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Questões da primeira prova do Enem 2020 ignoram a pandemia da Covid-19

Temas abordados foram dos direitos das mulheres à cultura popular. Obras de Caetano Veloso e Eduardo Galeano foram citadas, ditadura militar brasileira não é mencionada
Enem 2020 tem sua primeira prova realizada neste domingo (17) Foto: Luis Fortes / Agência O Globo
Enem 2020 tem sua primeira prova realizada neste domingo (17) Foto: Luis Fortes / Agência O Globo

RIO — A primeira prova da edição 2020 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não fez menção à pandemia da Covid-19 e ao novo coronavírus, ao contrário do que esperavam candidatos e professores. A Ditadura Militar também não foi citada. Neste domingo, vestibulandos responderam a 45 questões de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e outras 45 perguntas de Ciências Humanas e suas Tecnologias, todas objetivas, além da redação . Foram abordados temas como direitos das mulheres, o diálogo entre culturas eruditas e populares.

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A pandemia ainda pode ser mencionada pelas questões das duas áreas de conhecimento na próxima prova, no dia 24, quando candidatos terão de responder questões objetivas de Matemática e Ciências da Natureza. Os textos de apoio da redação, cujo tema foi “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira” , também não fizeram menção à Covid-19.

Pelo segundo ano seguido , a ditadura militar brasileira, que vigorou entre 1964 e 1985, não foi abordada entre as questões de Ciências Humanas. O tema é caro ao presidente Jair Bolsonaro, crítico contumaz do exame antes de assumir o governo e defensor do regime autoritário.

— O governo tem um discurso conservador, mas muitas questões que caíram no Enem estão no banco do Inep há mais de dois anos, ou seja, desde antes do mandato de Bolsonaro. Por isso, alguns movimentos progressistas ainda são abordados — avaliou o coordenador pedagógico da plataforma ProEnem, Leandro Vieira.

Cinco questões da prova abordaram a desigualdade de gênero na sociedade. Três delas a respeito de esportes: numa delas, sublinhava a diferença entre o salário de dois dos maiores jogadores de futebol em atividade — Neymar e Marta. As outras eram sobre uma campanha de respeito as mulheres em estádios e sobre futebol feminino em jogos de vídeo-game.

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Também foi destacado o papel equivocado pelo qual a mulher é vista na sociedade. Um dos exercícios mostrava a charge de uma mulher com a boca tampada, em um sinal de censura. Outra questão exibia alguns termos que aparecem em uma busca do Google sobre o que a mulher não pode fazer.

Para Vieira, a prova de Ciências Humanas teve um nível de dificuldade "bem tranquilo". Para o educador, os alunos que mantiveram o ritmo de estudos durante a quarentena, a despeito dos problemas no calendário escolar, terão bom desempenho.

— O que me chamou atenção foi a quase ausência de questões sobre História do Brasil. Houve apenas uma, sobre conflitos regionais em Pernambuco. Ao mesmo tempo, tivemos um excesso de enunciados sobre conflito no campo, reforma agrário, ocupação de terras e agronegócio — explica. — Muitas questões poderiam ser respondidas apenas pela interpretação, foi um exame tranquilo.

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Entre as obras mencionadas na prova estão a música "Águas de Março", de Tom Jobim; e um poema de Manuel Bandeira. Houve, então, questões que provocaram surpresa por serem, no governo Bolsonaro, consideradas como alinhadas à esquerda, como a interpretação da música "Alegria, Alegria", de Caetano Veloso, e o livro "Veias abertas da América Latina", de Eduardo Galeano, que aborda a opressão política latino-americana.

O professor também destacou que a História Antiga ganhou mais espaço, em detrimento da Contemporânea. Temas que costumam ter espaço cativo na prova, como a Era Vargas, foram deixados de fora.

Rafael Duarte, professor de História do Colégio Mopi, critica a falta de questões de sua matéria sobre o século XX.

— No ano passado, foram apenas duas. Neste ano, conseguiram a façanha de reduzir para uma só. É uma opção muito ruim, porque o terceiro ano do ensino médio na rede pública é quase todo dedicado ao século XX. Então, o Enem, em vez de cobrar os temas que estão mais "frescos" na cabeça do aluno, recorrem a outros que ele não estudou recentemente.

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Outra questão no campo da cultura abordou o uso do trecho de uma composição de Mozart pelo cantor e compositor brasileiro MC Fioti, na canção Bum Bum Tam Tam. O enunciado indagava ao candidato sobre a assimilação de um conteúdo erudita por uma obra popular.