrar até R$ 170 mil para transportar um paciente entre Manaus e São Paulo.

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O empresário também diz que, preferencialmente, o pagamento pelo serviço é feito à vista, mas como o público é restrito, ele costuma abrir “crédito” para alguns clientes.

O enfermeiro Daniel Tony de Oliveira e a médica Jayda de Souza fazem parte da equipe da CTA Taxi Aéreo, que faz o transporte de pacientes com Covid-19 para outros estados Foto: Leandro Prazeres / Leandro Prazeres
O enfermeiro Daniel Tony de Oliveira e a médica Jayda de Souza fazem parte da equipe da CTA Taxi Aéreo, que faz o transporte de pacientes com Covid-19 para outros estados Foto: Leandro Prazeres / Leandro Prazeres

— Não é um mercado muito grande. A gente acaba conhecendo muita gente. Em alguns casos, a gente abre crédito e eles pagam depois. Mas o ideal é pagamento à vista, mesmo — afirma.

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O empresário Claiton Sérgio de Souza, dono da CTA Táxi Aéreo, também diz que a demanda nas últimas duas semanas pelo serviço de UTI aérea disparou. Ele colocou três aeronaves turboélices para fazer o transporte de pacientes. Os aviões fazem seis voos diários. Ele cobra, em média, R$ 95 mil pelo trecho entre Manaus e Brasília e R$ 85 mil pelo que vai até Cuiabá.

— As pessoas estão preocupadas. Meus voos estão lotados. Não tenho vaga até terça-feira. Acabei de me livrar da Covid-19. Minha mulher e minha filha (ainda) estão doentes — disse o empresário.

Entre os clientes de Claiton neste domingo estava a família do deputado estadual Adjuto Afonso (PDT-AM). Pela manhã, ele aguardava no hall de entrada do hangar da CTA para acompanhar o embarque do seu irmão, infectado pela Covid-19, em uma UTI aérea com destino a Brasília.

— Ele estava em casa. Está indo mais por precaução, mesmo — afirmou o parlamentar.

No início da tarde, uma ambulância com o emblema do governo do estado do Amazonas chegou ao hangar da empresa levando o irmão do deputado para embarcar. Médicos consultados pela reportagem sob condição de anonimato afirmaram que o transporte de pacientes fora da rede pública por ambulâncias do governo não é comum.

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Procurado, o parlamentar disse que a ambulância foi enviada a pedido de um familiar que teria acionado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), operado pela Prefeitura de Manaus. A ambulância, no entanto, tinha adesivo com o emblema do governo estadual.

Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM) afirmou que não identificou a remoção mencionada pela reportagem e disse que irá abrir uma investigação para apurar o caso.

"O Sister (Sistema de Transferência de Emergência Regulada) não identificou a remoção apontada na reportagem e uma investigação mais apurada se fará necessária para verificar as circunstâncias do fato apresentado", diz um trecho da nota.

Governo federal não usa UTIs aéreas em Manaus

Enquanto os mais ricos conseguem sair da cidade em busca de tratamento médico, a maior parte da população afetada pela Covid-19 ainda sofre com leitos lotados e o temor da falta de oxigênio hospitalar.

Na semana passada, o governo federal anunciou uma operação para transferir 235 pacientes do Amazonas para outros estados, mas como o Ministério da Saúde não tem UTI aérea, somente pacientes que estejam fora de UTIs poderão ser transferidos.