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Educação

O Enem da pandemia

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começou ontem repetindo, com alguma variação no roteiro, um mesmo filme que marcou praticamente todas as 12 edições do exame até aqui, desde que ele ganhou o atual formato de substituição de vestibulares. A aplicação da prova exige um esforço monumental de logística, e está sempre sujeita a turbulências que, em maior ou menor grau, colocam em risco sua operação.

Desta vez, o principal fator a dificultar a logística de uma prova que define o futuro de milhões de jovens foi a pandemia. Quem procurasse na tarde de sábado informações sobre o Enem encontraria muito mais notícias de decisões judiciais mantendo sua aplicação, em meio a pedidos variados pelo país de adiamento por causa do risco de contaminação por Covid-19, do que reportagens com dicas ou orientações gerais para o primeiro dia do exame. Como resultado (não das reportagens, mas da realidade que muitos no governo federal insistem em negar), a taxa de abstenção na prova foi recorde.

No caso da atual edição, a fonte maior de turbulência até agora foi um evento externo imprevisível. Mas, desde o vazamento da prova em 2009 até o erro no cálculo das notas de 6 mil candidatos em 2019, foram vários os problemas enfrentados. Todos eles derivam ou foram agravados por uma deficiência na origem: o fato de a prova ser concentrada em apenas uma data (dividida em dois dias), em todo o país.

O Enem foi inspirado no norte-americano SAT. Anualmente, os candidatos que se inscrevem no exame por lá podem escolher entre quatro datas para fazer a prova, o que permite melhor adequação ao seu calendário pessoal de estudos e facilita a logística de aplicação. Mas, para isso, é preciso ter um banco de questões previamente testadas em número significativo, para garantir que todas as provas tenham o mesmo nível de dificuldade e que perguntas não sejam repetidas. Foi a ausência desse banco em número suficiente que levou o MEC a concentrar a prova em único momento, dividido em dois dias de prova.

As mudanças anunciadas pelo Inep para os próximos anos amenizam um pouco esse problema, mas trazem outras consequências que podem ser negativas. A proposta é que alunos possam fazer o exame de forma seriada, no 1º, 2º e 3º ano do ensino médio. O exame único continuará a existir, pois boa parte dos inscritos é de candidatos que já completaram o ensino médio há mais de um ano, mas teria escala bem menor.

O maior risco a ser considerado no novo modelo é de os currículos estaduais ficarem ainda mais engessados num momento em que a reforma do ensino médio apostava em mais flexibilidade, pois a prova tem um impacto enorme na indução do que é ensinado em sala de aula.

Há também questões ainda mais profundas em discussão e que não são resolvidas com a proposta do Inep, como a crítica ao fato de uma prova de múltipla escolha não ser mais um bom instrumento para avaliar competências e habilidades do século 21, conforme argumentei em minha coluna da semana passada aqui.

Apesar de todos os percalços, o Enem teve também seus méritos. O principal deles foi ampliar – junto com o Sisu (Sistema de Seleção Unificado) – as chances de um estudante se inscrever em mais cursos universitários, inclusive fora de seu estado, com base em sua nota. Mas o exame, no atual formato, está mesmo com seus dias contados.  

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