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Educação

Desinteresse e evasão escolar dos jovens é tragédia coletiva

A abstenção recorde da atual edição do Enem foi apenas mais um sinal de um problema que já existia antes da pandemia, mas que foi agravado por ela: a desmotivação dos jovens em concluir o ensino médio ou, no caso específico, tentar uma vaga no ensino superior. Muitos podem ter deixado de fazer a prova por medo de contaminação por Covid-19, mas uma parcela significativa pode também ter desistido, mesmo estando escrito, por não se sentir preparado. Será urgente, portanto, insistir para que esses estudantes tenham novas oportunidades de ingresso no ensino superior ou que, no caso daqueles que abandonaram os estudos, voltem a estudar.

Uma pesquisa do Conselho Nacional de Juventude feita com jovens de 15 a 29 anos na segunda quinzena de maio do ano passado já indicava que esse seria um cenário provável. Dos entrevistados que planejavam fazer o Enem, 49% diziam, naquela época, que cogitavam desistir de se preparar para o exame. Outros 28% declararam que pensavam em não voltar para a escola quando a pandemia acabasse.

Mesmo antes da pandemia, o desinteresse dos jovens pelos estudos já era um problema grave. Um estudo apresentado pelo Inep na X Reunião da Associação Brasileira de Avaliação Educacional, em 2019, mostrou como já era dramático o quadro: de cada 100 jovens que iniciavam o 6º ano do ensino fundamental, apenas 39 conseguiam, seis anos depois, concluir o ensino médio. Outros 22 permaneciam estudando, mas estavam atrasados por terem repetido algum ano ao longo da trajetória. O dado mais preocupante, porém, era o de 39 jovens que haviam abandonado a escola.

A evasão vinha caindo lentamente nos últimos anos. As primeiras estatísticas oficiais relativas a 2020 serão conhecidas provavelmente apenas em março, mas, infelizmente, há indícios de piora. Na sexta-feira passada, uma pesquisa Datafolha encomendada pelo C6 Bank mostrou que quatro milhões de alunos abandonaram os estudos durante a pandemia. Entre os que estavam matriculados no ensino superior, 16% haviam desistido dos estudos, percentual que ficou em 11% no caso do ensino médio e em 5% no fundamental. Entre os principais motivos citados para o abandono estavam questões financeiras (24%), o fato de ter ficado sem aulas (22%) ou a dificuldade com o ensino remoto (20%) na pandemia.

Em todos os níveis de ensino, uma das tarefas mais importantes para o início do atual ano letivo é ir atrás dessas crianças e jovens que abandonaram os estudos para convencê-los a voltar. O problema, porém, é ainda mais grave no ensino médio, pois trata-se de uma etapa obrigatória da educação básica – como também é o fundamental –, mas onde é muito mais difícil convencer um jovem a voltar aos bancos escolares. 

A não conclusão do ensino médio eleva significativamente os riscos de ingresso precário no mercado de trabalho e gravidez precoce não planejada – apenas para citar dois efeitos colaterais com consequências para o resto da vida. Um estudo da Fundação Roberto Marinho e do Insper, divulgado em agosto do ano passado, estimou que as perdas econômicas com a evasão escolar são da ordem de 3% do PIB. O trabalho mostrou também que um jovem com ensino médio completo vive quatro anos a mais com qualidade do que aqueles que não concluíram esta etapa, e que o aumento da matrícula nesta etapa está correlacionado com diminuição em taxas de homicídio.

A desmotivação que leva à evasão dos jovens da escola é, mais do que um problema individual, uma tragédia coletiva. 

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